O cristianismo para Nietzsche | Digestivo Cultural

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Sexta-feira, 28/5/2010
O cristianismo para Nietzsche
+ de 19600 Acessos
+ 37 Comentário(s)

Com isso chego ao final e pronuncio minha sentença. Eu condeno o cristianismo, faço à Igreja cristã a mais terrível das acusações que um promotor já teve nos lábios. Ela é, para mim, a maior das corrupções imagináveis, ela teve a vontade para a derradeira corrupção possível. A Igreja cristã nada deixou intacto com seu corrompimento, ela fez de todo valor um desvalor, de toda verdade uma mentira, de toda retidão uma baixeza de alma. Que ninguém ouse me falar de suas bênçãos "humanitárias"! Suprimir alguma aflição ia de encontro a seu interesse mais profundo — ela vivia de aflições, ela criava aflições, a fim de eternizar-se... O verme do pecado, por exemplo: foi a Igreja que enriqueceu a humanidade com essa aflição — A "igualdade das almas perante Deus", essa falsidade, esse pretexto para as rancunes [os rancores] de todos os espíritos baixos, esse explosivo conceito que afinal se tornou revolução, idéia moderna e princípio declinante de toda a organização social — é dinamite cristã... Bênçãos "humanitárias" do cristianismo! Cultivar na humanitas uma contradição, uma arte da autoviolação, uma vontade de mentira a todo custo, uma aversão, um desprezo de todos os instintos bons e honestos! — Eis as bênçãos do cristianismo! — O parasitismo como única prática da Igreja; tirando todo sangue, todo amor, toda esperança de vida com seu ideal de anemia, seu ideal de "santidade"; o além como vontade de negação de toda realidade; a cruz como distintivo da mais subterrânea conspiração que já houve — contra saúde, beleza, boa constituição, bravura, espírito, bondade de alma, contra a vida mesma...

Quero inscrever essa perene acusação ao cristianismo em todos os muros, onde quer que existam muros — eu tenho letras que até os cegos enxergarão... Eu declaro o cristianismo a grande maldição, o grande corrompimento interior, o grande instinto de vingança, para o qual meio nenhum é suficientemente venenoso, furtivo, subterrâneo, pequeno — eu o declaro a perene mácula da humanidade...

E o tempo é contado pelo dies nefastus [dia nefasto] com que teve início essa fatalidade — pelo primeiro dia do cristianismo! — Por que não pelo último? A partir de hoje? — Tresvaloração de todos os valores!...

Nietzsche, em tradução de Paulo César de Souza, naquele livro poderoso.


Postado por Julio Daio Borges
Em 28/5/2010 à 00h52

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Perdoando Deus de Yuri Vieira


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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
20/4/2010
14h17min
Assino embaixo desse texto! E acrescento que, na transição do "cristianismo" para "ICAR", ou melhor, nesse processo de "corrupção" a Igreja deixou de ser Cristã. Sendo assim, tudo o que fez em nome do cristianismo não foi cristão. Vejo isso como "falsidade ideológica", mentira, dizer que é o que não é; que age em nome de alguém que é totalmente contra o que está sendo feito. E, por incrível que pareça, tudo isso já estava profetizado na própria Bíblia... "cuidará em mudar os tempos e a Lei", "derramará sangue", "perseguirá os fiéis". Esse cristianismo falso, com certeza foi e é uma maldição para a humanidade, com todas as suas mentiras e práticas abomináveis.
[Leia outros Comentários de Débora Carvalho]
28/5/2010
00h58min
Bacanérrimo o post! Simplesmente Nietzsche, pra mim um dos pensadores mais complexos, interessantes, atraentes! Fico "de cara" por muito interpretarem erroneamente sua obra, ele não foi um ateu que simplesmente se rebelou... o cara tem toda uma história no próprio cristianismo, nasceu numa família luterana, enfim, o fato é que sua análise sobre o assunto é brilhante, lembrando também que, assim como o Cristianismo, o mesmo considera o Budismo uma decadência. Devoremos Nietzsche, devoremos!
