Um amigo, dia desses, na praia, depois de uma partida de tênis, me explicou, em linhas gerais, a tese que pretende desenvolver, no ano que vem, na London School of Economics and Political Science: o efeito manada aplicado ao mercado financeiro. O assunto é complicado, envolvendo - e exigindo conhecimento de - Economia, Finanças, Estatística, Psicologia, etc.
Voltei para casa, no domingo, e continuei lendo Ébano - Minha vida na África, do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski. O livro já é um clássico para a compreensão do Continente, suas culturas e seus conflitos, porque Kapuscinski acompanha de perto, há quatro décadas, a situação africana, como jornalista profissional e viajante casual. Numa passagem, o narrador descreve a experiência de um amigo, que durante anos observou de avião o comportamento dos búfalos africanos, sozinhos e em bandos. E reparou no seguinte: quando se aproxima de avião de um animal solitário, perdido do grupo, normalmente ele não se assusta; percebe a presença da máquina, mas continua pastando, tranqüilamente. Quando, porém, o avião, num vôo rasante, passa por cima de uma manada de búfalos, os animais inicialmente mantém silêncio - e depois explodem numa corrida desordenada, nervosos e cegos, em estado de pânico.
O que, afinal, acontece? Não deveria o grupo se sentir mais seguro do que o indivíduo, e preservar a calma enquanto passa o avião? Não. Porque a tendência, nesse caso, é de que o comportamento do grupo se iguale ao do animal mais sensível. Se, portanto, apenas um búfalo começar a correr, o resto, aos poucos, o imita - provocando, pelo mais simples motivo, uma situação de pavor generalizado. Não tenho aqui as bases estatísticas, nem uma teoria sólida trabalhada. Mas acho que essa observação africana ilustra com nitidez alguns movimentos do mercado financeiro.
Bárbaro babão
Ouvi, dias atrás, no elevador da faculdade, de um nerd, desses que babam - com óculos torto e bigodinho -, contando para o seu amigo peralta: "Pô, velho, eu tenho um amigo que trabalha na PF (Polícia Federal; repare na intimidade). É animal. Outro dia, na balada, ele mandou baterem nos seguranças. Tesão, diz aí...".
A nota média desse sujeito deve ser, por baixo, uns 7,5. Desconfio que seja, em algumas matérias, dos melhores da classe. E é nisto que dá: continua sendo um bárbaro babão. Não que isso seja, para mim, novidade. Para certas pessoas, entretanto, ainda é. Que fique, então, pelo menos, registrada a situação.
Mongólia
Bernardo Carvalho não é apenas um escritor com sobrenome bonito. É também um autor novo e competente, que busca assuntos diferentes para os seus livros, fugindo dos temas que dominam os lançamentos editoriais brasileiros. Seu mais recente livro, o festejado Mongólia, nem parece ter sido escrito por um brasileiro, apesar das eventuais referências ao País. Pode-se reclamar do estilo, ou da ausência dele: mas a prosa, mecânica, é eficiente. Bernardo Carvalho é um autor com interesse cosmopolita e de, no melhor sentido da expressão, qualidade internacional.
Há no livro, porém, no final - que evito contar -, uma sutil influência de Chico Mineiro, aquele clássico da música sertaneja. A coincidência, casual ou não, é evidente. Ninguém, porém, ousará apontar essa comparação, porque música caipira legítima, no Brasil, é diversão apenas para caipiras - e dos legítimos, que, aliás, estão desaparecendo.
A música sertaneja, eu diria, é o oposto do axé. Dizer que gosta de Tião Carreiro não pega bem. No entanto, não há nada mais verdadeiro, original, espontâneo. Chico Mineiro possui uma beleza simples e triste, real, que pertence ao coração humano - e não, como é o caso do axé, a uma gigantesca bunda artificial. Além de ser melodicamente pobre, o axé é um estilo falso, fabricado, forçado. Ninguém razoavelmente sensível consegue absorver essa suposta alegria distribuída.
Transposta a comparação acima, com todos os cuidados, para a literatura contemporânea, eu enquadraria então Bernardo Carvalho como um escritor - nessa onda de lançamentos vulgares e barulhentos - caipira. Dos legítimos. Não pelo seu provincianismo - que, em sua obra, inexiste. Mas pela sua produção honesta e bonita, que segue silenciosamente marginal - enquanto os trios elétricos literários dominam a avenida.
Como se fosse fácil escrever
Como se fosse fácil escrever. Se fosse assim: eu sento, com calma e tempo, e digito palavras, que escapam ordenadamente dos meus dedos. Sento então, e tento. Saem, contudo, idéias desordenadas, em frases feias e feitas. Faltou sempre, e faltará, uma capacidade natural para a comunicação agradável, composta por um texto fluente e lógico. Morro, e antes não escreverei bem.
E, pior, vou morrendo, enquanto isso, de inveja, de quem sabe - ou soube - escrever. É uma habilidade milagrosa. Exige esforço metódico e talento natural, mas não só, - repito - não só. Porque se esforçar todo mundo pode; e talento é uma sorte pequena. A prosa precisa e criativa é provavelmente uma das opções disponíveis ao gênio, para que imponha sua inteligência e confirme sua especialidade. Continua, no entanto, um mistério, onde reside a origem dessa genialidade. