Já há algum tempo, as moedas de um centavo desapareceram dos bolsos, das carteiras, das caixas registradoras e de nossos porquinhos. O que houve ainda é um mistério. Mistério esse que nem a casa da moeda consegue explicar. As moedas de um centavo sumiram, mas o comércio continua cobrando esse centavo que faz a diferença. Caso não fizesse, ele certamente não seria cobrado.
De centavo em centavo, perdemos um dinheiro que poderia garantir o pão de um dia do mês.
É sempre a mesma história: sua compra dá R$ 4,98. Você paga com cinco reais e os vendedores nem têm mais a cara-de-pau de dizer que vão ficar te devendo dois centavos ou de te dar uma balinha de comiseração. E espere para ver a cara do vendedor se você oferecer uma balinha para facilitar o troco.
Já virou convenção social. Quando é o estabelecimento que te deve R$ 4,98, por exemplo, você até recebe os cinco reais. Mas se o troco é de R$ 4,92, o vendedor te entrega exatos R$ 4,90, na certeza do "volte sempre". Voilà: novamente te afanaram dois centavos.
Parece que a regra do jogo é marcada pelo arredondamento de centavos: um ou dois centavos, para menos; quatro ou cinco centavos, para mais. Mas aí eu me pergunto: e quando dá três? Se, por exemplo, o valor da compra deu R$ 4,93, quem vai pagar o pato?
Com a mania de o comércio brasileiro achar que o coitado do consumidor tem que facilitar o troco (e nessas horas a balinha não vale!) é óbvio que, mais uma vez, é ele quem vai arcar com esse terceiro centavo.
O terceiro centavo caminha para o mesmo destino dos milésimos de centavos das bombas de gasolina: a invisibilidade aos olhos, mas a dor no bolso.
Nada é mais enganoso do que as lojas de R$ 1,99 e as mega-ultra-promoções de última hora em que todas as etiquetas terminam com um sedutor "vírgula noventa e nove centavos". A estratégia de marketing é absurdamente simples e funciona! O que fica na cabeça é o real. O resto é resto. Ao consumidor incauto, parece que o preço é um real e uns quebrados quando, na verdade, é o dobro.
A extinção da moeda de um centavo tirou do consumidor o único instrumento de defesa contra a prática do "se colar, colou". De centavo em centavo, continuamos com cara-de-tacho enquanto as caixas registradoras engolem reais por dia. Reais esses que meu terceiro centavo ajudou a formar.
É isso aí. De qualquer forma, quando estabilizaram a moeda, tive a nítida sensação de agir como personagem de filmes - usando realmente moedas. Finalmente aquele inferno de notas cedia às moedas. E, salvo engano, houve uma época em que as moedas começaram a escassear. Hoje, esse troço do 1 centavo é sério, até porque 1 centavo custa mais do que isso e, óbvio, tem alguém lucrando aí. Sem falar na cara de tacho acerca de um troco que não existe. Mas, ainda assim, sou pela cultura dos centavos.