1. Você simplesmente pulou as livrarias brasileiras e lançou seu livro direto pela Amazon.com - como foi isso?
Foi estratégia. Não a melhor, mas a possível dentro do meu universo de possibilidades.
Digo isso porque descobri que a Amazon mantém um estoque mínimo para atender prontamente às encomendas e, esgotados estes poucos volumes, eles demoram para pedir uma nova remessa à editora... Já recebi reclamações de gente que encomendou o livro e o prazo de entrega dado foi de quase um mês!
"Evitar as livrarias" seria uma bravata muito forte da minha parte... Gostaria muito de ver meus livros nas prateleiras, mesmo porque isso faz parte daquele conhecido "sonho de escritor".
Lançar na Amazon, Barnes & Noble, Borders, Lulu Marketplace etc. é só conseqüência do trabalho árduo junto à editora Lulu.com. Posso dizê-lo de boca-cheia, pois tive de me desdobrar em todos os campos, a fim de que meu livro tomasse forma... Fui escritor, revisor, editor, capista, marqueteiro, vendedor, publisher e tudo o mais. Não foi fácil. Quase enlouqueci...
2. Esse tal de Lulu.com funciona mesmo (inclusive para brasileiros)? Qual a emoção de imprimir o próprio livro?
Sim, o Lulu.com é o site de impressão por demanda que mais cresce no mundo. Há uma variedade impressionante de artigos e notas de imprensa sobre o Lulu (que podem ser acessados pelos que tiverem curiosidade)... São dezenas de jornais, revistas e programas de TV que o descobriram e que falaram muita coisa.
E o que é uma "editora por demanda"? Por favor, esqueçam os conceitos anteriores... Eu tinha contatado várias editoras desse tipo, aqui mesmo no Brasil, e o esquema delas invariavelmente era o de "fazer uma tiragem mínima" de 100 ou 200 exemplares (sei que agora já trabalham com algumas dezenas até)... Mas isso não é impressão por demanda!
Se você paga para sair imprimindo o que escreveu, você simplesmente está usando os serviços de uma gráfica! Entendo que "impressão por demanda" é o que o Lulu faz (e saliento que alguns sites brasileiros, como o Booklink e o Armazém Digital, já fazem): você coloca seu livro lá, seja bom ou ruim, seja grosso ou fino, seja preto-e-branco ou colorido, e não paga nada por isso. O negócio funciona por meio de compras digitais: se alguém clicar no seu livro, colocá-lo no "carrinho de compras" e pagar, só então ele será impresso e enviado até o endereço do comprador. Do preço pago: parte fica com o autor, parte com o "publicador" (no caso, Lulu.com).
3. Você acha que processos assim estão condenando as editoras tradicionais à morte? (Se alguma editora grande te chamasse agora, você iria?)
Não, absolutamente, não estão condenando... Acho que criarão apenas dificuldades para as gráficas que se intitulam "editoras por demanda".
Eu iria para uma editora grande, sim, sem preconceito nenhum, pois, nesse meio tempo (em que estive no processo de publicação), acho que até perdi a mão com a escrita, que é o que me dá mais prazer (não que eu não tenha curtido o processo com um todo...). Não havia como cuidar de tudo e, ao mesmo tempo, dos meus dois filhos pequenos, em casa... Eles ficavam mais à parte, enquanto eu tentava resolver os problemas que apareciam em cada fase da produção... (Gostaria de evitar que isso acontecesse de novo, principalmente porque vem outro herdeiro por aí!) Mas a experiência que tive com a publicação de minha própria obra é insubstituível... Sei que será de grande ajuda no futuro como escritor.
4. E o editor? O futuro é mesmo que cada autor edite a própria obra? (Você sentiu falta de um editor em algum momento do processo?)
Sem dúvida: um editor experiente saberia realizar melhor todo esse trabalho - de maneira mais rápida e com menos erros. Durante o meu "aprendizado", digamos assim, eu vi que muitas das etapas poderiam ter acontecido simultaneamente...
E tenho certeza de que os contatos das editoras são muito mais eficientes do que os meus. Editores não ficariam dando "cabeçadas" como eu fiquei... Os processos de produção de um livro são mais claros para uma editora, é óbvio, já que é seu trabalho... (Deve gerar menos gastos, também, e ganhar muito mais com produtividade.) Não há tantos intermediários e o resultado final é mais controlado (no sentido de que já se conhece todos os prestadores de serviço e, de certa forma, também os resultados...).
