Como sempre, resolvi onde iria passar meu réveillon no derradeiro momento. Recebi um convite em cima da hora de uns primos, naquele esquema carnavalesco que agora é chamado "0800", ou seja, sem pagar nada, e me mandei para o Rio.
Embora a turma toda fosse animada e muito gente boa, deixei-os para encontrar outra turma tão animada e gente boa quanto e que, até então, eu acreditava ser mais séria, sisuda e caladona (rá! Ledo engano.). Lá pelas tantas, fui encontrar outros colunistas do Digestivo Cultural ― Ram, LEM, Diogo Salles e Rafael Lima ― para o nosso réveillon.
Pela internet, esses Digestores sempre me pareceram sérios demais. É um tal de discutir utilidade de papel em era digital, a necessidade de publicar, Paulo Francis aqui, o fim das redações de jornal acolá. Sei não, às vezes me sentia meio burrinha no meio de todo esse chumbo cruzado via lista de discussões. Ficava pensando se eu era a única ali que estava a fim de tomar um vinho, uma cerveja, ou até um sorvete; andar na praia ou numa alameda e fazer como o touro Ferdinando, que "só cheiraaaava as flores", ou fazer qualquer coisa que cobrasse menos do meu Tico-e-Teco.
Antes de colaborar no DC, eu já conhecia a Ana Elisa, ou Ana ê, para os chegados, o Guga e o Marcelo Miranda, também confundido com o governador do Tocantins. E só. Todo o resto do quadro de colaboradores, editores e colunistas era apenas verbo para mim. Verbo e ilusão, porque, queira ou não, a gente acaba imaginando um monte de troço sobre as mãos que teclam esses e-mails que a gente recebe.
E já pisei no Rio, cometendo gafes. A primeira foi ligar para o LEM e perguntar qual era o nome do Ram. Sim, porque LEM não é Luís? Ram, decerto, deveria ser Roberto, Ricardo, Renato ou sabe-se lá o quê. Um cara tão simpático que nunca me viu e me convida para passar o réveillon com eles, em sua casa, em meio a sua família... Eu deveria saber ao menos seu verdadeiro nome. E aí, descobri que o nome do Ram é "Ram" mesmo. Tudo bem, quem sou eu para dizer que este é um prenome incomum?
Só fui entender quando cheguei ao apartamento dele e a irmã abriu a porta. Enquanto eu deixava minhas sandálias ao lado da porta e todos me cumprimentavam, a mãe do Ram atravessou a sala, usando um sari lindo. A casa era toda decorada com motivos indianos e aquela gente tinha um bronzeado natural que nós, mortais brasileiros, nunca vamos conseguir ter. A confirmação da ascendência indiana veio quando alguns convidados abriram a boca e começaram a conversar em hindu, inglês e outro dialeto que, por mais que me esforce, não me lembro o nome. Diz aí, Ram.
Após o cumprimento inicial e suando às bicas, por conta do calor carioca e do trajeto feito à pé, juntei-me aos descalços na sala. E aí eu constatei algo que julgava impossível, até então: existe gente no mundo que fala mais e mais rápido do que eu. Senhoras e senhores, prezados amigos, ponham o Ram e o LEM para conversar e tomem seus lugares. Ver esses dois conversarem é um espetáculo à parte: por mais rápido que nossas cabeças "ping-pongueiem" de um lado para o outro, é difícil acompanhar o ritmo da conversação.
Eu e o Rafael até tentávamos aproveitar uma brechinha ali, vez por outra, mas o Diogo ficava com uma expressão meio assustada com aquele turbilhão de informações todas. Quando eu liguei os fatos e lembrei que o Diogo era o das caricaturas, fiquei preocupada. Essa gente que desenha e fica calada observa tudo e um dia, certamente, usará isso contra os que falam pelos cotovelos.
Ficamos um bom tempo nesse embate, tomando vinho e falando mal da vida alheia. Ao vivo, o LEM, com sua voz de locutor, é muito... er, digamos, peculiar? Exótico? Indefinível, talvez fosse a palavra. Até o último minuto de 2007, tive a impressão de estar do lado de um niilista convicto, um carioca de alma paulista ou um brasileiro de alma britânica. Mas em 2008 ele resolveu assumir suas raízes e seu amor pelo samba-enredo. Se eu tivesse ficado mais tempo, talvez tivesse presenciado uma confissão de amor por Duque de Caxias, ou pelos bailes funks da periferia carioca, quem sabe. Mas a verdade é que ele parou no samba-enredo.
