Como percebeu quem me leu no fim de semana, não cobri 100% o último dia da Flip 2006, pois era, justamente, o Dia dos Pais e eu voltava para São Paulo. Mas o Daniel estava lá - na Adélia Prado e no encerramento -, então, muito gentilmente, escreveu os dois trechos abaixo e enviou para mim. A cobertura fica, agora, completa. Reproduzo aqui na íntegra. E dou todos os créditos ao Daniel Bushatsky. Obrigado, Daniel, mais uma vez. - JDB
* * *
Foto de Walter Craveiro
A última palestra da FLIP, denominada Livro de Cabeceira, poderia não ter existido. Eu sei que a frase é pesada, mas os autores não mereciam a platéia animada que os prestigiavam e esperavam ansiosa uma profunda discussão literária para finalizar a festa.
A regra, nesta apresentação, era clara: cada um dos autores, eram sete, deveriam falar sobre o livro que escolheriam para levar a uma "ilha deserta", pelo tempo de cinco a oito minutos. Ainda dentro deste tempo deveriam ler o trecho mais representativo da obra escolhida.
Infelizmente para os organizadores e para a platéia, os escritores não estavam preparados. Não conseguiram cumprir a simples instrução. Alguns não trouxeram sequer uma parte da obra para leitura, outros confessaram que pensaram em cima da hora sobre o tema proposto e não sabiam muito bem sobre o que falar.
Nesta imensa decepção, a única que se salvou foi Adélia Prado que, mesmo substituindo Carlos Heitor Cony, na véspera, trouxe seu livro de cabeceira, explicou o motivo de sua escolha e terminou seus 8 minutos mais uma vez aplaudida pela pelos ouvintes (da mesma forma que ocorreu durante e depois de sua apresentação [trecho a seguir]) .
Uma pena que isto ocorreu. O tema é interessante tanto para o público quanto para os profissionais da área, iniciantes ou não, saberem como seus ídolos se inspiram e qual é a obra que para eles deve sempre ser consultada independentemente de que hora for.
* * *
Foto de Walter Craveiro
Simbolismo. Fantástico. A primeira palavra define o objeto da palestra ministrada pela poetisa Adélia Prado, na Flip - Festa Literária Internacional de Parati - no domingo, ensolarado, de dias dos pais, 13 de agosto de 2006.
A segunda palavra diz respeito às emoções que a escritora despertou nos ouvintes, que os levaram a arrepios, lágrimas, risos, contagiosos aplausos e um fanático, mas vibrante, grito de liiinda!
Adélia, de início, estava nervosa. Recitou alguns poemas para se acalmar. Ficou mais emocionada, menos nervosa e à vontade, paradoxalmente. O público incentivava a leitura de mais obras e enchia o mediador de questões sobre a criação de obras literárias, caminhando sobre temas desde "o que é arte" até "se é necessário uma terceira margem para o desenvolvimento literário".
A autora acredita que a terceira margem é essencial para nos distanciarmos do cotidiano, da rotina e vermos no ordinário o especial, mistificando e desmistificando os símbolos que nos acompanham pela vida.
A artista, porque Adélia é uma artista, ressaltou que vivemos em um mundo sem valores onde até um copo de água e limão é considerado arte e falta-nos uma utopia para lutar, o que ela poeticamente chamou repetidamente de "muro".
Realmente em um mundo em que nascemos carentes, apoiamo-nos em símbolos para sobreviver, nada mais gratificante do que coroar a mineira que encantou Parati com seu jeito humilde de ser e simples de entender o mundo, como a melhor palestra da Flip.
Como sempre, meu comentário é tardio, mas não podia deixar de dizer que concordo contigo, Daniel. Adélia é sempre uma inspiração, "um tacho de inspiração". A primeira vez que a ouvi foi há muitos anos, no Tuca em SP, em um evento que falava justamente sobre o simbólico e o diabólico. Foi um deslumbramento ouvir, naquela ocasião, tanta sabedoria, que faz eco na gente, dita com tanta simplicidade. Um abraço.