Penso. Penso mais um pouco. Não consigo visualizar vantagem no decreto que reforma a gramática brasileira e a uniformiza com os outros países que falam o português.
Ah, talvez agora sejamos a terceira língua mais falada no mundo. Terceira? Quarta? O que importa?!
A verdade é que a língua portuguesa não possui expressão a nível mundial. Não é tendo Uganda e Príncipe com a mesma língua escrita que seremos mais importantes. Os EUA não colocarão em sua grade curricular o português como língua obrigatória e necessária para o desenvolvimento do país.
Mas não é só isso que me incomoda com a unificação. São nas diferenças que notamos as características populares, suas culturas, raízes e mutações que exprimem como a língua se desenvolveu em cada região.
A língua é como uma pessoa. Tem personalidade e nuanças vinculadas ao meio em que vive. Seu desenvolvimento não deveria ser através de leis, e sim por meio de seu crescimento e amadurecimento.
Não quero ser pessimista e acho que estamos muito longe do que vou dizer agora: mas se a língua é uma pessoa, se ela cresce e amadurece, ela também pode morrer. O pesquisador britânico David Crystal afirma que em média 1 língua morre por semana e até o final do século metade das 6 mil línguas catalogadas já não existirão. Lembre-se que só não morre o que gostamos e nos identificamos. Se não gostarmos da nossa língua como ela é, quem gostará?
Observe que cada vez mais usamos, indiscriminadamente, as palavras importadas. Ora, isto é um reflexo direto da carência de nossa língua e da força da cultura estrangeira inserida em nossa sociedade.
E seguindo com meu inconformismo, verificamos ainda a dificuldade inerente à língua portuguesa. Em um país que há um mar de analfabetos, com um alto índice de repetência nas escolas, é uma crueldade fazer as crianças reaprenderem o que já não aprenderam.
Quase no mesmo sentido, é uma crueldade que um país como o Brasil (e Angola, e Príncipe, e também Portugal) seja representado por políticos que pensam nessa baboseira em vez de investirem seu tempo tentando resolver problemas tão mais graves, tais como: saúde, infra-estrutura e, óbvio, a educação.
Como diria Machado de Assis, não vou dar pernas longuíssimas a assuntos brevíssimos e, portanto, vou perguntar a opinião da própria gramática: "a senhora é a favor ou contra a lei que a altera?"
Gramática: "não sei. Como você se sentiria caso alguém fosse aos poucos destruindo sua alma?"
Concordo que a língua de um povo traz toda uma cultura em sua bagagem. No entanto, não acredito que a unificação da Gramática, tão somente, possa aniquilar todo e qualquer traço de cultura e identidade de um povo. Explico: a gramática é o que faz a língua escrita ser entendida e compreendida por tempos longínquos. Isto porque permite ao leitor apreciar as palavras em qualquer tempo, como em Camões. Já pensou nas obras que perderíamos, caso não fosse possível ler 500 anos depois os textos escritos? A língua falada não deve sofrer mutação... sabe como é, ninguém fala o português correto, mas não importa. Na língua falada, o que mais importa é ter a mensagem entendida. Não que se dê carta branca para avacalhar com a nossa língua...! Por fim, considero válida a tentativa de uniformizar o português para que se preserve o texto, a fim de ser entendido em qualquer tempo. Preserva-se, desse modo, a cultura e a identidade de um povo. A alma está salva.