[Leia outros Comentários de Nágela Fernanda]
28/5/2010
01h54min
Qual o erro de Nietzsche? Morrendo ele renegou o Deus religioso, ou atacar o Cristianismo? Primeiro que a intenção dele não era o Cristianismo, mas a Igreja Católica, a representação de Roma. Neste aspecto assemelhou-se a Martin Lutero, o que originou os Evangélicos, por sua teoria Protestante. Ele pecou em um ponto, talvez... Ao atacar o Deus da Igreja, deveria ter tomado uma posição e definir ele mesmo qual o conceito que ele tinha sobre Deus, a vida, o básico de existência! Ser contrário a qualquer coisa é aceitável, desde que tenha argumentos. Ele teve muitos BONS argumentos, talvez um dos maiores pensadores desta humanidade, mas não morreu feliz, protestando contra o que ele talvez não tenha compreendido... Deus existe, a questão é defini-lo, pois os que o definirem saberão que são assemelhados, e aí, quem sabe, o Deus religioso não possa mesmo ser aceito como o Pai... Daí a derivação de tantos Ateus, que se baseiam na definição religiosa à qual protesto! Repensar é bom.
[Leia outros Comentários de Celito Medeiros]
28/5/2010
10h20min
Viva Nietzsche! Quantos analfabetos já tornei ateus? Vários. Quantos doutores já tornei ateus? Vários. A ignorância religiosa é um baralho de cartas facilmente desmoronável, ainda mais em época de padres pedófilos, e cada ser é responsável pela lucidez da humanidade diante das trevas religiosas. Viva Nietzsche!
[Leia outros Comentários de LUCKYLUCK]
28/5/2010
10h57min
O cemitério dos deuses mortos: "Houve uma época em que Júpiter era o rei dos deuses, e qualquer homem que duvidasse de seu poder era ipso facto um bárbaro. Haverá hoje um único homem no mundo que adore Júpiter? E que fim levo Huitzilopochtli? Em um só ano - e isto foi há apenas cerca de quinhentos anos - 50 mil jovens foram mortos em sacrifício a ele. Hoje, se alguém se lembra dele, só pode ser um selvagem perdido nos cafundós da floresta mexicana. Falando em Huitzilopochtli, logo vem à memória seu irmão Tezcatilpoca, quase tão poderoso: devorava 25 mil virgens por ano. Levem-me a seu túmulo... prometo chorar e depositar uma coroa de flores. Mas quem sabe onde fica? Peça ao seu vigário que lhe empreste um bom livro sobre religião comparada: você encontrará todos eles devidamente listados. Todos foram deuses da mais alta dignidade - deuses de povos civilizados - adorados e venerados por milhões. Todos eram onipotentes, oniscientes e imortais. E todos estão mortos." H. L. Mencken
[Leia outros Comentários de LUCKYLUCK]
28/5/2010
11h24min
Nietzsche mostra claramente o quanto o povo vive no escuro, e que não quer sair da escuridão em nome de Deus. Ele foi e sempre será fabuloso, brilhante, inteligente... Ele pensava como um todo e mostrava a todos que ele estava certo. Só que as pessoas não aceitam por medo de serem castigadas por Deus. Que Deus é esse que castiga? Penso como Nietzsche. Como uma pessoa pode falar tudo o que você pensa? É, é ele, ele falou, ele escreveu. Como não sou boa para escrever e nem me atreveria, leio Nietzsche. Quando você ler Nietzsche, ele fala por você. Acredito até que, mesmo as pessoas que não concordam com os pensamentos dele, no fundo, no fundo, sabem que ele tem razão. Mas... o medo de encarar essa realidade de pensamento não é fácil. Precisa ter coragem e não temer nada.
[Leia outros Comentários de Elizabete de Sá]
28/5/2010
11h43min
Realmente alguns não entendem mesmo Nietzsche, pois ele realmente atacou a religião cristã, e não só a igreja católica. Compará-lo a Lutero é ridículo (pois o próprio já o havia atacado), dizer que ele atacou padres pedófilos é desmoralizante... ele atacou a ignorância cristã que vendeu e matou a consciência do homem para seus instintos, que colocou uma espessa nuvem de ilusão nos olhos do homem pequeno, que o faz inverter os reais valores da vida... e sim, definitivamente Nietzsche não acreditava em um Deus supremo e muito menos no deus dos judeus, portanto Nietzsche não errou!
