Desde o lançamento da obra-prima Annie Hall em 1977, Allen Stewart Konigsberg (n. 1935) foi o maior cineasta em atividade por quase vinte anos. Graças ao fato de seus filmes serem de baixo orçamento e duração curta (um filme de uma hora e vinte permite mais sessões diárias nas salas que um de três horas), ele conseguiu manter uma produtividade cinematográfica que nenhum de seus colegas de geração conseguiu. E com uma liberdade criativa da qual outros não desfrutaram.
Woody começou na década de 50, escrevendo fofocas e tiradas para colunas de jornal, tornando-se em seguida redator de piadas para comediantes já famosos na TV e no teatro, como Bob Hope, Art Carney e Sid Caesar.
Em 1961 tornou-se stand up comic - os comediantes que se apresentam em números solo em bares, night clubs e convenções, como os números que costumam abrir todo episódio da série de TV Seinfeld. Em 1965 veio a chance de escrever o roteiro e participar como ator em What´s New, Pussycat? (O Que É Que Há, Gatinha?, de Clive Donner).
Em seguida comprou os direitos de exibição nos EUA de um filme B japonês (Kagi no Kagi), e colocou uma dublagem absurda e debochada, incluindo também algumas cenas em que apareciam ele próprio e sua então mulher Louise Lasser, rebatizando a obra para What's Up Tiger Lily? (1966)
Seu primeiro filme como diretor seria Um Assaltante Bem Trapalhão (Take The Money And Run, 1969). Dois anos depois veio uma sátira às ditaduras latino-americanas, Bananas. Ambos os filmes, embora tenham momentos engraçados, mostram a inexperiência de Woody, sofrendo com a falta de ritmo e o domínio sobre a técnica narrativa. O diretor sairia-se muito melhor no episódico e hilário Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre o Sexo e Tinha Medo de Perguntar (Everything You Always Wanted to Know About Sex but were afraid to ask, 1972), onde interpreta vários papéis, destacando-se como um atormentado espermatozóide. É a mais bem realizada das obras desta primeira fase de Woody, que renderia mais dois filmes até o marcante Annie Hall (aqui chamado Noivo Neurótico, Noiva Nervosa).
Annie Hall é o início de uma nova fase: já é o filme de alguém que domina sua mídia. Levou o Oscar de Melhor filme, e Woody os de diretor e roteiro original (junto com o parceiro Marshall Brickman). Todas as comédias românticas com personagens inseguros feitos desde então devem algo a Annie Hall.
Woody optou por não ir à cerimônia de entrega do Oscar - preferiu ficar tocando clarineta num pub com os amigos - e desde então tem sido meio que esnobado pela Academia de Los Angeles, embora tenha ganho o Oscar de roteiro original com Hannah e suas Irmãs (1986).
Em seguida veio o único filme de Woody que pode ser considerado uma bomba, e o primeiro de seus filmes em que ele não aparece como ator: Interiores (Interiors, 1978), uma tentativa de imitar Bergman justamente no que este tem de pior: uma pseudo-intelectualização fria e auto-comiserada. Na série de entrevistas do diretor a Stig Bjorkman (Woody Allen por Woody Allen, Editora Nordica), vemos que o diretor crê que o drama da personagem principal, Joey, é realmente relevante: ela é uma dondoca nova-yorkina, que não precisa trabalhar pra sobreviver e é casada com um sujeito que a trata bem. Mas sofre, porque, apesar de ser sensível, não tem um talento para expressar sua sensibilidade. Francamente... é pra levar isto a sério? Bota ela pra pegar o trem de Japeri e lavar roupa no canal do Mangue diariamente, que ela vai ver o que é uma angústia justificada.
Aliás, o fato da ambientação dos seus filmes se dar sempre entre pessoas bem-de-vida e cheias de estilo já valeram ao diretor críticas de seu colega Spike Lee - que, acertadamente, disse que na Nova York dos filmes de Woody Allen não há negros.
Felizmente, o fracasso deste filme levou o diretor a seguir com as comédias, não mais buscando a gargalhada, mas cheias de angústia, dúvidas existenciais e morais. Ainda assim, ele voltaria ao drama com resultados bem mais interessantes que o de Interiores, em Setembro (September, 1987), A Outra (Another Woman, 1988), e sobretudo em Crimes e Pecados (Crimes and Misdemeanors, 1989), que, medidas as enormes distâncias, pode ser considerado uma resposta ao livro Crime e Castigo, de Dostoiévski.