Enfim, apanhei mas sobrevivi. Acho que, no segundo livro, estarei melhor aparelhado e mais preparado para a briga...
5. Afinal, você tentou ou não tentou o velho "caminho das pedras" de submeter originais a editoras (e editores) etc.? (Ou acha que isso é "coisa do passado" e que ninguém mais deveria tentar?)
Tentei como qualquer outro autor e entendo que continua sendo o caminho principal a se trilhar. Como tentou Joyce, o grande revolucionário do romance no século XX: "Bom trabalho, mas não se paga", lhe diziam sempre... Hemingway ouviu de um editor que seria "sinal de mau gosto" publicá-lo. J.R.R. Tolkien, a quem tributo grande parte do meu ímpeto, teve dificuldades com a publicação de seu Silmarillion. Moby Dick, de Herman Melville, foi refugado sob a alegação de que "não era adaptado ao mercado juvenil da Inglaterra" (sic). Essas e outras histórias podem ser conferidas no livro de Mario Baudino, Il Gran Rifiuto ("A grande recusa"), de 1991.
Aqui no Brasil, tivemos Lima Barreto e outros tantos casos parecidos, de colegas mais ilustres...
Se depender de mim, as editoras ainda terão muito trabalho. Não desisto!
6. Por que o Brasil nunca produziu um J.R.R. Tolkien e uma saga como O Senhor dos Anéis? Ou produziu (e eu não sei)? Ou não mesmo - e você está justamente se candidatando à vaga com A Fome de Íbus?
Tolkien queria mais do que escrever um livro... Mas acho que ele nunca teve a intenção de "cometer" uma obra que obtivesse tamanho destaque. Começou como combatente na Primeira Guerra Mundial, endereçando uma historinha meio boba a um de seus filhos, mas que acabou sendo melhor trabalhada depois e se tornando o livro O Hobbit...
Já houve casos no Brasil de sagas mais longas, sim. Guerra das Sombras, de Jorge Tavares, foi publicada no início do ano passado pela Novo Século, e torcemos para que novos livros se originem dela... A série Angus, de Orlando Paes Filho, iniciada pela Arx Jovem, e depois continuada pela Planeta, veio cheia de promessas, mas parece ter perdido o fôlego... Há outras tentativas mas sem a mesma consistência, como O Caçador de Gigantes, de Daniel R. Salgado, e O Segredo da Guerra, de Estus Daheri - que eram livros que não faziam originalmente parte de seqüências maiores...
7. Mais de dez anos e quatro volumes depois, sendo que o Livro do Dentes-de-Sabre é só o primeiro - como foi isso? E como foi conciliar ainda com trabalho e família?
Tudo começou durante a faculdade... Mas nada indicava, naquela época, que uma composição aparentemente despretensiosa renderia tanto.
Passei, óbvio, pelos mesmos testes de todo autor novo: aquela via-sacra de fazer e refazer várias vezes. Depois contratei um leitor crítico profissional. E reescrevi mais... Depois, ainda, recorri a outro profissional, da área de revisão...
Escrevendo e revisando, penso que amadureci bastante. Minha fluência na escrita e minha bagagem literária aumentaram significativamente. Parágrafos antes bons se tornaram obsoletos anos depois. Exigiram mudanças, melhoras, ajustes... Cresci com meu livro, tenho certeza.
Saí da faculdade, comecei a trabalhar, casei, tive filhos e, de repente, achei que aqueles escritos poderiam se tornar, finalmente, um livro. (Isso foi antes do cinema descobrir que a Trilogia do Anel poderia render dinheiro...)
Mais recentemente, vi que precisava de mais técnica: li e reli outros livros sobre o assunto, e até me rendi a manuais do tipo "escreva e publique seu próprio livro" (cito, por exemplo, os volumes das professoras Laura Bacellar e Sonia Belotto...). Dos de técnica literária, mais especificamente, lembro daqueles do professor Raimundo Carrero.
Consegui, mas foi difícil, sim.
8. Você é bastante otimista, porque está lançando o primeiro volume de uma saga de quatro e, ao mesmo tempo, já está trabalhando em outra saga nova - qual a acolhida esperada para os seus livros?