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
28/5/2010
20h14min
Há sábios e tolos, santos e vermes, lúcidos e cegos em ambos os lados desse riacho estreito e é fácil encontrá-los, aos pares, comendo na mesma mesa, religiosa ou agnóstica. Não há um único lugar em que não se os encontre, uma única instituição imaculada, basta observar. Mas qual teria sido o motivo e o objetivo deste enxovalhamento exclusivo da fé cristã feito por Nietzsche? Seria em louvor ao judaísmo? Ao budismo? Ao islamismo? Ao politeísmo? Ao ateísmo? Com pedras, melhor é construir pontes. Do contrário, atirá-las poderá, no máximo, ferir alguém, aqui ou acolá, sejam arremessadas por Nietzsche ou outro, menos culto, seja por qualquer cristão. A intolerância independe do QI e em nada ajuda a melhorar o planeta e a vida.
[Leia outros Comentários de ENEAS FINESSI]
28/5/2010
22h28min
Jesus ensinou os indivíduos a lutarem contra o ego, o que os torna mais fortes, a ponto de os verdadeiramente sinceros se tornarem o super homem estimado por Nietzche. Assim sendo, posso lhes perguntar onde errou o nazareno segundo o filósofo?
[Leia outros Comentários de mauro judice]
30/5/2010
15h26min
Êpa... Cuidado com a Viviane. É espada. Ou não. Grande Nietzsche!
[Leia outros Comentários de guilherme]
31/5/2010
19h56min
Nietzsche escreveu que "o único cristão morreu na cruz". E, então, ele acreditou que pelo menos um homem conseguiu seguir o cristianismo: Jesus Cristo. Se um homem cumpriu uma ética tão rígida e apreensível racionalmente, como pode o filósofo dizer que não há sistemas a seguir, que a vida é um porvir de movimentos inesperados e nunca arrebatados por formulações racionais? Mas, se um homem conseguiu, não é razão o bastante para acreditar que outros podem ou poderão fazê-lo? Ou Nietzsche considera Jesus um deus, inimitável, pois, aos humanos? E, deus sendo, Nietzsche cria divindade e cria em divindade. Se para ele Jesus foi homem, este exemplificou que existe a possibilidade de se seguir um sistema de conduta. Se foi deus, o filósofo era ao final crente e, portanto, fiado num postulado esquemático de moral? Sim, postulado, como o imperativo categórico kantiano que detestava por ser postulado. Nietzschianos, por favor, nos tirem da ignorância.
[Leia outros Comentários de mauro judice]
1/6/2010
11h30min
Caro leitor Mauro Judice, devo dizer-lhe que seu posicionamento sobre quando Nietzsche diz sobre o único cristão merece uma leitura mais detalhada e imparcial do livro em questão. Me parece que leu apenas um texto, e não considerou o contexto social e a situação colocada pelo filósofo no livro... seria vossa senhoria um daqueles que diz "não li e não gostei"? Sei que é um defensor do cristianismo e um poeta, mas também sei que a imparcialidade passou longe quando redigiu esta "resposta aos Nietzschianos".
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
1/6/2010
15h48min
Caro Patez, bom que venha me socorrer a respeito de filósofo tão mal compreendido como Nietzsche. Até onde foi meu entendimento, notei que ele revelou como ninguém os motivos egoístas que mascaram os argumentos moralizantes, ou, mais ainda, mostrou o decadentismo do pensamento dos grandes filósofos, sobretudo alemães, como Schopenhauer, que, com seu pessimismo, estiolava todo o vigor construtivo e animista do homem (eu quase diria telúrico), porquanto nenhum outro ser humano mostrou as farsas que se escondem atrás dos grandes gestos de grandeza ética, nem mostrou com maior brilho o poder drenador e suicida da razão fria que leva a um beco sem saída ou ao abismo. Porém... O que podemos pensar de sua violenta refutação aos dois seres mais éticos da humanidade: Jesus e Buda? Sim, pois em aparência parece um paradoxo, já que os dois foram campeões de felicidade. E de vitalidade portanto?
[Leia outros Comentários de mauro judice]
1/6/2010
16h07min
Nietzsche negava a vitalidade dos dois grandes mestres espirituais do planeta e isto não deixa de ser profundamente instigante. Meu Deus, por quê? Porque nenhum outro poeta-filósofo cantou mais alto as forças vitalistas do corpo, e aí reside todo o seu inconformismo a todas as ideias cerceadoras da vitalidade física, enquanto força criadora e revitalizante, de arte que este filho legítimo de Eros não podia estar enganado, uma vez que os mestres espirituais só podem ser espirituais se colocam o espírito como subjugador do corpo. Não?
