A crítica literária, no Brasil, está em cima do muro. Não elogia, nem escracha. E não toma a dianteira sobre o mercado editorial. Convictos desta carência de valoração (na imprensa tradicional, pelo menos), os jornalistas Sérgio Rodrigues, Paulo Polzonoff e Jonas Lopes, íntimos do meio, reuniram-se na Casa Mário de Andrade, para a discussão que fecha a série A Palavra na Tela: Jornalismo, Literatura e Crítica depois da Internet, a convite de Julio Daio Borges, pelo Digestivo Cultural.
Com a internet, a própria definição de "crítica" ficou diluída. Os três convidados, já militantes da Rede, descartaram mitos e trouxeram novas questões: o que é crítica, enfim? É necessário diferenciá-la da resenha, do ensaio? O "achismo" típico do texto opinativo, que menospreza argumentos objetivos, é válido na era virtual? Ou ainda importa a técnica, a profissionalização, o embasamento cultural? A crítica na internet toma o lugar da imprensa convencional?
Ouça o áudio do encontro e confira, abaixo, as principais questões levantadas pelos profissionais na última noite da série - encerrada com quatro encontros; quatro temas distintos (interligados pela Web); doze participantes; e um saldo de informações que repercutiu na blogosfera e aqui mesmo, no Digestivo.
Os três jornalistas
Egresso do Jornal do Brasil, ex-colunista do NoMínimo e editor do Todoprosa, Sérgio Rodrigues não se considera "interneteiro". Apenas um "jornalista que usa a internet". Cobriu das editorias de esportes a cidades - até chegar à cultural. Até se tornar um jornalista autoral, sempre fez críticas literárias, esporadicamente. Também é escritor, autor de O homem que matou o escritor (Objetiva, 2000), What língua is esta? (Ediouro, 2005) e As sementes de Flowerville (Objetiva, 2006) - que comenta em entrevista
ao Digestivo. Paulo Polzonoff, por sua vez, começou a escrever em jornal e logo entrou na internet. Embora publique resenhas em seu site, não se considera um crítico. "Sou um bom leitor, gosto de dividir o que leio", define-se. Em entrevista ao Digestivo, Polzonoff conta sua trajetória. Jonas Lopes também nunca se considerou um blogueiro, embora, desde a faculdade, já treinasse na blogosfera. Para escrever com segurança sobre literatura, leu por dois anos. Os resultados vieram: Bravo!, Digestivo Cultural, Rascunho. Lopes não toma partido do meio impresso ou do virtual, mas confessa que deixou de subestimar a Rede ao conhecê-la melhor.
Processo crítico
O olhar do crítico ao ler um livro: Polzonoff assume que, se escreve, lê de forma diferente. E não perde tempo com livros que não lhe interessam. Rodrigues concorda. Lê o que gosta, até porque é impossível consumir tantos títulos. "Gosto de convencer os outros sobre a minha opinião", conta. O ex-colunista do NoMínimo, no entanto, também não se considera um crítico. Ele separa a crítica aprofundada (próxima ao ensaio) da resenha, feita pela maioria. "Não tenho problema com a palavra resenha. É esta que gosto de fazer".
Escritores medíocres
Aos estreantes que não lhe agradam, Rodrigues dedica o silêncio. "Se ninguém diz que o cara é bom, para que dizer que é ruim?". Para o jornalista, é o feedback mais justo. "Não há nada pior para um escritor do que ser ignorado pela imprensa", acredita.
Crítica neutra
Rodrigues assegura que, além de o brasileiro ser mal orientado na escolha de livros, o debate literário é muito fraco por aqui. Enquanto na internet impera uma guerra de egos - como lastima Polzonoff - no meio impresso é o contrário, segundo Rodrigues. "A imprensa está anódina. Todos os livros são 'mais ou menos' bons", queixa-se.
Rascunho e Bravo!