Não se trata de ser otimista, mas de simplesmente se deixar levar pela imaginação...
A saga original gerou "filhos". Cada pequena história, subitamente, me impelia a escrever novos contos, novelas ou... Três novos romances! Cada um deles contará uma das guerras que precederam o período onde se passa a aventura principal em Livro do Dentes-de-Sabre.
Muita coisa rolou e tudo foi nascendo naturalmente. Sempre anotava as idéias que não eram incluídas na saga original...
Novos projetos, além desses, estão inclusive nos meus planos.
9. E a blogosfera brasileira, você acha que ela está preparada para receber um autor como você? Como têm sido, aliás, as experiências através do seu blog?
Além do Charranspa, onde ponho meus contos mais "literários", tenho o albarusandreos.blogspot.com onde criei uma base de divulgação para meus escritos. Mas não sei se tenho a "mão", a disciplina, por exemplo, de um Alê Martins...
A princípio publicava tudo o que escrevia no site do projeto Leia Livro, onde tenho muitos amigos e onde costumo dar pitacos nos textos de outros iniciantes como eu. É muito estimulante e sempre recebo retorno desses colegas escritores...
A velocidade do mundo do blog torna muitas coisas irrelevantes em questão de horas. Confesso que, às vezes, é muita informação para um mortal como eu...
10. Alguma dica para quem quer se embrenhar numa saga como a sua - pessoal, literária e profissional?
Escreva e só. Não tem essa de "se você não tem algo de novo a dizer, então não escreva nada"...
Como você não tem nada de novo a dizer? Eu digo, em princípio, o que quiser! Se alguém vai comprar meu livro, são outros quinhentos. Se eu vou optar por publicar em papel, em pleno século XXI, é também problema meu...
Escrever é algo essencial para quem escreve. Tem gente que escreve porque simplesmente gosta; tem gente que escreve apenas para ganhar dinheiro... Tem gente que lê Borges e tem gente que Borges lia e que hoje ninguém mais lê.
Minha intenção é contar bem uma história. Lamento, mas acho que não vou acrescentar nada mais à existência, leitor. Não tenho essa pretensão. Nunca incito a discussão filosófica. Não penso que salvaremos o mundo... mas prometo entreter meus leitores (morreremos todos felizes!).
Eis o que faço: literatura de entretenimento. E pretendo, humildemente, ser bom nisso.
Uma entrevista como essa, do Julio com o Albarus, já justifica a existência do Digestivo. Absolutamente impecável e ultra-sonográfica da saga dos escritores brasileiros fora do mainstream, como é o caso dele e do meu. Embora eu já tenha livro publicado e até reconhecido como ícone dos anos 70 - Tatuagem - estou há mais de um ano com um texto inédito pronto, batendo cabeça no circuito editorial. Nem as pequenas, nem as médias, nem as megas... Vou examinar o caminho das pedras do Albarus e ver em que ele se aplica ao meu caso. E olha que esse meu livro publicado frequenta uma seleta lista de cult no Almanaque da Ana Maria Baiana, ao lado de Tolkien, Marcuse, Castanheda etc. E ninguém se interessou pelo meu inédito que conta uma história do final dos anos 60. Essa entrevista foi a fagulha de que eu precisava pra começar a trilhar novos caminhos, até porque, como ele disse, você fica por tanto tempo empenhado em publicar seu trabalho que até esquece de continuar escrevendo...
Julio, fico sempre encantada ao ler-te. Aprender contigo provoca marulhos em mim... tuas indicações são como o passo-a-passo para cada um encontar-se dentro de si mesmo. Obrigada, sempre!
Legal a entrevista com o Albarus. Mostra o caminho diferente que ele achou para publicar seu livro, um caminho difícil para quem não tem essa determinação que o Albarus demonstra. Acredito que A Fome de Íbus veio pra ficar. É uma aventura muito bem costurada e cumpre folgadamente os requisitos de um bom livro de aventuras. Ou da literatura de entretenimento, se quiserem. Não temos essa tradição em nossas letras e o Albarus (junto com o LEM) é um dos pioneiros, me parece. E está começando muito bem. Literariamente, quero dizer. Abraços e sucesso na saga.