Eu queria escrever meu nome em algum lugar que tivesse muita visibilidade. Um outdoor no meio da Paulista, por exemplo. Ou um comercial da Globo em pleno horário nobre. Minha certidão de nascimento envolta por luzes coloridas e algum slogan ridículo embaixo. A fama. Eu queria a fama mais barata e fácil que alguém jamais ousou imaginar. Aquela que não custa esforço algum, que não requer qualquer movimento muscular brusco e que não tira o sono com algum tipo de culpa. A fama de uma dançarina de axé, por exemplo. A fama de quem balança as ancas. Mas eu não tenho ancas para balançar.
Então decidi escrever um conto qualquer, desses que marcam época. Uma história sobre o nada, com cavalos decapitados e pessoas alvoroçadas com a chegada das tropas russas. Desisti quando percebi que não faria o menor sentido para as massas. Talvez eu conseguisse algum sucesso póstumo, quando um maluco qualquer descobrisse que eu havia sido uma grande filósofa mal-compreendida. Mas assim não adianta. A fama só vale para quem tem sangue correndo nas veias, e não para um par de fêmures esquecidos num ossário. Desisti mais uma vez.
Sem saída, passei a usar drogas de todos os tipos: orégano, pó-de-mico, AAS infantil, perfume falsificado, longas tardes diante da TV, cola branca com pão francês e até mesmo intermináveis seções-pipoca assistindo filmes do Stallone. Nada adiantou. Minha última tentativa foi um galhinho de arruda atrás da orelha e três sementes de romã dentro da carteira. Por algum milagre sobrenatural, esta mistura natureba mostrou o caminho que eu tanto procurava: as palavras. Escrever seria minha dose de morfina, aquela que cura qualquer dor. Naquele momento já existia um vício irreversível incorporado à minha vida.
Com o tempo, no entanto, senti que precisava de mais, muito mais, e que minha produção caseira da droga já não bastava. Nos últimos três anos, muitas vezes meu cérebro saiu para comprar cigarros e voltou semanas mais tarde, sem dar qualquer satisfação. Quando isto aconteceu, tentei me virar sozinha com gotas vencidas de analgésico vagabundo. Minha sobrevivência foi minguando. Até o dia em que... Bem, eu não lembro direito como aconteceu, mas acho que passei a dar plantão em escolas e botecos, sempre segurando uma plaqueta com os dizeres "precisa-se de traficantes com ou sem prática". O resultado é que hoje somos um exército, uma horda, um bando de produtores viciados. E se você ainda não caiu nesta, duvido que resista por muito tempo.
Vanessa Marques, sobre os Morfinéticos, que eu descobri só hoje...
Tudo que a Vanessa diz das dançarinhas de axé que abundam por aí, em fama efêmera, também pensei, mas barbudo de baiana fica um pouco desusado para um piauiense criado desde um ano de idade no Rio Grande do Sul, tchê. Então, fiz terapias, lavei louça, as roupas em tanque. Cheguei ao doce devaneio da Confraria dos Blogs Não Lidos. Mesmo sem a Fama urgente, que talvez trouxese a reboque alguma Fortuna, persisto. Vou até publicar impresso algo mais alentado que já escrevi, a novela "O dia do descanso de Deus". Sei o que é dependência, nem consigo largar do teclado enquanto estou fumando.