Polzonoff reconhece que escrevia para o Rascunho já pautado a criticar. "Era irresponsável", diz. Lopes, contudo, acha que essa irresponsabilidade tinha uma função. Ainda assim, acredita, ao tomar uma postura mais comportada, o Rascunho sobrevive sem levantar polêmicas, mas também não traz grandes questões. Já a Bravo!, segundo seu colaborador, se compromete a ser um guia, e, portanto, rejeita uma postura crítica. "Por isso é Bravo!, e não 'Vaia'", brinca Lopes. E acrescenta: quem escreve para a revista tem o leitor como mais leigo possível. Não pode abrir mão de explicações enciclopédicas, por mais óbvias que pareçam.
Rabo entre as pernas
Para Rodrigues, a imprensa não se posiciona porque é insegura. "O papel dela é dar perspectivas, ao contrário do que se vê", considera. O que, de fato, interessa (se o autor é bom ou ruim) não aparece na crítica. Na visão de Polzonoff, contudo, não é fácil assumir uma posição contundente. Corre-se o risco de sofrer sérias retaliações. "Essa responsabilidade tem um preço", desanima. Preço que, segundo ele, é alto demais.
Escritores que resenham?
Em sites como o Paralelos, é comum que autores resenhem autores. Lopes lembra que, em uma edição da EntreLivros, Daniel Galera recomendou um ex-sócio como leitura. "É apadrinhamento. Não há como dar credibilidade". Já Rodrigues - sempre ponderando as opiniões - não vê a prática com maus olhos. "Só estão ocupando um vácuo deixado pela imprensa tradicional", acredita. Mas na visão de Lopes, escritor é escritor e crítico é crítico. "Não se pode misturar os papéis", opina.
Função da FLIP
A Festa Literária de Parati teria criado um mercado inexistente - uma vitrine ao escritor - em detrimento da obra? Polzonoff acha que sim: a literatura tem seu lado pop no mundo todo. O jornalista cita o escritor JT LeRoy, cujo sucesso foi criado em cima de suas falsas memórias - abusos sexuais, drogas. De volta à FLIP, Rodrigues acrescenta que é saudável à literatura, ainda que o público freqüente as palestras para pegar autógrafos, e não para comprar o livro do autor.
Subsídios
Grupos como o Movimento Literatura Urgente querem a criação de políticas públicas para a literatura. Subsídios nessa área, na visão de Lopes, não são prioritários. "É uma arte que ocupa um espaço muito pequeno na vida das pessoas", acredita. Por outro lado, Rodrigues acha defensável que pequenos grupos, como uma companhia de dança, sejam beneficiados pelo Estado - em favor da diversidade cultural. Mas considera que a literatura não se encaixa neste caso. "Ela deve se auto-sustentar, senão, que morra".
Amores Expressos
Foi forte a polêmica em torno dos incentivos estatais que levaram 16 escritores a 16 cidades do mundo, de onde devem sair livros sobre o amor. Sobre escrever por encomenda, Rodrigues acredita que pode funcionar, embora considere um risco. "Provavelmente, os melhores livros do mundo não foram feitos dessa forma", reflete.
Crítica na internet
Espaço ilimitado e links são vantagens inexistentes nos textos impressos. É o que defende Lopes, apesar de enumerar, também, os contras do meio virtual. "Não existe um editor para te cobrar o tempo todo. E ainda há muito conteúdo disperso, sem um filtro crítico", acredita. Além disso, o jornalista defende que, apesar das deficiências da imprensa, as opiniões formadas ainda estão ali. O próprio Digestivo reproduz Daniel Piza, Sérgio Augusto, Luís Antônio Giron - nomes fortes do papel. "Os bons não vão querer escrever de graça na internet. E pouco se investe nessa parte, exceto pelos blogs da Folha e do Estadão, onde há uma estrutura por trás".
