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Quinta-feira,
17/5/2007
Festival de cinema em Jampa
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Acabo de voltar de João Pessoa já com saudades daquele clima de festival, bom para quem visita e melhor ainda para quem participa efetivamente nas oficinas. De 4 a 13 de maio, a capital paraibana recebeu o III Cineport - Festival de Cinema de Língua Portuguesa. A direção desse evento memorável ficou por conta de Mônica Botelho e a produção impecável, por Henrique Frade. Ambos, mais do que bons profissionais, revelaram-se excelentes anfitriões.
O III Cineport reuniu cineastas, cinéfilos, escritores e atores de diversas nacionalidades lusófonas. Vez por outra, o saguão do hotel parecia realizar uma volta no tempo ao reunir os 500 anos de história entre nossos colonizados e colonizadores. Portugueses, angolanos, caboverdeanos, moçambicanos, timorenses e, ora vejam, até brasileiros desfilavam por ali.
Eu estava presente como roteirista selecionada pelo laboratório de adaptação literária da Persona Filmes, dirigida pela cineasta mineira Elza Cataldo. A oficina que realizamos com o Newton Canitto, responsável pela famosa Cidade dos Homens, dentre outros trabalhos, foi muito intensa e proveitosa. Foram dez dias de reuniões constantes, aulas expositivas, exercícios com mapas de plots, escaletas, perfil de personagens, esboço de cenas e alertas sobre o uso de recursos narrativos, como a tão famigerada "quebra temporaaal!, quebra temporaaaaal!". A propósito, e conforme orientações do nosso digníssimo professor, esse recurso só deve despertar empolgação em "roteiristas de nível 1". Os de "nível 2" devem pensar melhor quando usá-lo e com que finalidade... É, isso também me parecia óbvio até então.
O trabalho foi intenso. Em dez dias de oficina, tivemos apenas duas manhãs livres. Houve dia em que emendamos mais de dez horas de reuniões e exercícios. O corpo ficava exausto, dava sono e a mente entrava num spinning difícil de ser contido. Mas esse trabalho é muito gratificante e vicia. Quando se percebe, já está num turbilhão de idéias do qual não se quer sair.
Além disso, é muito bom trabalhar de bermuda, de chinelo ou descalço, com um professor desbocado, alunos idem e ainda assim ver o trabalho render. Render bem mais do que um trabalho burocrático em empresas engravatadas, por sinal. O Umberto Eco mesmo já escreveu um pequeno ensaio sobre isso, mostrando como roupas apertadas e incômodas atrapalham o raciocínio. Segundo o autor, o jeans chega a ser um atentado à Filosofia. Quem quiser conferir, leia as crônicas da Viagem na irrealidade cotidiana, publicadas no Brasil pela Nova Fronteira.
A melhor parte dos festivais é essa troca constante de idéias e o fato de conhecer gente diferente, distante, mas com o mesmo interesse, a mesma paixão. E os cafés-da-manhã no hotel proporcionam o melhor ambiente para isso.
Tem gente que se esbalda em festivais de cinema com o desfile de atores globais. É impossível não notar a presença de astros que pavoneiam nessas ocasiões. Mas para quem está ali por paixão à cultura e engajado numa missão, a presença da Marília Gabriela, da Lúcia Veríssimo, do Selton Melo, do Paulo José, da Maria Ceiça, da Maria Zilda, do Matheus Natchergaele e de tantos outros, definitivamente, é o de menos. Desculpem-me, pessoal, não é nada pessoal. Mesmo porque, assim como não me conhecem, eu também não os conheço.
Quem nos interessava mais particularmente ali eram os escritores dos livros que nos foram destinados: Ana Paula Maia, Christiane Tassis, Agualusa, Ondjaki, Miguel Gullander e Francisco José Viegas.
Após o café, labuta. Pausa para o almoço. Labuta novamente. Terminávamos nossos dias de trabalho já à noite, quase na hora dos compromissos na Cidade do Cinema, um lugarzinho aconchegante e bastante charmoso em "Jampa". Tínhamos meia hora para tomar banho e transformarmos nossas formas decadentes em Mun Ra, o espírito eterno. Em seguida, íamos conferir as exibições dos longas e curtas nas tendas do festival.
Foi ali que me apaixonei pela lucidez de Estamira, revelada num documentário de Marcos Prado, e pelo sorriso do contorcionista angolano captado pelo diretor Zezé Gamboa. Gostei, também, das cenas de O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburguer, mas não suportei o monólogo interminável e incompreensível de um filme português chamado Juventude em marcha. Minimalista? Não sei. Não consegui ficar para saber.
A coisa chata de festival é o último dia. Dá aquela sensação amarga de quarta-feira de cinzas, aquela baforada de realidade na nossa nuca e a gente vê que o cotidiano está no nosso encalço.
Fazer o quê? Hora de voltar e labutar novamente. Desta vez, sem as luzes da ribalta.
Postado por Pilar Fazito
Em
17/5/2007 às 13h39
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