Uma caminhada pela cidade de Ouro Preto à noite é significativa para mostrar o quanto a cidade está envolvida direta e indiretamente com o Festival de Inverno. Diretamente, porque todas as atrações culturais (ou quase todas) contam ou com o apoio formal ou com a chancela do evento, como é o caso das Noites Profanas, que ocorrem próximo ao Centro de Convenções da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Indiretamente, porque até mesmo os restaurantes possuem, além dos seus cardápios, cartazes destacando a programação do Festival, sem mencionar os boletins diários que trazem em profundidade as principais atrações do dia. Com isso, o Festival que traz uma certa impressão de multiplicidade e dispersão justamente por acontecer em vários pontos da cidade, como na praça Tiradentes e na Sala de Cinema Vila Rica (com a mostra de cinema francês contemporâneo), fica coeso e coerente.
Essa unidade, aliás, passou da organização para os dois grupos de choro que se apresentaram na noite de ontem (dia 14). O primeiro, o septeto Corta Jaca, no palco da praça Tiradentes. O segundo, o sexteto de Maurício Carrilho, no Teatro do Centro de Convenções da UFOP. A sintonia entre os conjuntos pôde ser constatada não somente porque executaram o mesmo gênero musical, mas, sobretudo, porque fizeram cada qual uma homenagem aos mestres do choro.
No caso do Corta Jaca, por exemplo, isso ocorreu de maneira mais discreta. Talvez por ser formado por músicos jovens, o grupo optou por intercalar o repertório da apresentação. Assim, ora ouvia-se algo instrumental, ora canções interpretadas por Juliana Perdigão, que também fazia as vezes no clarinete. Foi dela, aliás, um dos grandes momentos do show, entoando a singular "Cabroxinha" (cantada, na versão original, por Mônica Salmaso, mas cuja autoria é de Mauricio Carrilho). Essa alternância mostrou que, apesar da qualidade instrumental, o público se empolgava mesmo era com as canções. Ainda assim, houve espaço para Pixinguinha e Chiquinha Gonzaga no encerramento.
Já na apresentação do sexteto do violonista Mauricio Carrilho, a homenagem aos mestres do choro foi mais contundente. "Papo de anjo", de Radamés Gnatalli, abriu o espetáculo com direito à menção de Carrilho a propósito da importância daquele compositor para a música brasileira, tanto a popular como a de concerto.
Com um público mais seleto, mas não menos caloroso, o sexteto não precisou recorrer ao recurso das canções. Nesse aspecto, a apresentação foi para lá de competente. Entre valsas ("Silvana", em homenagem à amiga que estava presente), polcas e séries especiais (como a que faz referência aos clubes de futebol do Rio de Janeiro, ou a que foi elaborada em compassos ímpares), Maurício Carrilho conduziu o show sempre com alto nível, pontuando, sempre que possível, com comentários pertinentes acerca da música popular brasileira. Entre elas, cabe destacar: "A indústria insiste em tentar folclorizar o choro, um gênero que é genuinamente brasileiro e que teve entre seus praticantes grandes músicos no Brasil nos últimos 150 anos". E o final do espetáculo, num bis bastante aplaudido, foi com "Cinco Companheiros", de Pixinguinha.
À saída do teatro, enquanto alguns fugiam do frio de 14 graus, outros acompanhavam o cortejo circense do Samba Pé de Moleque e o circo volante, à espera daquela que seria a grande atração da noite, a Orquestra Tabajara. Para quem esperava que este conjunto apresentasse o melhor da música brasileira num baile a céu aberto, ficou com os standards da música americana. Até aí, tudo certo. O problema foi a qualidade sonora que estava em desacordo com o público que estava no espaço aberto próximo à UFOP.
Para hoje, o destaque, sem dúvida, é a apresentação de Zélia Duncan em Mariana. Ouro Preto, por sua vez, assiste ao saxofonista Carlos Malta. O Festival também conta com as oficinas culturais que atraem desde documentaristas até músicos iniciantes.