Todavia, o forte do diretor é a comédia: a partir da obra-prima Manhattan (1979), seguiram-se filmes maravilhosos, como os metalinguísticos Memórias (Stardust Memories, 1980), Zelig (1983), A Rosa Púpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985). Estes filmes esmiuçam a linguagem cinematográfica, mostrando o impacto do cinema na sociedade, a crueldade do Star System, o confronto do indivíduo com o grupo, tudo isso de um modo ao mesmo tempo profundo, lírico e engraçado.
A eles se alternaram obras cheias de ternura como Broadway Danny Rose (1984) e o maravilhoso A Era do Rádio (Radio Days, 1987), ambos estrelados pela sua então mulher, a "ex-Sra. Frank Sinatra" e mãe do bebê de Rosemary, Mia Farrow.
Em 1992 o casamento acabou num enorme bafafá, envolvendo lavagem de roupa suja na imprensa, virando livro e filme para TV (Love and Betrayal: The Mia Farrow Story, 1995), pois Woody estava envolvido com uma dos muitos filhos adotivos de Mia, a coreana Soon-Yi Previn. Mia, num ato descortês (e impensado) de vingança, acusou Woody de abusar sexualmente de um dos outros filhos adotivos do casal, uma criança. Se a acusação fosse verdadeira, e ela não a tivesse relatado antes do rompimento, seria cúmplice no crime.
No último filme dele em que ambos trabalharam juntos, o ótimo Maridos e Esposas (Husbands and Wives, 1992), pode-se ver em alguns diálogos prenúncios da separação que estava por vir. Neste filme o personagem dele se evolve com uma mulher muito mais jovem.
Agora Woody e Soon-Yi já estão juntos há dez anos, e desde o filme da documentarista Barbara Kopple Wild Man Blues (1997) - que mostra a excursão da banda de Dixieland em que Woody toca clarineta -, tornaram-se queridinhos da mídia. Woody poderia até criar uma brincadeira em torno deste casal envolvendo uma celebridade ocidental e uma mulher oriental: fazer uma citação à famosa semana em que John Lennon e Yoko passaram na cama em protesto contra a guerra do Vietnam; mas tendo em vista as condições em que o romance começou, é provável que ele queira preservá-lo da imprensa. Curiosidade: no tal filme sobre o fim do casamento Woody/Mia, um dos filhos de John Lennon, Julian, interpreta o papel de seu pai. Pra saber o que John tem a ver com a história de Woody, só achando algum abnegado que se disponha a ver esse filme.
Woody continuou nos brindando com grandes obras, mas a falta de público crônica de seus filmes nos EUA - durante anos quem sustentou a carreira do diretor foi seu sucesso na Europa - sempre ameaçava abreviar sua carreira. Em 1997 fez Desconstruindo Harry (Deconstructing Harry), onde o diretor, mais uma vez, interpretava um artista em crise criativa. O filme seguinte, Celebridades (Celebrity, 1998) levou dois anos para chegar nas telas de cinema brasileiras.
Recentemente, Woody e uma das suas produtoras - e mulher de um dos seus principais financiadores - romperam por questões financeiras. Steven Spielberg então entrou em cena, e arranjou um contrato para Woody, ao longo de alguns anos, fazer um pacote de filmes para a produtora do bilionário diretor de E.T.
Acredito que em parte para minimizar os riscos de fracasso - e um subseqüente fim de carreira -, em parte para agradar ao novo estúdio, em parte por um desgaste artístico natural (ninguém mantém o mesmo pique após três intensas décadas de carreira), os últimos filmes de Woody têm se mostrado mais diluídos, parecem ter sido feitos para ele poder beijar mulheres bonitas, em geral com menos da metade da sua idade, algo que já vinha ocorrendo há anos: Juliette Lewis, Mira Sorvino, Julia Roberts, Helen Hunt. Para o próximo filme de Woody, está escalada Christina Ricci, a ex-menininha da Família Adams.
Por tudo que já fez, ele tem direito a beijar quem quiser.
"Francamente... é pra levar isto a sério? Bota ela pra pegar o trem de Japeri e lavar roupa no canal do Mangue diariamente, que ela vai ver o que é uma angústia justificada." Pena que este trecho - de tão típica simplificação populesca - piore tanto o texto. Se o filme não funciona, não funciona. Mas isso não justifica invalidar o tipo de crise da personagem por não ter "motivos reais".
Evidentemente, discordamos neste tópico. Acho o personagem auto-indulgente (aliás o filme todo o é), sem interesse e superficial. Ao invés de escrever nestes termos, tentei utilizar o humor. Curioso o comentário “Pena que este trecho piore tanto o texto”; já escrevi cerca de cinqüenta páginas sobre cinema neste site, e o leitor resolve se agarrar a algo que não concorda e a partir disto, como um imperador romano, aponta o polegar na direção que lhe interessa.
Bom, fazer o quê?