"A internet vai salvar a literatura"
É no que acredita Rodrigues, para quem o meio virtual tem condições de ocupar espaços onde a imprensa jamais esteve, mesmo no seu ápice. "O Long Tail é a melhor notícia para a literatura nos últimos 100 anos", acredita. No esquema tradicional, seria impossível uma troca tão grande de informações. "Acho que a tendência é a internet se profissionalizar em detrimento do 'dandismo', uma questão de amadurecimento". Já Polzonoff não é tão otimista. Acredita que o fluxo de informações deixa a desejar em relação aos estrangeiros e tem a impressão de que as pessoas lêem sempre as mesmas coisas na internet. "Talvez estejam se formando como leitores", cogita.
Amadorismo
Na velha imprensa, poucos escreviam como se escreve, hoje, na Rede. Como ficam, então, os critérios para uma boa crítica? O amadorismo é preocupante? Lopes questiona a existência da própria crítica profissional. "Seria muito chato ler resenhas só de profissionais", diz. E complementa que, se os que se julgam mais gabaritados soubessem tanto quanto afirmam, não escreveriam textos tão ilegíveis. Rodrigues concorda que os amadores devem botar lenha na fogueira. Funcionaria como uma seleção natural. "Quem se destacar, ficará menos amador", defende.
Bagagem cultural
Adiante, Marconi Leal, presente no debate, lamentou a falta de embasamento da crítica brasileira. Careceria de base cultural para criticar, segundo ele. Mas, para Rodrigues, as deficiências da crítica e a literatura se eqüivalem. "Livros são feitos em cima de livros, cada vez mais pobres e vazios", cutuca, especialmente os repletos de maneirismos, sempre com falsas novidades. Sentado à frente de um retrato com os protagonistas da Semana de Arte Moderna, o jornalista responsabiliza a "herança do modernismo" por esse vazio literário.
Ficção versus não-ficção
Para que um livro de ficção "aconteça" no Brasil, é preciso que seu autor seja uma celebridade ou, pelo menos, esteja envolvido em algum escândalo de peso, como comenta Rodrigues. Motivo disso, segundo Polzonoff, é a iniciação deficiente do brasileiro. "As pessoas têm trauma da literatura na escola". Talvez, daí, venha a crescente preferência por histórias reais. "Soube, por uma agente literária, que, na última Feira de Frankfurt, só queriam comprar memórias, autobiografias ou romances inspirados em histórias reais", lamenta o editor do Todoprosa, para quem é ingenuidade preferir o gênero à literatura. "Ficção não é o falso. E a não-ficção não é mais edificante só por ser real", considera. Lopes resume em outras palavras. "Resistir para que a literatura não expresse a realidade é um erro. Ela pode exprimir o real sem ser realista".
Jornalismo literário
Lopes aprecia os autores de romances de não-ficção (John Hersey, Truman Capote), mas não gosta de misturar o gênero com o jornalismo convencional. Já Rodrigues sente que as pessoas encaram o jornalismo literário como um recurso para espetacularizar o texto. "Não é por aí. Um texto pode ser seco e bom", comenta, certo de que florear o jornalismo não é uma contribuição à literatura. Lembra, também, que figuras de estilo como a elipse não podem existir no jornalismo, embora sejam um recurso freqüente na literatura.
Literatura brasileira no exterior
"A presença de nossos autores no exterior é muito fraca", lembra Rodrigues. Cita Machado de Assis como um nome importante, mas ainda desconhecido. Leituras daqui se restringem a Paulo Coelho, que embora um nome forte, não tem conexão com a produção brasileira. "É um self made man, mas pertence a um filão popular, sem qualidade, do time de Richard Bach e outros", conclui.
A discussão foi muito boa. Legal trocar idéias dessa forma sobre uma coisa que todo mundo está fazendo atualmente: blogar.
Fazer crítica em blog, seja ela literária ou não, é moda. Por isso, toda discussão sobre o assunto é válida e pode acrescentar.