Sabe lá o que é escrever durante trinta anos sobre música popular? E ouvir tudo o que se grava, do péssimo ao detestável, receber telefonemas às três da madrugada para resolver a aposta que um grupinho animado e desconhecido faz na mesa de bar: "Camisa Amarela" é de Ary Barroso ou Assis Valente? Ou um outro, da senhora grã-fina, recém-chegada de Paris, que precisa, urgentemente, da gravação de "Tem galinha no bonde", para a filha completar seus estudos na Sorbonne. É aturar 3 mil mocinhas sem talento ou formosura; é agüentar os trezentos filhinhos de nossos amigos, meninos de genialidade indiscutível; é levar pedrada na cabeça quando não se gosta da maneira de um instrumentista tocar; é passar dias e dias de sua vida na televisão para julgar um concurso de sambas em que só há mambos; é ouvir o mesmo disco de Elizeth que Ofélia repete 15 vezes até Eliana aprender; é fazer nove programas de rádio por semana; é receber medalhas e títulos ridículos e ainda agradecer com discurso; é ouvir durante vinte horas seguidas os sambas iguais que as "escolas" fazem todos os anos; é passar horas inúteis no Museu da Imagem e do Som; é ouvir diariamente a pergunta cretina "como vai a nossa música popular?"; é escrever para jornais, revistas, calendários, enciclopédias, sempre sobre o mesmo assunto, e ainda ser chamado de papa(...).
Lúcio Rangel, em Samba, Jazz... (isso porque ele não conhecia os escritores novos...).