COLUNAS
Quarta-feira,
27/6/2001
No Caminho Certo... e sem eletrochoques
Paulo Polzonoff Jr
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O melhor filme nacional desde a retomada, em meados da década de noventa. Foi assim que o crítico Luiz Carlos Merten, de O Estado de São Paulo, classificou Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky. Exagero, foi o que pensou este articulista. Exagero, foi o que constatou ele depois da sessão. Bicho de Sete Cabeças é um bom filme, mas está longe de ser qualquer coisa parecida com cinema de primeira linha.
Não digo isso para desestimular o espectador que por acaso se interesse em assisitr a Bicho de Sete Cabeças. Pelo contrário, o filme deve ser visto e pensado, tanto no que se propõe estéticamente, quanto no que se propõe em seu discurso libertário e acusatório. Só que Bicho de Sete Cabeças não é nosso candidato à Copa do Mundo do cinema, como querem muitos.
O filme conta a história de Neto, um menino de classe média baixa, envolvido com drogas. Maconha, para ser mais exato. E aqui o filme pretende sofismar a respeito do vício ou não da maconha. Neto fuma seu baseado e o pai, quando fica sabendo disso - e também porque a relação entre os dois não era das melhores -, resolve interná-lo num hospital psiquiátrico. Ou melhor, hospício.
Até o internamento de Neto no hospício, o filme demora a engrenar. O personagem de Rodrigo Santoro enche o saco da platéia com aquele comportamento típico (ou seria estereotipado?) dos adolescentes. Gritos com os pais, rebeldia, rock'n'roll, etc. Isso cria, de cara, certa antipatia com o personagem. Penso que, para quem não sabe que o filme é baseado em fatos reais (informação que só nos é dada nos créditos finais), a internação de Neto, como personagem e não como persona, é até justificável.
A partir do momento em que Neto entra no hospício é que o filme deslancha mesmo e ganha proporções de filme maior. A diretora Laís Bodanzky não poupa, a esta altura, virtuosismos lingüísticos para conduzir o espectador ao sofrimento intra-craniano de Neto. Ajuda muito, nesta espécie de eletrochoque cinematográfico, a música de Arnaldo Antunes. Vale aqui o aviso: pessoas que sofram de algum distúrbio devem evitar Bicho de Sete Cabeças, sob o risco de terem convulsões quando os versos (o termo não é exato) de Arnaldo Antunes começarem a entoar (ecoar? Relinchar?) na tela.
Laís Bodanzky, apesar de ser estreante em longas-metragens, mostra neste Bicho de Sete Cabeças a que veio. Seu filme tem, realmente, força. A câmera, sob sua batuta, é leve e controlada com perfeição. É ela, a diretora e não a câmera, quem dita as regras. E a regra geral em Bicho de Sete Cabeças é não haver regras. Como é cada vez mais comum em se tratando de uma estética pretensamente pós-moderna, Bodanzky mistura de tudo um pouco: narrativa tradicional, imagens distorcidas por computador, imagens rápidas, imagens lentas, imagens para cima, imagens para baixo, closes, panorâmicas, tomadas simétricas, tomadas aparentemente despropositadas, centradas num objeto neutro. Bicho de Sete Cabeças é, por assim dizer, um longa experimental, mas feito por alguém que sabe que tem uma responsabilidade com o espectador.
Descobriu-se, afinal, que cinema é capitalismo?
O ponto fraco do filme fica por conta, mais uma vez, do roteiro. Esta é a parte literária do filme - que deixa muito a desejar. Na primeira parte, Neto é um adolescente chato, com diálogos incrivelmente vazios, tirados, ao que parece, de uma campanha recente do Ministério da Saúde contra o uso de drogas. O pai está sempre de dentes cerrados, como se à beira de um ataque de nervos. Talvez porque seja santista e, àquela altura, o time de seu coração não esteja em melhores condições... A mãe é catatônica, calada, covarde mesmo diante da situação do filho. E a irmã, a irmã é uma perfeita idiota que, no hospício, alienada diante dos problemas do irmão, fica dizendo que o jardim é lindo, que dá uma paz... Há ainda o doutor "Mauzinho", dono do hospital psiquiátrico, que usa cavanhaque (como convém a uma imagem de demônio) e que impunha seu jaleco branco como se fosse uma espada de fogo. Ele fala ao telefone celular sem o mínimo resquício de alma e olha seus internos sob a ótica distorcida de barbitúricos. Faltou apenas os pés de cabra.
Sobressaem-se nos papéis secundários e terceários os atores, todos eles desconhecidos, que interpretam os demais internos. Há um tal de "Ceará" no início que é um primor de interpretação. Por várias vezes esquece-se quem é Neto e qual o problema que o aflige para se ater à figura caricatural, excêntrica e cativante de Ceará.
Convém abrir aqui um parágrafo para elogiar o desempenho do eterno galã e dublê de ator Rodrigo Santoro no papel de Neto. Ao que parece, agora se poderá inverter a frase acima e chamá-lo finalmente de ator e dublê de galã. Subvertendo a mística que se formou em torno de qualquer mocinho bonito que faça carreira na televisão, Santoro mostrou que tem, sim, talento para fazer um papel de denso teor dramático.
Bicho de Sete Cabeças pode ainda ser chamado de Um Estranho no Ninho brasileiro. As semelhanças com o filme do início da década de 70, estrelado por Jack Nicholson, são imensas. Principalmente nas imagens internas do hospital, nos refeitórios e dormitórios, no trato que os enfermeiros têm com os pacientes e com os indefectíveis copinhos com comprimidos. Há ainda semelhança com O Expresso da Meia Noite, de Allan Parker. Os horrores sofridos por Neto nos fazem lembrar daquela prisão na Turquia em que se envolve o turista americano que resolver traficar uns graminhas de haxixe.
Em tempo: Austregésilo Carrano, autor do livro, Canto dos Malditos, que deu origem ao filme, foi condenado, semana passada, a pagar R$ 60 mil referente às custas do processo que movia contra a família dona de um hospital psiquiátrico, que ele acusava de erro médico. Carrano pedia uma indenização de R$ 10 milhões mas o juiz decidiu que a causa havia prescrito. Espera-se que o filme renda o suficiente para que Carrano possa agora arcar com as despesas malucas da justiça brasileira.
Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro,
27/6/2001
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