A democracia e o capitalismo - além de serem, de certa forma, interdependentes - compartilham diversas características em comum, inclusive esta: são, respectivamente, a pior forma de se organizar uma sociedade e o mais injusto modo de produção. Excluindo-se todas as outras opções. Não são perfeitos, nenhum dos dois, e ninguém acredita nisso, mas podem funcionar, numa sociedade civilizada, de modo eficiente – ou, digamos, melhor do que um sistema oligárquico ou comunista. Numa sociedade civilizada, repito: onde tanto os valores democráticos como o respeito à livre iniciativa sejam, pelo maioria, assimilados e estimulados. Consideramos o Brasil, oficialmente, uma democracia capitalista, mas a verdade é que, na prática, ainda estamos longe disso.
E, me parece, a maior barreira a esse desenvolvimento, no Brasil, é a própria desconfiança popular brasileira, tanto na democracia como no capitalismo. Como se tivéssemos aderido a eles por acaso ou por obrigação, e não por vocação. Aconteceu. Ninguém, por exemplo, é assumidamente contra a democracia, mas, de tantas barbaridades que fizeram em seu nome, sua imagem acaba desgastada entre os desinformados, que confundem o que se fala com o que realmente é. Pior ainda é a situação do próprio capitalismo, que é maliciosamente confundido, pelos nossos intelectuais, com imperialismo – e, portanto, sinônimo forçado de miséria e de fome. Por serem, então, pela opinião popular, desaprovados informalmente – por ignorância ou preconceito –, a definitiva adesão brasileira a uma política democrática e a uma economia capitalista permanece adiada. E ficamos com a bagunça que sobra.
Acontece que, vivendo nessa bagunça, o maior prejudicado é o próprio brasileiro, constantemente enganado por políticos safados e empresas corruptas – ou, na melhor das hipóteses, incompetentes. Porque tanto a democracia como o capitalismo exigem, mais do que tudo, uma participação vigilante e constante, do eleitor e do consumidor. Por descaso ou preguiça, porém, e sobretudo por não acreditar na democracia nem no capitalismo, a população acaba, ela mesmo, enganada, sofrendo porque não quer sofrer. No caso político, nossa incompetência para o voto decente é óbvia: basta observar que promessas soltas e apelos populistas ainda rendem votos e elegem representantes, de síndicos a presidentes. Como consumidor, o brasileiro é disfarçadamente maltratado, porque, como seus antecedentes nativos, continua passivo e ingênuo. Recebendo um serviço incompetente de empresas nacionais – que ainda desconhecem o mercado competitivo internacional –, e vítima de agressivas estratégias de multinacionais – que, por sua vez, se aproveitam da moleza do mercado brasileiro para deitar e rolar.
Por exemplo: fui almoçar, num domingo, no bar Frangó, em São Paulo, que oferece uma rara variedade de cervejas estrangeiras. Pedi uma água com gás; veio sem. Pedi uma cerveja Norteña; o garçom, até abrir a cerveja, demorou uns dez minutos, deixando-a fechada em cima da mesa e virando de costas. Pedi um prato para servir aperitivos; demoraram, para me entregar o prato, mais uns dez minutos, que esperei de pé. Pedi um frango assado; e o Frangó, no que deveria ser especializado, não podia me servir antes de 40 minutos. Para substituir, pedi, então, uma picanha, que sairia em 20; depois de 25 minutos, onde está a picanha? “Ah, senhor. Me desculpe. É que, sabe aquele garoto para quem você pediu a picanha? Então. Ele não é garçom. É só ajudante. Sua picanha ainda não foi comandada (sic)”. Claro, claro. Então a culpa deve ser minha. De ter escolhido um bar tão distante e, ao mesmo tempo, tão ruim. Que não conseguiu sequer acertar em um simples e único serviço.
Da Freguesia do Ó, num pequeno e escondido bar, podemos, acredite, generalizar, partindo para uma supostamente moderna empresa de telefonia móvel. Porque os casos não são específicos nem isolados. Ligue para a Tim – como foi o meu caso –, ou uma concorrente, e diga que pretende comprar um aparelho celular. Você será imediatamente atendido – e seu problema, digamos assim, solucionado, numa velocidade impressionante. Agora, depois de assinante: ligue novamente para a empresa, para tirar uma dúvida ou solicitar uma assistência. Você esperará, primeiro, na linha, ouvindo musiquinhas chatas e frases falsas (“Sua ligação é muito importante para nós”, etc.), por, literalmente, pelo menos uns 15 minutos. Pergunte, como eu, como funcionaria o seu aparelho em Moscou, e quais as tarifas cobradas naquela localidade (a empresa não é, afinal, internacional?). A resposta não vem, nem depois de mais de 20 minutos. Se a ligação não cair – e você precisar repetir toda a operação, como, mais uma vez, aconteceu comigo -, você se assustará com o absurdo preço cobrado. Por um serviço que, suspeito, será péssimo.
