Quarta (ontem). Tentei sair mais cedo do escritório do Digestivo. Quando digo "cedo", digo antes do horário do rush. Colunas, Digestivos, Ensaios, Newsletters - não consegui. Saí às 18h30, mais ou menos. Eu sei: saí no pior horário possível e imaginário para uma cidade como São Paulo. Mas eu não agüentava mais: queria ir embora. Fui.
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Deu 20 horas, eu estava no posto BR em que costumo parar com a Carol (quando vamos para Angra). Tomei um café de caminhoneiro (no copo), comi um pedaço de pizza e um bauru. Comprei a Istoé Dinheiro. Algumas matérias sobre internet; o "ocaso" de Jack Welsh (é assim?)... (Isso me interessa? Desde que eu comecei a colaborar com a GV-executivo, e comecei a encarar a Web como business me interessa, oras.) Mas estou perdendo o foco.
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Por alguma razão que agora me escapa, estão dando uma "geral" na estrada perto de Taubaté, onde eu sempre desço a serra. Rodovia Oswaldo Cruz (não sei se é com "v" ou com "w" agora). Estava previsto para eu descer, em direção a Ubatuba, lá pelas 22 horas, mas o caminho me pareceu tão diferente que eu não reconheci as placas e voltei (!). Até o posto Aster (a Carol vai reconhecer essa referência). Na brincadeira, perdi entre 15 minutos e meia-hora. Cheguei a Parati à meia-noite.
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Para chegar na pousada, que era do outro lado do rio, tive de pegar a "beira-rio" conforme o garçom vesgo e disléxico do "Porta Fortuna" (agora em outro estabelecimento) me indicou. Não sei se é porque eu estava cansado, mas as vagas me pareceram apertadas, não achei cabide, nem cadeira, nem lugar para deixar as roupas... Para completar, a pia do banheiro entupia um pouco, eu ouvia o barulho do outro quarto, fui deitar com a cabeça girando, tomei uma aspirina e dormi.
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No dia seguinte, hoje de manhã, a pousada continuou com alguns defeitos. A porta do banheiro foi mal colocada ("colocador" bom de porta é coisa difícil, meus parentes arquitetos, e engenheiros, me ensinaram...), assim eu tentava fechar e ela abria sozinha. Fora isso, a porta do quarto estava com a maçaneta torta, pois o trinco não encaixava direito no buraco feito para isso, então todo mundo que deve ter tentado fechar antes de mim, puxava mais um pouco entortando sempre (mais) a maçaneta.
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Mas vamos à Flip. No café da manhã (o café da manhã é bom, o que deve compensar as falhas da pousada, acho), duas senhoras, do Rio, reclamaram do corre-corre com relação à compra dos ingressos que, parece, neste ano, se repetiu. Outra senhora, ao meu lado durante a primeira mesa a que assisti, foi simplesmente a primeira da fila quando abriu a Fnac (quando abriram a venda dos ingressos). A Flip, me parece, é o único evento em que ir pessoalmente ao guichê pode resultar mais eficaz do que tentar comprar pela internet...
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A primeira mesa, Invenções do Interior, foi, por ordem de entrada, de André Laurentino, Maria Valéria Rezende e Juliano Garcia Pessanha. Mas o que me espantou, às 10 da manhã, foi a aparição do Marcelino Freire como mediador. Tudo bem que ele ganhou o Jabuti na categoria conto, então, depois disso, nada mais me espanta. Mesmo assim, me espantou porque ele esteve na Flip de 2004, não esteve na de 2005, se "revoltou" e ajudou a criar a Flap!, que, segundo os criadores (ele incluido), é uma resposta à Flip, contra esse evento de "elite" em Parati. Aí, então, abre a Flip, e quem está logo na primeira mesa? Marcelino Freire!
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O André Laurentino é um cara legal. Foi meu colega de Milton Hatoum na Casa do Saber. Depois, na mesa, contou que fez a oficina com ele na Flip 2004, conheceu o Paulo Roberto Pires, que quis editar o seu livro, teve um trecho do mesmo analisado na Flip 2005 e agora, para coroar o processo, foi autor convidado da Flip 2006. Confesso que folheei A paixão de Amâncio Amaro, quando recebi, mas não me interessou. Foi para alguém do Digestivo. Enfim, ele falou razoavelmente bem das três personagens do livro, com muito conhecimento de causa (técnica, psicanálise, essas coisas).