O Ram, com sua voz de dublador de desenho animado, e o Rafael tentavam convencer o LEM e o Diogo que eles estavam em estados trocados. O primeiro deveria ir para São Paulo e o segundo, ficar de vez no Rio. Mas eu sou apenas uma mineira e não me meto nesses qüiproquós do eixo.
Tivemos uma ceia indiana, com direito a grão-de-bico e uma mesa repleta de sobremesas, entre elas um doce de cenoura. Havia carne também, mas como eu não como nada que tenha mais de duas patas e adoro um mato, essa foi a parte que me interessou mais.
Em seguida, fomos ver os fogos na orla de Copacabana. O Ram se perdeu de nós, na hora, o LEM não queria por os pés na areia e, então, fomos eu e a Adriana, a simpática namorada do Diogo, pular as sete ondinhas ― eu sou supersticiosa mesmo, e daí? ―, enquanto o Rafael e o Diogo assistiam àquela "pataquada". Numa dessas sete ondinhas, meu celular caiu no mar e só fui dar pela falta dele já voltando para o apartamento do Ram.
Na volta, o papo foi um pouco mais cabeça-espiritual. Discussões sobre profissão, as exigências fora do País e aqui no Brasil etc. O Ram com o dilema da pós nos EUA e o Rafael com saudades dos cangurus australianos. Tá bom, houve uma hora em que ficaram falando sobre mulher e ele se lembrou das australianas, enquanto o LEM sonhava com uma francesa peluda*.
Eu me lembro de ter dito que escreveria sobre algum ponto específico tratado nesse encontro, mas acho que o teor etílico apagou o assunto da minha cabeça. Se alguém lembrar, complete a história, por favor.
Se é verdade o que dizem, passarei o ano de 2008 rindo até desopilar o fígado. Cheguei em casa às 4h da manhã, com a impressão de ter tido um excelente réveillon. E isso foi tão bom quanto o fato de ter conhecido essa gente agradável.
* É preciso dizer que a questão capilar aqui descrita ainda é um ponto nebuloso e controverso na discussão dos Digestores...
Aaaai Pilar, engraçado demais! Réveillon bom, ano bom? Será que existe essa relação? Embora o fato de você ter perdido o celular pulando as 7 ondinhas seja preocupante... Ouvi dizer que fatos ocorridos no exato momento da simpatia se repetem durante todo o ano! Principalmente no mês 07. Então, cuidado. É melhor arrumar uma corrente bem forte e grossa para o seu chaveiro... e quem sabe uma daquelas pochetes de viajante - que ficam coladas na pele, sabe? - para quando sair de casa com documentos e dinheiro... Ah, e também não se esqueça daquela bolsinha de enfiar no cinto pra colocar o celular né?, cuidado nunca é demais. Adoro zoar com gente supersticiosa hehe Se tudo correr dentro do previsto pode deixar pra me xingar ao vivo daqui a uns dias! BJ
Perder o celular no meio de uma simpatia de sorte não é para qualquer um, isto é um sinal... risos... Brincadeiras à parte, se os Digestores marcarem um encontro, algum dia, com a galera que lê, apóia ou gosta deste site, não esqueçam de me chamar, adoraria conhecê-los. Aquele abraço e um feliz 2008 para todos.
Oi, Pilar,
O réveillon já passou, mas seu texto é ótimo e merece um comentário. Mesmo agora no carnaval. Sou mineira também e nunca fui ao Rio de Janeiro (meu sonho secreto) e você fez dois sonhos secretos meus ao mesmo tempo. O outro é conhecer Ram. Fiquei tão encantada com ele que mandei o Digestivo Cultural para todos os meus amigos e amigas conhecerem este tesouro. Ele escreve bem demais, sô. E fico feliz por ter feito uma coisa que ainda não fiz e relatar muito bem sua experiência aqui. Em plena segunda de carnaval, conseguiu me fazer dar boas risadas. Você é ótima e escreve muito bem.
Até mais!
Nossa, da próxima vez quero ser convidada para este réveillon, ainda que não seja da equipe do Digestivo. Mas pelo que descreveu Pilar, deu para entender agora um pouco sobre as cabeças dos editores etc., que fazem isso aqui... Acho a novidade desta news com seus textos, ao mesmo tempo super contemporâneos, tratados com muita leveza, mas com um conteúdo que denota cultura, retrata justamente esta junção de raças aí que você conta.