É um traço especial da cultura brasileira, essa tolerância calada, que as empresas aproveitam para multiplicar os seus lucros. As nacionais já cresceram assim, assimilando, desde a fundação, uma postura que trata o cliente como se estivesse fazendo a ele um favor, e não um serviço – em troca de dinheiro. E as estrangeiras, como a Tim, correm para abiscoitar o mercado brasileiro, onde, apenas com propaganda, garante-se o sucesso.
Não é, portanto, que o capitalismo seja sempre terrível, e que empresas necessariamente suguem todas as migalhas do consumidor. É que simplesmente, por não acreditar nele, o brasileiro ainda não aprendeu a se comportar num regime capitalista. Sem admirar as suas imbatíveis qualidades, não reconhecemos também os seus eventuais defeitos. E – reclamando de modo abstrato da selvageria do mercado – esquecemos que somos os próprios responsáveis pela selva em que nos arrastamos.
No capitalismo é certo que estamos porque, querendo ou não, antes o quiseram para nós. Na democracia estamos porque queremos mesmo, apesar de não a quererem para nós. Por mais arrastada que consiga mover-se nesta selva capitalista, ela sobrevive e cresce.
Devemos sim, gastar um pouco mais em telefone, reclamando da conta de energia, um pouco de energia chiando com as tarifas e o serviço de telefone, chamar na camaradagem o gerente do boteco onde comemos e mostrar a ele o que está errado. São hábitos recomendáveis, e hábitos desenvolve-se com a mão da prática. Não bastam, porém.
A dicotomia 'democracia controla capitalismo - capitalismo efetiva democracia', por si só não funciona. É indispensável um terceiro pilar a sustentar esta construção. Este pilar, sem o qual a construção cai, ou sequer se ergue, é um Estado bem estruturado, sólido e democrático, que não permitirá a queda para a injustiça, nem o esboroamento na ausência de iniciativa. Um Estado assim é instrumento que barra a voracidade do capital sobre o humano e também organiza o provimento adequado, pelo capital, de meios efetivos de sustentação material e cognitiva da sociedade toda e não apenas de parte dela.
Este Estado não o será pretendendo atingir um único pináculo, o de que todos são iguais perante a lei e ponto. Este Estado só o teremos partindo em direção a um conjunto de outros pináculos, tão inatingíveis quanto o Everest. Alguns destes pináculos entre aquelas nuvens lá: 'todos devem ser iguais perante o supermercado; todos devem ser iguais perante a farmácia e o hospital; todos devem ser iguais perante a escola, perante os meios de transporte e moradia; todos devem ser iguais perante as companhias de água, energia elétrica, telefone, gás, informação e informatização, inclusive internet. Acalmem-se. Falo dos serviços e produtos básicos, com qualidade. Todos eles. Modelitos mais sofisticados ficam preservados à lei de oferta e procura. As revendas de automóveis, as joalherias, as butiques, shoppings, gourmandissies, Ristorantes e sei lá que mais plus-ultras-tops, continuam com seus adorados direitos privativos aos abonados adoradores. Quem se importa?
Sempre que povos cederam às tentações do Estado idealizado pelo Jean, o resultado foi o mesmo e todos nós sabemos qual foi. Apenas alguns fingem que não sabem.
Se aqui temos capitalismo, eu sou o Elvis Presley...
Caro Eduardo.
Talvez você tenha percebido um traço cultural marcante; o conformismo Em nosso país tudo acomoda, mesmo na pior, o brasileiro se conforma com facilidade espantosa.
N fatores provocam essa característica tão insalubre a nós brasileiros. O conformismo vive através da inércia; como diria Macunaíma , pela nossa preguiça
Quantas e quantas vezes eu não fiz valer o meu direito de consumidor, preferi não comprar um briga com um graçom, mesmo sabendo que é meu direito.
A falta de conciência de nossos deveres e direitos faz com no conformamos com tudo inclusive, com pior atendimento.
Prezado Elvis Presley, não podemos entender a plenitude sem olhar por inteiro. Jamais entenderíamos o homem sem admitir a merda que lhe transita na metade inferior da barriga e as besteiras que lhe passam na metade superior da cabeça. Besteiras e merda, queiramos ou não, também são nossa HUMANIDADE. E o Brasil também é capitalista. Prezado Cláudio, também sou contra ceder às tentações desse ESTADO. Exemplos gritantes dele são os Eslavos Unidos e a Grã Betânia, para onde imigram anualmente milhares de órfãos de outros estados minúsculos, a engraxar sapatos, lavar pratos e latrinas e, quem sabe, poder mandar algunzinho para casa. A humanidade carece de perspectivas melhores. Prezado Otavio, acertaste em não comprar briga com o garçon. O garçon é um dos meus melhores amigos e não está bem curado de uma tuberculose renitente. Acho que seria péssimo ele cuspir no seu chope. Guarde sua indignação para causas maiores. Dê cá um abraço e vamos pedir a saideira.
Olá, caro amigo: realmente você não estava com sorte! Fui no Bar uma só vez e, ao contrário de você, achei exepcional: os gançons super atenciosos, as porções vieram com rapidez, não encontrei nenhum problema, apreciei o choop, sem estress! Abraços