Numa estação de metro em Roma, enquanto distraidamente tentava comprar meu passe numa máquina quebrada, uma menina aproximou-se de mim e, falando português com sotaque italiano, perguntou se eu sabia como a máquina funcionava. Respondi que sabia, mas, obviamente, não aquela. Perguntei, então, já sabendo a resposta, se ela era brasileira. Era. Ela se surpreendeu com a minha capacidade de adivinhação.
Eu me surpreendi com a ingenuidade dela. Fomos juntos, trocando algumas palavras, a outro lugar que vendesse os passes. Ela me disse que esteve, antes, em Portugal. Onde tudo era mais fácil. Na Itália, reclamava que, durante esses quatro dias em que esteve em Roma, nossa, tudo era tão difícil. Imagino. E imaginei, e adivinhei, ainda mais: além da nacionalidade, a profissão a que ela se dedicava. Não pela roupa, nem por nada assim, digamos, palpável. Ela era feia, e se vestia até que comportadamente. E não estava nem um pouco interessada em mim.
Pois eis então que, pouco antes de nos separarmos, uma de suas últimas frases foi: "Sabe como é: eu vim aqui para trabalhar de uma forma diferente...".
"Sei", respondi. E bem. Só não disse como, desde o primeiro instante que nos encontramos, descobri a sua profissão. Digo agora, entre nós: pelo sorriso. Não adianta - ele entrega tudo.
Bem-vindo a Moscou
Cheguei no aeroporto de Moscou às três horas da tarde, depois de dois cansativos dias de viagem. Para começar a me acostumar com a eficiência do país, o sujeito que deveria estar me esperando com uma placa com o meu nome não estava lá. Aparentemente há, no aeroporto de Moscou, três vezes mais taxistas do que pessoas desembarcando. Os motoristas são grossos e insistentes, incomodando constantemente alguém que, como eu, está perdido num país estranho, com uma língua mais estranha ainda.
Depois de duas horas desorientado, achei dois meninos de 18 e 19 anos, com o meu nome numa cartolina. Muito alegres e muito simpáticos. Precisamos, em seguida, negociar com os taxistas, para que algum reduzisse o preço absurdo que, protegidos pela máfia, eles costumam cobrar. Conversando com um e com outro, demoramos, como era de se esperar, para encontrar um que aceitasse nos levar ao centro por 30 Euros.
Moscou, no verão, ferve, em todo os sentidos, e inclusive a temperatura. E o Lada, claro, não tinha ar-condicionado. Sua-se, no trânsito, como na sauna. A desculpa do meu guia de 18 anos, quando abriu a mochila, era a de que ia pegar algo que nos refrescasse. A bebida chama-se samagom, se não me engano, no nosso alfabeto, ou pelo menos se pronuncia assim. Uma bebida amarela, composta 60% por álcool, produzida em casa pela avó do meu novo amigo. O drinque é popular mas proibido, porque pode ser, dependendo das condições de preparo, perigoso. Naquele Lada parado no trânsito, embaixo de um sol de 35 graus, beber samagon, logo nas primeiras horas na Rússia - depois de dois dias dormindo mal -, é coisa para homem. Bebi.
O sabor é doce, e o líquido descia suavemente pela garganta. O problema é quando chega em órgãos mais delicados, na barriga. Tudo parecia estar derretendo, se é que realmente não estava. Só assim os russos suportam o inverno russo. Só assim eu, como estrangeiro, suportei o verão. Levemente bêbado.
De noite em Viena
Não havia muito mais o que fazer naquela noite em Viena, depois que o Palm House fechou. Era quarta-feira. A cidade estava desanimada, mas não nós três, depois de alguns drinques num bar que, sem exagero, pode-se considerar dos mais bonitos do mundo. Então precisamos, já às duas da manhã, procurar um programa, digamos assim, alternativo.
Foi então que Amir, um amigo iraniano, sugeriu que observássemos a cidade de cima, do topo da montanha que cerca a cidade - que, à noite, com as luzes acesas, seria provavelmente um espetáculo. O percurso demorou, de carro, aproximadamente meia-hora. Poderia ter demorado mais. Eu continuaria esperando sentado confortavelmente, no banco de trás, tomando minha cerveja, enquanto Viena, do lado de fora, era só minha. Com suas ruas estreitas, e as flores enfeitando as janelas das casas, convidando para se beber vinho. No caminho, a casa em que Beethoven morou, num dos bairros mais elegantes da cidade. Continuamos subindo.
Até que chegamos - num estacionamento vazio, de onde andamos, depois, para a praça ao lado, cercada por plantas e flores. Não é exatamente o lugar que se visita com dois amigos homens. Mas, enfim, estávamos lá. Dispostos apenas a conversar, numa noite linda, com a cidade inteira ao nosso alcance, aparentemente - se quiséssemos alcançá-la. Não queríamos. É de fora que se observa e se apreciam melhor os resultados da concentração humana civilizada. De longe, a cidade era um espetáculo - como, aliás, quase todas as outras.
De perto, porém, as coisas mudam. E é sobre isso que conversávamos. Não é possível que, sob aquele pequeno ponto de luz, escondam-se todos os grandes problemas de uma existência. Que ali chore, sozinha, uma menina linda, esquecida pelo namorado que, por sua vez, chora também, sozinho, imaginando que ela o esqueceu. Tudo se complica, quando se aproxima. A humanidade é fascinante, sob o ponto de vista científico, que exige imparcialidade e distância. Só não se pode participar dela, se o que se quer, para o resto da vida, é ser feliz.
Por aí vai, e por aí foi o nosso papo, que passou pelos assuntos mais diferentes e variados, mas sempre estimulantes. Curioso o que pode sair da boca de três homens de vinte e poucos anos, quando não falam de carro ou futebol. As mulheres talvez nunca acreditariam, e se sentiriam ofendidas, se soubessem. Nenhum de nós, naquela noite, falou delas.