[Leia outros Comentários de mauro judice]
1/6/2010
18h12min
Caro Mauro Judice, vossa senhoria me deixa cada vez mais propenso em duvidar que realmente entendeu o que o citado filósofo escreveu... Quanto a negar os tais líderes espirituais, é realmente um tanto quanto normal em se tratando de um filósofo que sempre refutou as representações religiosas que tais líderes professavam, o ideal ascético desde os bramanes, passando pro Sidarta já foi há muito tempo desmistificado pelo buda Nitiren Daishonin! Quanto a Jesus, será que ele realmente era feliz? O que Nietzsche faz é simplesmente afirmar a vida com toda a sua potência sem negá-la jamais! Por que teríamos que afirmar que tal filosofia é correta apenas por achar que seu fundador era feliz? Quanto a ser filho de Eros, acho que foi mais um exagero de vsa. Mas cá entre nós, as formas perfeitas e saudáveis são sempre as mais almejadas, ao menos para os pouco hipócritas! Qual seria a vantagem em não gostar e pouco cuidar do próprio corpo, ou mutilá-lo, ou martirizá-lo? Nenhuma, Nietzsche é mais que isso!
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
1/6/2010
20h59min
Patez, tento compreender. Fico feliz em verificar que consegui entender este ponto e até concordar com Nietzsche, quando você diz: "o que Nietzsche faz é simplesmente afirmar a vida com toda a sua potência sem negá-la jamais", ponto que o filósofo enfatizou em sua teoria da vontade de poder (ou quando substitui a "vontade culpada" de Schopenhauer pela "vontade feliz"). Mas acho que desejamos entender por que ele parece considerar que Jesus ou Buda negaram a vida ou não a afirmaram em toda sua potência. Já que até o momento não apareceu nenhum nietzschiano que dissesse com todas as letras quais são as censuras do filósofo neste sentido, gostaria de lembrar as críticas que ele opôs a Sócrates e me corrija se não estiverem próximas às feitas aos mestres espirituais. Na obra "O Nascimento da Tragédia", ele afirma que a tragédia atingiu a perfeição por ter conciliado "a embriaguez e a forma" de Dioniso e Apolo, e entrou em decadência com o surgimento do racionalismo socrático. Estou correto?
[Leia outros Comentários de mauro judice]
2/6/2010
13h14min
Nietzsche detestava o racionalismo, foi contrário ao pensamento kantiano e a ideia do "eterno retorno" não encontrou eco na dialética hegeliana, pois a historiografia não era a tônica de seu pensamento, enquanto, da dialética, sim, vez que para nosso filósofo não há mundo verdade, não há absoluto, o conhecimento é apenas um minuto mentiroso da história de um universo indiferente, como já se disse. Ele negou quantos mais grandes sistemas metafísicos criados pelo raciocínio intelectivo que se pretendem cosmogônicos, mas acabam por se tornar "razão tirânica". Sócrates plantou na Grécia - que perdera a inocência primitiva - o domínio da lógica e do Logos. Eram agora cidades-estados, e a hegemonia de poder da alma de seu povo se exteriorizava à expansão ao vizinho, à Guerra do Peloponeso. Nietzsche não podia gostar do pensamento cristão ou búdico, igualmente imantados ao Logos na razão, na confiança plena da lógica como instrumento de realização, digo, felicidade, conquanto fossem domados os sentidos humanos.
[Leia outros Comentários de mauro judice]
2/6/2010
13h42min
Caro sr Judice, devo dizer-lhe que os tais "nietzschianos" conclamados a lhe prestar esclarecimentos sobre as ponderações deste filósofos estão mui quietos, talvez não queiram se dar ao trabalho, o que no meu caso não o é, mas as respostas que busca está no livro que vsa. deve conhecer como "O Anticristo", do qual foi extraído o texto em questão... se folheá-lo outra vez verá que não têm os tais "nietzschianos" que lhe fornecer outros dados, pois o próprio Nietzsche o fará. Quanto à Jesus Cristo, qual foi ou é o seu sistema filosófico, quais livros escreveu? Nietzsche por vezes ataca o "cristianismo", o que foi deturpado através do catolicismo e anteriormente por Paulo de Tarso. Para o filósofo, o Buda Sidarta diz não à vida pelo fato de buscar o nirvana, a filosofia do nada absoluto. Como pode o cristianismo dizer sim à vida se busca uma vida fora desta realidade, se sua realização de felicidade ou bem viver, como queira, virá após a morte, uma supra-realidade mascarando a realidade?
