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Sábado,
29/3/2014
Notas nas letras
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A Academia Paulista de Letras abriu sua temporada de concertos na última quinta-feira (27/3). Letras e notas musicais num só abraço, na iniciativa brilhante da instituição, com o apoio do Instituto Votorantim e a Secretaria Estadual da Cultura.
No auditório renovado e de boa acústica, os acordes iniciais da série, centrada na música de câmara de Beethoven, Mozart e Brahms, ficaram por conta do Trio Brasileiro. A formação, integrada pelo pianista Gilberto Tinetti, Erich Lehninger (violino) e Watson Clis (violoncelo), interpretou dois trios de Beethoven (1774-1827). O primeiro, o Trio em sol maior, opus 1/2, composto ainda na última década do século XVIII. De acordo com a explicação de Tinetti, um belo exemplo do jovem Beethoven, próximo do cânone estabelecido por Haydn. Em seus quatro movimentos, alegria e frescor predominam.
A segunda peça foi o Trio em ré maior, opus 70/1. Conhecido como "Fantasma", é obra da maturidade do compositor. Composto em 1808, recebeu essa alcunha devido ao segundo movimento, um largo assai ed espressivo, de combinações sombrias e um recorrente tema, que parece uma pergunta, cheio de mistério. Beethoven teria aproveitado o "coro das bruxas", parte da tentativa de compor uma ópera baseada na tragédia Macbeth, de Shakespeare:
"1ª Feiticeira: - Quando nós três nos encontraremos novamente: no trovão, no relâmpago ou na chuva? 2ª Feiticeira: - Quando houver acabado o tumulto, quando a batalha estiver perdida ou ganha. 3ª Feiticeira: - Isso acontecerá antes do por do Sol. 1ª Feiticeira: - Onde poderemos nos encontrar? 2ª Feiticeira: - Na charneca. 3ª Feiticeira: - Lá nos encontraremos com Macbeth. 1ª Feiticeira: - Já vou, Gato Cinza! 2ª Feiticeira: - Sapo chama! 3ª Feiticeira: - Agora mesmo. Todas: - O belo é feio e o feio é belo! Pairemos por entre a névoa e o ar impuro!"
Durante tempos, nem o nome dessa peça era pronunciado, por trazer falta de sorte. A ela então se referiam como the Scotish play (a peça escocesa).
Com fino humor, Gilberto Tinetti mencionou a mística que também existe em torno do "Fantasma". Ele mesmo testemunhou que, durante uma gravação da peça pelo Trio Brasileiro, em São Paulo, bastou iniciar o segundo movimento para que uma tempestade tombasse sobre a cidade. E, em poucos minutos, a luz acabou no estúdio. Ele chegou a ouvir comentários que, num certo teatro, um morcego deu ar da graça, sobrevoando a platéia, durante o largo assai...
Na noite de quinta-feira, sobrou unicamente felicidade para a audiência. Não sei se sugestionada pelo "Fantasma" beethoveniano, impressionou-me a sonoridade retumbante do piano. Tratava-se de um Kawai, cedido especialmente para a ocasião. A descoberta foi brindada, depois dos aplausos, com um prosecco bem gelado, que aguardava os ouvintes no elegante hall de entrada, o "Atrium Fernando Costa".
A programação do ciclo de concertos na Academia Paulista de Letras está disponível no site da instituição. A próxima apresentação será no dia 24/4, às 19 horas, com peças camerísticas de Brahms (1833-1897), sempre no Largo do Arouche, 324. A entrada é gratuita.
Segue o segundo movimento do "Trio Fantasma" de Beethoven (Trio em ré maior, opus 70/1, largo assai ed espressivo), na interpretação do Trio Chung (integrado por virtuoses irmãos coreanos,que abraçam também carreira solo).
Postado por Eugenia Zerbini
Em
29/3/2014 às 22h48
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