COLUNAS
Quarta-feira,
23/7/2003
Diálogo com a Mãe
Rennata Airoldi
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As relações humanas são uma fonte inesgotável de assuntos e de questionamentos. Homens e mulheres, pais e filhos, tanto faz o grau de parentesco ou conhecimento mútuo. A realidade é uma só: nem sempre é fácil dizer certas coisas, dividir outras, e ser compreendido. Muitas vezes, os mais próximos são os mais distantes quando, por exemplo, as confidências não são aceitas.
Em Diálogo com a Mãe, o ponto de partida é relação entre uma mãe e seu filho. A mãe, representada pela atriz Miriam Mehler e o filho, pelo ator Nelson Baskerville. Tudo começa num "quase fim". Um homem em estado de coma num hospital (inconsciente devido a uma tentativa de suicídio) reencontra a mãe falecida, revivendo cenas, debatendo suas diferenças e expurgando arrependimentos. Os dois se culpam mutualmente por determinadas atitudes que tiveram durante a convivência. Cobrança, indiferença, abandono. Mas principalmente o grande trauma gerador da desilusão: a não aceitação da mãe diante da homossexualidade do filho.
A peça tem um cenário bem simples, com poucos elementos que representam esse universo inconsciente mais o quarto do hospital. O filho carrega sua culpa e sua dor, que estão presentes inclusive no peso da interpretação do ator. Já a mãe, por sua vez, faz o contraponto através do humor. Tentando se manter à parte de toda a decepção da vida que já se foi, descreve cenas do mundo dos mortos: uma espécie de céu imaginário, trazendo um tom mais ameno à cena. Apesar de revelar seu sofrimento em relação às escolhas do filho e ao sentimento de abandono causado por ele.
De certa forma, porém, a interpretação torna-se um pouco equivocada em alguns momentos: na medida em que as reações exageradas do filho, e suas alterações emocionais, não condizem com a maneira de agir e com as colocações da mãe. Assim sendo, determinadas cenas, que deveriam representar apenas uma discussão exaltada, passam a ter a inclinação melodramática de uma briga entre parentes próximos. É um limite muito tênue, sem dúvida. Mas é necessário perceber até onde a interpretação é crível e a partir de que ponto o ator passa a super-representar a situação proposta pela cena.
Nesse sentido, passamos a desacreditar e tudo se converte num exagero desnecessário. Mais uma vez, continuo acreditando que o "menos" pode ser "mais". Sofrer em cena é muito delicado. E aqui funciona a lei da física que, pelo que me lembro, é mais ou menos assim: a toda ação espera-se uma reação de igual força. (Aos físicos e entendidos: me desculpem se me equivoquei nas palavras.)
Diálogo com a Mãe é um texto de José Eduardo Vendramini e tem direção de William Pereira. Em relação ao texto, é delicado e tocante em muitos momentos, mas também repetitivo. Em alguns horas, a repetição é realmente um recurso (uma escolha da dramaturgia). Porém, aqui, os assuntos são retomados de maneira descuidada, mais de uma vez, no decorrer da peça; o que desgasta e fragiliza o texto. Principalmente, porque os elementos utilizados pela direção, como sonoplastia e iluminação, insistem em repetir as mesmas formas, impossibilitando a surpresa. Independentemente disso, é emocionante a maneira como são compostas as imagens, e a relação que se estabelece entre elas.
De qualquer jeito, a recente estréia promete; e a tendência natural é que a própria relação entre os atores em cena cresça e que todas as arestas sejam aparadas. O ponto forte aqui é que a peça é para todos. Diálogo fácil, simplicidade nos personagens e generosidade por parte dos atores. Discute a questão do idoso, a questão do filho diante dos pais, sua independência e sua aceitação na família.
Para ir além
Diálogo com a Mãe está em cartaz no Teatro da Cultura Inglesa, que fica na Av. Higienópolis, nº 449. Sexta-feiras às 21 hrs.; sábados e domingos às 19 hrs. Maiores informações através do telefone: (011) 6846-6000.
Dica de férias
Para onde vai a escuridão quando a gente acende a luz?: uma boa opção para as crianças neste mês de julho. A peça trata do medo que as crianças têm do escuro e da curiosidade que isso desperta nelas. Ponto forte: a peça é protagonizada por três atores mirins, ou seja, crianças falando para crianças na sua própria língua. Jovens atores que se saem muito bem. Está em cartaz no Teatro do Colégio Santa Cruz, na Rua Oboró, nº 77. Sábados e domingos às 16 hrs. Telefone para mais informações: (011) 3024-5191. (Recomendado para crianças entre 4 e 9 anos.)
Rennata Airoldi
São Paulo,
23/7/2003
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