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
2/6/2010
23h55min
Note, caro Patez, que destaco trechos do pensamento nietzschiano com intenção de trazer o raciocínio ao plano da apreciação objetiva. Move-me, quero deixar claro, a aflitiva sensação de que algo tenha me escapado na leitura de Nietzsche. Não sei se isto já lhe ocorreu, esta circunstância de não conseguirmos concordar com pensador de fulgurante inteligência, a ponto de questionarmos a toda hora se realmente entendemos o que diz. Nosso filósofo é, provavelmente, a inteligência mais aderente ao pensamento pós-moderno, e escuto-o reverberar nas palavras dos eminentes pensadores e escritores atuais, mais que Heidegger e Wittgenstein (não sei se, nas esferas acadêmicas, dá-se o mesmo). Por isso, anseio que alguém me explique o pensamento de nosso filósofo, sobretudo quando leio certos posicionamentos dele os quais reputo como erros elementares. Um exemplo: tomemos a obra "O Anticristo", capítulo 41, onde lemos sobre a morte de Jesus (continua no comentário a seguir):
[Leia outros Comentários de mauro judice]
3/6/2010
00h19min
"Deus deu o seu filho para o perdão dos pecados, em sacrifício. Ah! Como terminou de uma assentada o Evangelho! O sacrifício expiatório na sua forma mais desprezível, mais bárbara, o sacrifício dos inocentes pelas faltas dos pecadores! Que espantoso paganismo! Não tinha Jesus suprimido até a ideia do pecado? Não havia negado o abismo entre Deus e o homem, vivido essa unidade entre Deus e o homem, que era a sua boa nova? E isto não era para ele um privilégio!" Mas Nietzsche não viu que Deus, através de seu filho, deu à humanidade um parâmetro de conduta para o perdão de pecados, porque só peca quem sabe ser pecador? E que Jesus não suprimiu os pecados humanos com sua morte, mas deu a possibilidade de serem suprimidos, ao mostrar o caminho da redenção? Não viu o filósofo que o Cristo negou o abismo entre Deus e o homem, porque abriu caminho para a aproximação da humanidade ao Criador? Ainda que estas interpretações fossem paulinas, e não crísticas, não estariam corretas com esta exegese?
[Leia outros Comentários de mauro judice]
4/6/2010
11h08min
Continuando, caro Mauro, o parágrafo do citado capítulo 41 de "O Anticristo": "A partir desse momento introduziram, passo a passo, na personalidade do Redentor: a doutrina do julgamento e do retorno, a doutrina da morte tal como a de um sacífício, a doutrina da ressurreição, com o conceito de bem-aventurança; a realidade total e única do Evangelho foi inteiramente escamoteada em favor de um estado após a morte! Paulo justificou essa interpretação, essa obscenidade de interpretação, com uma leviandade que ressalta nele o completo rabino". Se Cristo não ressuscitou da morte, então nossa fé é vã. E num piscar de olhos transformou-se o Evangelho na mais desprezível promessa irrealizável, na verganhosa doutrina da imortalidade pessoal... o próprio Paulo pregava-a como recompensa! Não, caríssimo Mauro, não justifica-se por si mesma essa exposição Paulina. Se para Nietzsche Jesus acabou com o conceito de culpa/pecado... (também continuo à seguir)
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
4/6/2010
11h48min
Portanto, tendo Jesus abolido o conceito de culpa/pecado, isso mostra o quão distante está Paulo do exemplo de Jesus! Em nenhum momento é citado em Paulo ou qualquer outro que Jesus deu a possibilidade da remissão de pecados, e sim a remissão propriamente dita, pois é assim retratado: "Ele morreu na cruz para a remissão dos pecados! Morreu na cruz por nós! Então, parafraseando Nietzsche: Por que um ser todo poderoso usaria o sacrifício de um inocente para remir pecados dos outros culpados? Não lhe soa estranho tal capricho de uma entidade tão poderosa? Isso não seria de realmente espantar, meu caro?!
