Será que é pedir demais que pelo menos o noticiário fique fora da espetacularização promovida pela mídia? Não estou nem falando desses pseudo-programas jornalísticos que animam as tardes dos desocupados, oferecendo uma visão do que de mais podre existe no ser humano. Refiro-me aos noticiários que se dizem “sérios”. Desses, espero uma visão do que realmente é relevante, espero a notícia. Se for para ver espetáculo, posso optar entre as novelas, humorísticos, shows. Nesses programas sei o que me espera, sei que o drama é fabricado. Por isso fiquei chocada com a cobertura dada pelos jornalísticos da Rede Globo à morte do diplomata Sérgio Vieira de Mello.
Enquanto estava vivo, nunca vi a Globo dar atenção a esse brasileiro que ocupava um alto cargo na ONU e que, por conta da sua função, tinha a missão de contribuir para o restabelecimento do Iraque após a guerra. A prova desse descaso é que agora, com a morte do alto comissário, a Globo não tinha nenhuma entrevista, nenhuma reportagem para mostrar. As duas entrevistas veiculadas pela emissora não foram feitas por ela. A primeira que vi era da GloboNews, de 1999. Meio fria, não? Por mais que seja uma emissora do sistema Globo, as equipes de jornalismo são separadas. Por ser um programa de uma TV por assinatura, a programação é diferenciada. Os programas da Globo aberta não circulam livremente pela Globo por assinatura, e vice-versa. A outra entrevista veiculada foi originalmente produzida por uma TV angolana, um pouco antes de o diplomata assumir seu cargo no Iraque.
A gente sabe que, para o jornalismo, muitas pessoas valem mais mortas do que vivas. É o caso do diplomata. Apesar de ser um brasileiro importante, em um cargo importante na ONU, enquanto estava vivo não rendeu uma entrevista sequer. Não é o Brasil que reclama da representação que tem no exterior? Pois bem, esse era um exemplo de representação que não foi explorada, nem ao menos considerada, pela maior rede de comunicação do país para ajudar a reforçar a auto-estima do brasileiro.
Depois de morto, no entanto, Sérgio Vieira de Mello rendeu boas horas de reportagem. A Globo “cavou” entrevistas para poder contextualizar a importância do funcionário da ONU e justificar o fato de explorar tanto a imagem de alguém que mereceu pouca ou nenhuma menção na emissora enquanto estava vivo – enquanto o que fazia realmente era notícia.
Quando o potencial da notícia parecia esgotado, surge um novo atrativo para dar continuidade ao espetáculo. A moça desesperada na cena da explosão era – que sorte! – namorada do diplomata. Nada demais, se nas reportagens anteriores Sérgio não tivesse aparecido como casado. A reportagem veiculada no Fantástico fala que o casal estava separado, para neutralizar qualquer interpretação de que a emissora estava provocando um escândalo para alcançar audiência.
Não importa o tom. Também não importam quais eram os relacionamentos mantidos pelo diplomata. A notícia deu lugar ao sensacionalismo, ao folhetim. Além de lidar com a dor da morte, quem fica precisa lidar, também, com a exposição provocada pela mídia, com o fato de ter sua vida, seus segredos, sua intimidade colocados à vista de todo mundo. E qual a relevância de tudo isso?
Enquanto foi relevante, enquanto o que fazia era notícia, Sérgio Vieira de Mello permaneceu despercebido pela maior emissora de televisão do país, aquela que tem o poder de ditar o que deve e o que não deve ser notícia. Depois de morto, o foco passou a ser a vida pessoal do diplomata. Não foi notícia e passou a ser espetáculo. Com certeza, não era essa a representação que ele queria para si.
Concordo com você, cara Adriana Baggio. O jornalismo dito "global" é de dar nojo mesmo. Mas, infelizmente, serve a objetivos e interesses nem sempre confessáveis, embora, se possa facilmente saber quais são. E o que a nós dá nojo ilude e envenena consciências, fabrica opinião sobre os fatos, distorce e atrasa a história. É lamentável. Como você disse, as diretorias jornalísticas da rede não são iguais. Isso, segundo o meu filtro, também já havia dectado uma coisa: o "Bom Dia, Brasil", de todos os telejornais da rede, inclusive, o Fantástico, é o único que ainda se salva. Conheço a Mírian Leitão em seus artigos, parece-me bastante independente. Parabéns pela análise, Adriana.
Bravo, Baggio! É indispensável que se aponte a cada meneio indecoroso: - a Loura Platinada está nua! É natural que atraia assim tantos olhares. É previsível que muitos assim a prefiram. É premente que alertemo-nos sobre seus sedutores encantos, mental e sexualmente doentes.
Cara Adriana Baggio,
Concordo inteiramente com o teor da sua coluna sobre o S. Vieira de Mello. Fui durante muitos anos responsavel pelo escritorio de uma grande editora brasileira na Europa. Varias vezes propusemos que se fizessem entrevistas ou matérias com Sérgio Vieira de Melo, desde que ele foi nomeado para a Iugoslavia (bem antes de Timor). Sem resultado. So' muito depois, se bem me recordo, foi feita uma unica entrevista.
Como explicar essa hostilidade? Confesso que até hoje não consigo entender completamente, porém creio que ha' duas razões principais. A primeira é que os jornalistas brasileiros consideram que brasileiro tem de ter sucesso no Brasil, se um brasileiro tiver sucesso no exterior, de alguma forma ele deixa de ser brasileiro. No caso do Sérgio Vieira de Mello, a questão se agravava pelo fato de ele ser formado no exterior (em filosofia na Sorbonne, se ainda fosse um MBA em Harvard....).
A menos claro, se for um Airton Sena: ai vira o maior do mundo. Ja' o Guga..., se o sujeito não for premio Nobel é porque anda "metido a besta". E' uma espécie de covardia por transferência, assunto digno de um psiquiatra.
Em segundo lugar os jornalistas brasileiros consideram que não so' politica internacional não interessa ao leitor, como qualquer assunto so' merece matéria se ja' for conhecido e de sucesso no Brasil. Pode parecer ridiculo, um circulo vicioso, mas essa é a verdade. Se um livro ou filme tiver sucesso no Brasil, merece matéria. Se for bom, mesmo se tiver sucesso no exterior e estiver para ser lançado no Brasil, não é suficiente. Sem sucesso no Brasil nada feito. O mesmo acontece com personagens politicos, ou quaisquer outros. Não se noticiava Sergio Vieira de Mello por que ele não era conhecido. E' ridiculo mas é a verdade.
Antigamente os jornalistas corriam para apresentar novidades de sucesso. Hoje não. Hoje correm para apresentar algo a mais, se possivel exclusivo, sobre um assunto que ja' for um sucesso.
Ou seja, o que se faz hoje nas redações não é bem jornalismo, é uma outra coisa que se chama comunicação, isto é, o jornalista deixa de criar informação para apenas repercuti-la.
Virei seu leitor.
Um abraço
Pedro de Souza