Inspirado numa série de seminários do pensador Roland Barthes, o tema proposto para esta 27ª edição da Bienal de Artes de São Paulo é pretensioso e audaz, intitulado: "Como viver junto".
Confesso que me causou muita curiosidade, ainda mais quando se pensa num país em "constante" subdesenvolvimento como o Brasil. A intenção de mostrar algo tão positivo e merecedor de respeito muito me intrigou.
Com a curadoria de Lisette Lagnado, a mostra traz em sua diversidade de culturas e artistas o contemporâneo que pretende refletir sobre a vida coletiva, sobre as diferenças, a polêmica entre respeitar e conviver, entre compactuar e interagir, entre guerra e paz, entre compartilhar e dividir; "refletindo a falta de diálogo e horizontes que vemos nos dias de hoje", afirma Lisette.
Recheada do contemporâneo de vários países, além das obras, a mostra conta com inúmeras vídeo-instalações e muitas fotografias de grande porte, que nos remetem às grandes telas pintadas no passado.
Para que possamos nos "situar" é preciso observar alguns aspectos e nos perguntar: qual a origem desse artista? Como é a cultura de seu país? Como vive e pensa a sociedade daquele lugar?
É daí que vem todo o contexto sem texto, toda a dúvida remota e perene que me fez questionar: até que ponto o público é capaz de fruir desse jeito? Essas pessoas que fazem fila para visitar a Bienal teriam a capacidade de pensar assim? Consegue essa "linguagem da arte contemporânea" realmente transmitir algo tão positivo, porém tão subjetivo, como se propôs? Ou será que isso tudo não passa de mais um momento dessa "sociedade de espetáculo" na qual estamos inseridos, que se preocupa em "ver porque todos estão vendo", em viver de modismos e superficialidades?
Eu me pergunto como poderemos "viver junto" num país tão decadente como este, onde a intolerância e o desrespeito ainda são forças maiores, onde o governo apóia excursões para grandes mostras de arte sem antes dar ao professor um mínimo de orientação para monitoria, onde um Cirque du Soleil é aberto à população mostrando-lhes tantos sonhos, quando o menor deles, simplesmente ter a água e o pão em casa, pela maioria sequer pode ser suprido.
Mas, ainda assim, eu, participante de um número grande de pessoas que acreditam que a arte pode nos trazer boas coisas, pretendo ver com "bons olhos" algumas obras dessa Bienal, como a do argentino Léon Ferrari, que nos relembra Bosh e faz suas contemporâneas intervenções; a de Marilia Darot, com suas televisões expostas ao chão que nos propõe um belo jogo semântico, além da agradável sensação que nos oferecem os tantos guarda-chuvas pendurados pelo artista baiano Marepe, trazendo-nos a lembrança dos ready-made de Marcel Duchamp, entre tantas outras.
Para finalizar, recomendo que se vá munido de um bom par de tênis próprio para caminhadas e totalmente desprovido de pressa. Além disso, e não menos importante, uma boa disposição para saber enxergar, pensar, refletir e deixar-se contagiar pelas infinitas possibilidades que poderíamos ter se conseguíssemos a fórmula de "Como viver junto".
No frigir dos ovos, um "refinado" olhar questionador poderá proporcionar a descoberta de algumas pérolas. Mesmo que poucas.
Para ir além 27ª Bienal de São Paulo
Quando: de 7 de outubro a 17 de dezembro - De terça a sexta, das 9h às 21h. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 22h - Onde: Pavilhão da Bienal (pq. do Ibirapuera, portão 3) - Quanto: grátis.
* Simone Oliveira é poeta e estudante de artes visuais da Faculdade Belas Artes de SP.
Realmente: muitas pessoas que visitam a Bienal, e tantas outras exposições que a cidade oferece, não estão preparadas culturalmente para absorver o que lhes é proporcionado... Concordo tb. que, mesmo na falta de maiores esclarecimentos, é possível recolher algumas pérolas e assino embaixo quando você dá a dica do uso de um bom par de tênis para essa visita. Parabéns pelo ótimo texto, Simone!