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
4/6/2010
20h45min
Patez, em que momento Jesus aboliu o conceito de culpa/pecado, se ele próprio dizia àqueles que salvava: "vá e não peques mais", como aconselhou à adúltera, após tê-la salvo do apedrejamento? Um homem que recomenda a alguém não pecar, não pode querer abolir a lei recomendada.
[Leia outros Comentários de mauro judice]
5/6/2010
11h36min
Sr. Judice, o sr. realmente acredita nessa estória de Maria Magdalena ser uma adúltera e/ou uma prostituta?! Supondo que este episódio deveras tenha acontecido: 1) Teria Jesus advertido-a com o sentimento de protegê-la de futuros ataques da plebe fanático-religiosa? 2) O mesmo estaria advertindo-a com relação às leis vigentes naquela época (e lembrando até bem pouco tempo adultério era crime)?
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
5/6/2010
16h59min
Em primeiro lugar, Patez, eu nada disse a respeito de Maria Magdalena. Apenas citei o conhecido trecho da adúltera que seria apedrejada (cujo nome jamais é citado). Por outro lado, se Jesus quisesse advertir a mulher contra a lei vigente, ou seja, a farisaica, e não concordasse com esta lei, não usaria o termo "pecar". Aliás, outra vez, Jesus disse "vá e não peques mais para que não ocorra de seres acometidos de mal pior". Deste modo, não foi Paulo de Tarso quem colocou o pecado na boca do Cristo. Outro raciocínio que me parece indigno de inteligência espantosa qual a de Nietzsche é: como pôde entender o cristianismo como algo estanque e definitivo a partir do que interpretaram os religiosos? Como pôde considerar que católicos e protestantes dessem a última palavra a respeito do que produziu Jesus? Nosso pensador fala como se nada mais pudesse se acrescentar a respeito de homem tão revolucionário como o nazareno, que nada mais pudesse se aduzir de seus ensinamentos e, sobretudo, de (continua...)
[Leia outros Comentários de mauro judice]
5/6/2010
17h09min
de seu comportamento. Mas será que Nietzsche faria isto? Condenaria o exemplo cristão através de uma estratégia simplória: condenar o mestre pela má conduta ou mau entendimento teórico dos seguidores? E, se quisesse condenar o cristianismo, não deveria, por amor à verdade, acabar sua condenação com esta ressalva: Condeno os cristãos, sua conduta, sua teologia, mas não o Cristo? Deveríamos condenar a Filosofia porque ela foi rudimentar no passado? Se todo o pensamento evolui, porque nossa compreensão ao ensinamento de Jesus teria que ser diferente? É um conceito ontológico que uma mensagem distinta seja compreendida aos poucos e, quão maior é a luminosidade do mestre, mais extensa é a distância entre o compreendendo e o compreendido!
[Leia outros Comentários de mauro judice]
6/6/2010
20h05min
E, para que esta discussão não vire um tratado teológico, me pergunto sobre Sócrates e os racionalistas de todos os tempos. Como pôde Nietzsche, com sua teoria de Vontade de Poder, considerar que o filósofo grego não tinha poder algum, queria muito ter e, por isso, inventou o mundo abstrato racional, para fugir da realidade? Caramba, o filósofo grego, assim como Jesus, parece ser o cara mais poderoso que eu possa imaginar?
