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Segunda-feira,
7/5/2007
Otelo da Mangueira
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Uma das características próprias de grandes obras é a universalidade. É ela que faz com que obras como Antígona ou Medéia sejam absolutamente atuais mesmo milhares de anos depois de escritas. Daí nasce, no entanto, a discussão entre a forma dessa atualidade.
Há os mais, digamos, puristas, que defendem que as obras devem ser apresentadas tal qual foram concebidas. E há aqueles que defendem a necessidade de uma atualização, em maior ou menor grau - o tal do aggiornamento. Argumentos, mais ou menos justos, sobram para os dois lados. Debate à parte, a verdade é que espetáculos bem feitos são sempre algo a ser festejado.
A montagem carioca Otelo da Mangueira filia-se à tradição das livres adaptações. É um musical que veste a tragédia de William Shakespeare de verde e rosa e sobe o morro. Otelo é o presidente da escola, Desdemona (aqui chamada Lucíola) uma porta-bandeira e Iago (Dirceu) um compositor que tem seu samba recusado para o carnaval.
O ator e dramaturgo Gustavo Gasparian acertou em cheio na adaptação. O espetáculo consegue, ao mesmo tempo, dar uma nova roupagem à obra do bardo, mergulhar no universo do Rio de Janeiro dos anos 1940 e prestar uma belíssima homenagem à Estação Primeira de Mangueira, berço de alguns dos maiores nomes do samba, como Cartola e Nelson Cavaquinho. E cumpre muito bem estes três papéis.
De início, a faceta musical da montagem, sob a direção de Josimar Carneiro, é primorosa. Um repertório de 17 canções de primeira linha, com sambas como "Alvorada", "As rosas não falam", "Capital do Samba" e "Chega de demanda", é executado por um competente conjunto musical. Os atores, por sua vez, mostram-se grandes cantores.
Otelo da Mangueira tem a feliz - e um tanto quanto rara - qualidade de não restringir-se somente a bons números musicais unidos por uma dramaturgia frágil, paupérrima, por vezes: um mal que atingiu espetáculos recentes, como Cauby, Cauby e Rádio Nacional. Há um equilíbrio, tanto dramático como de qualidade, entre o enredo e as canções.
Esse equilíbrio ganha forma na competente e minuciosa direção de Daniel Herz. O elenco, talentoso e coeso, faz uso de uma multiplicidade de recursos cênicos, que vão desde diálogos com a dança até expedientes notadamente épicos, que garante uma conjunção de poesia visual e agilidade ao espetáculo. Densidade emocional aliada a um frescor que remete ao próprio samba que emerge da quadra verde e rosa.
A leitura de Gasparian alça Iago/Dirceu (interpretado com maestria por ele mesmo) ao centro da trama, potencializando seu ressentimento e seus sortilégios. As outras personagens tornam-se quase títeres em seus estratagemas. Otelo, em sua "falha trágica", cai em suas armadilhas e se volta contra a esposa que nunca lhe foi infiel. É uma interpretação consagrada em nossa literatura cênica.
Lamentavelmente o grupo esteve em São Paulo para apenas seis apresentações. Fica a expectativa em relação ao seu retorno, para que os paulistanos possam desfrutar de um espetáculo tão encantador. Um musical dos bons, coisa que não se vê todo dia.
Postado por Guilherme Conte
Em
7/5/2007 às 15h57
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