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Depois veio a Maria Valéria Rezende. Uma freira simpática, falou pouco de religião, parece ter um trabalho bonito em educação (mesmo) e detesta a expressão "pessoas carentes"... Mas quem me surpreendeu, por incrível que pareça, e ao público também, foi o Juliano Garcia Pessanha. Não sei se se fingindo de bêbado, não sei se no meio de uma ressaca mesmo, quando ele falou, eclipsou todos os outros. A moça ao meu lado comentou: "Acho que ele tá meio alterado...". O que sai do script é sempre o melhor da Flip.
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Anotei algumas pérolas do Juliano: "Quando convidam você para a Flip, tem uns que dizem: eu vou; outros que dizem: ah, eu não vou. Eu disse: eu vou, mas eu não sei, não... Então, quando a Ruthinha me convidou [Ruth Lanna, organizadora da Flip], eu trouxe um plano A, um plano B e um plano C. Se o plano C não funcionar, eu uso o plano D: eu saio"; "Vou ler o que escrevi ontem [para a mesa], de corpo presente, porque a minha alma já não sei mais onde tá..."; "Me deram umas coisas para eu beber ontem. Há muitos anos que eu não bebo. Eu nem posso beber, então hoje eu tô muito estranho..."; "Estou aqui à base de corticóide(s)"; "[No meio da leitura...] Essa parte é meio chata mesmo, mas depois melhora. É que nem no colégio, quando eu ia em palestra e pensava: tudo bem, eu vou mas eu não vou prestar a menor atenção..."
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O texto dele não era - realmente - bom, e eu acho que não gostaria dele como escritor. Coisas como "humanidade longe da linha de eclosão" ou "combate para encontrar um lugar no acolhimento". Ou ainda "sem olhos para ver o alastramento do sinistro", ou então "interromper o fluxo de sentimentações" (esse "sentimentações", ele confessou que pegou da Clarice - às vezes eu penso que a Clarice fez um enorme estrago nas gerações futuras...). Enfim, era um sujeito inspirado. Mas não para escrever. Talvez para viver. Um artista da vida, como dizia Oscar Wilde. E não um "artista da arte".
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A segunda mesa, Vozes em Verso, foi um pouco mais desanimada, apesar da mediação do Paulo Henriques Britto. Mesmo balanço do ano passado: dois poetas de mentira e um de verdade. No ano passado, não sei se vocês se lembram, mas o poeta de verdade era o próprio Paulo Henriques Britto, que arrancou até assobios da platéia. Neste ano, era o Carlito Azevedo, que é meu colega de edição - no caso dele, das revistas Inimigo Rumor e Ficções. A Astrid Cabral vinha com coisas como "amor como tremor de terra", "nas entranhas da minha alma", "ruínas, cinza, lama" - que, convenhamos, parece poesia de colégio. Depois, o Marcos Siscar, com coisas como "o peixe é um ser mudo que desliza", "coreografia muda de espanto" e "escamas de dois gumes"... (Nem preciso comentar.)
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Vê se você não acha o Carlito muito melhor: "lilases da estação passada", "curto-circuito na grama", "leões marinhos dançando ritmos agilíssimos" e "parangolés de brumas". Fora que ele falou, sabiamente, que nossos dois modelos estão mortos: a crítica e a língua. Atualizou, ainda, "Uma passante" de Baudelaire - enquanto os outros ficavam em "meu coração era do tamanho do mundo" (sub-Fernando Pessoa) e "a água doce não é tão doce, antes fosse" (sub-qualquer-coisa-muito-básica). Carlito encerrou suas leituras com a bela tradução que fez para um poema, francês, descrevendo um beijo.
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Acho que está bom para o primeiro dia. Senão, vocês não agüentam ler. Amanhã repercuto mais algumas coisas de hoje, OK? Vou tentar colocar agora algumas imagens, mas não garanto. Nem links... Tudo muito precário aqui. A luz, na sala de imprensa, acabou algumas vezes. Se eu não estivesse no Gmail, tinha perdido tudo. Como o Christopher Hitchens, do meu lado, no Hotmail (quem mandou?), acha que perdeu... O pior é que ele tinha de mandar hoje para um paper (jornal) em London (Londres). E agora? O Jonathan Safran Foer estava lá fora quando saimos. Estava escuro. Eu e Chris quase trombamos nele. Sério! Na Flip, é assim.
Primeiro de tudo, um pouco de inveja. Não de ficar em fila de restaurante, não de ter meu pé molhado de mijo na praça (como já aconteceu outras vezes), não do risco iminente de chuva a qualquer hora do dia e da noite. Mas saudade mesmo assim. Essa cidade aí é legal, principalmente durante a quermesse dos escritores. Cubra a moda, sim? Os modelitos são sempre geniais, à Dirceu borboleta, meias brancas e shorts. E chapéu.
E quanto ao Juliano Pessanha, ele é assim mesmo. Alteradão. Ao natural. E prolixo pra caralho.