[Leia outros Comentários de dulce louzado]
7/6/2010
01h14min
Homem inteligente feito Nietzsche não cometeria erro assim elementar, a ponto de me fazer pensar se tal equívoco derivava de certa indigestão emocional do filósofo. Engano-me ou ele ruminava sua falta de domínio sobre as emoções, sobre seus instintos? Em sua obra "O nascimento da tragédia", afirma que o teatro grego chegou à perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, posteriormente corrompido pelo racionalismo de Sócrates. E quem mais dá limites à emoção instintiva que a razão? É realmente difícil esquecer o sonho idílico das festas dionisíacas, ou bacantes, com jovens apolíneos a correr atrás das filhas de Afrodite sem culpa, sem pecado... Um sonho tardio de desejo liberto, de hedonismo saciado, ao som dos ditirambos, que fizeram nascer o teatro... O que é afinal quase todo o teatro dramático grego, senão um grito de inconformismo contra qualquer espécie de cerceamento ao instinto, ao corpo, aos sentidos, quando limitados pelas razões pessoais ou sociais, Deus incluído?(continua)
[Leia outros Comentários de mauro judice]
7/6/2010
01h17min
Contudo, um grito trágico, que não pode ser ouvido - que só tem valor dramático, porque não pode ser ouvido. Full of sound and fury, signifying nothing? Ésquilo, não acusou Deus, digo, Zeus, por querer monopolizar a sapiência ao punir Prometeu por este ter dado o fogo do conhecimento aos homens? Sófocles, querido de Nietzsche, não escreveu um enredo maquiavélico, condenando seu pobre protagonista Édipo a um destino cruel e cínico que parece brincar com os homens? E o que é realmente a catarse, senão um sentimento de auto piedade que o homem vitalista sente por si mesmo, ao olhar para o destino, para a Ordem, social ou divina, e se estimar um pobre vitimado? Aquilo que se denomina fruição artística não seria, nestes casos, o grito de revanche do ego ou o desejo de permanência de Eros no ser?
[Leia outros Comentários de mauro judice]
7/6/2010
12h13min
Ora, tudo bem. Vamos supor que seja verdade isto. Ao fim de tudo, Nietzsche montou uma filosofia para justificar seu descontrole sobre suas paixões, traindo-se ele próprio (pelo mesmo mecanismo que apontou) ao acusar aquilo que realmente ansiava - ser um homem dominado. Porém, também não estava errado em mostrar toda a dissimulação dos padres e pastores, e de quase todo crente em Deus que, de fato, falam, falam e na hora do vamos ver, mostram muito pouco em termos de ética, porque se deixam cair por seus impulsos, paixões, cobiça, ego, devido à falta de força que tem para impor a si mesmos os valores que vivem pregando.
[Leia outros Comentários de dulce louzado]
7/6/2010
13h34min
Creio que Jesus, nesse episódio, se é que o mesmo aconteceu, se referiu mesmo às leis vigentes, que num povo tão "religioso" costuma ser lei = dogma, contra a lei = pecado! Nietzsche assim raciocina (o cristianismo como algo definitivo), porque a própria Bíblia não deixa vazão para outro pensamento que seja, pois a lei é definitiva! Até tem um livro nesta coleção que se chama Apocalipse! Querer salvar Paulo de Tarso do estrago que fez, é trabalho inglório. Por causa dele e de alguns que estiveram fazendo esta coletânea, nunca saberemos de fato o que ocorreu naqueles dias idos. Mas o que fica é sua grande vontade de que todos pensem como eles, para que possam sempre prever o homem domesticado. Um homem que despreza seus sentidos, seus instintos, e que sua noção de felicidade é algo como obedecer, obedecer, obedecer... Creio que, acreditando em nossos instintos, seríamos muito mais respeitosos com nosso próximo, com nossos adversários, pois reconheceríamos nestes também o poder em nós inerente! (continua)
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
7/6/2010
13h52min
Já que mais uma vez o sr. Mauro cita esta grande festa dos instintos, aqui cabe uma pergunta: Por que o culto ao corpo, aos instintos, incomoda tanto? Aceitando os instintos, sejam eles de qualquer grandeza, sinto que podemos controlá-los, pois, sabedores de nossos limites, reconhecemos o limite do outro! Creio também que em nossa "sociedade cristã" somos castrados destes instintos, e não vejo que essa "sociedade cristã" hoje em dia estão conseguindo o que seria seu objetivo primário: através do medo de ir para o inferno domesticamos e controlamos à todos. Poderei continuar nossa conversa através do e-mail ou do blog, como queira! Se quiser tornar pública a nossa conversa, use o blog! Respeitosamente grande abraço a todos que nos acompanham!
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
8/6/2010
00h56min
É... Somos isto. Nietzsche tem razão em denunciar nosso ressentimento com relação àqueles que têm o que não temos, e quisemos rebaixar os homens de valor, tomando-nos superiores a eles, tendo-nos por eleitos de Deus. Mas desconfio que nosso filósofo tenha caído em mesma armadilha do ego, como disse a Dulce no comentário acima. Só sei de uma coisa: Friedrich Nietzsche é o meu maior detrator. Ninguém melhor que ele nos mostrou, a nós, homens de fé, o quanto somos falsos, afetados, presunçosos e fracos. E, no entanto, sou grato a ele e a todos os pensadores que detrataram a religião. Nada como um cético para orientar um convicto. Contudo, o filósofo se enganou num ponto, para maior demérito nosso, crentes em Deus. Afirmou que inibimos os instintos e nos tornamos por isso em indivíduos exânimes, fracos e sem vontade (Vontade de Poder). Mas, não, querido Nietzsche, nós não fizemos isto. Não inibimos nossa animalidade, nossos instintos, nós os castramos (Patez está certíssimo).
[Leia outros Comentários de mauro judice]
8/6/2010
01h03min
Não colocamos a razão à frente de nossos sentimentos, apenas dissimulamos que o fizemos. Se o tivéssemos feito, teríamos dado à humanidade um testemunho de verdade. Teríamos provado alguma coisa, nosso comportamento seria basto. Não teríamos que nos acanhar em palavras, nem discursos, nem homilias. Ainda que por tentativas insuficientes e pusilânimes, senti o quão livre me tornei ao diminuir um pouco o instinto de agressividade; notei que, moderando a gula, deixei de comer por vício e apreciei muito melhor os sabores. Quantas coisas ganharíamos por vencer nossas fraquezas, o ego, ah, tivéssemos seguido o exemplo de Sócrates que, ao contrário do que dizia Nietzsche, mostrou o resultado de colocar a mente à frente das emoções básicas: o indivíduo se fortalece, se vitaliza, se alegra e pulsa. Uma pena que o grego tenha vivido em época onde não havia celular para filmá-lo para que, deste modo, todos o vissem, apenas o vissem em sua grandeza modesta. E veriam também a pequenez dos homens de fé.
[Leia outros Comentários de mauro judice]
8/6/2010
11h47min
Olá, Dulce. Realmente Nietzsche pode ter-se traído em muitas coisas, mas em querer ser controlado, não concordo. Quanto a isso tenho comigo que o filósofo, seja ele quem for, usa em primeiro lugar seu próprio corpo como laboratório de ideias. Apesar de sua frágil saúde ele conseguiu montar (como é o termo de sua preferencia) um sistema filosófico que continua póstumo, que incomoda, que nos faz a todos parar e pensar, e ruminar exatamente como queria, pois contesta nossos valores sociais, psicológicos e afins. E não foi apenas Nietzsche que negou a existência desse deus fantástico: Espinosa é o exemplo de alguém que foi duramente criticado por esta posição! Quanto aos filósofos gregos, na visão deste filósofo, em sua época quem detinha os poderes eram os querreiros, filosófos cantavam suas vitórias, seus heroísmos, eles reagiam às ações destes. Nietzsche sempre valorizou a ação em primeiro plano, logo a análise! Os filósofos tinham realmente muito poder, mas o poder de fantasiar.(continua)
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
8/6/2010
12h04min
E fantasia, irrealidade, ilusão, não é algo que nosso estimado filósofo admita como poder! Para ele, quem tem que inventar uma realidade paralela são os desprovidos de poder, pois os que têm o poder convivem muito bem com esta realidade, essa diferença sempre está exposta em seus comentários sobre a moral de classe baixa e a aristocrática. Vejo isso até quando faz aquelas comparações entre cristianismo e budismo. E, caríssimo Mauro, no quesito comer se refinou e evoluiu assim como o homem de Nietzsche deve ser, pois sua filosofia, segundo o próprio, deve evoluir, não pode estagnar... ele nos deixa isso explícito!
[Leia outros Comentários de Carlos Patez]
9/6/2010
11h31min
O cerne da crítica nietzscheana é à doutrina de Jesus, sim. Ao sermão da montanha, à bem-aventurança dos sofredores, à defesa do conformismo, à negação do mundo e da vida por uma recompensa em outra vida. Enfim, à positivação de valores negativos para a vida. É um sintoma de doença social esse desejo cada vez maior dos crentes em presenciar o fim do mundo, em ver o mundo transformado em cinzas. Dizer que isso é um valor ético positivo é sinal da penúria intelectual e moral a que o cristianismo levou a sociedade. Por que esse ódio ao mundo? Talvez Deus tenha sérios traumas de infância, para se importar tanto com o uso que fazemos de nossos pênis, vaginas e ânus.
[Leia outros Comentários de Amâncio Siqueira]
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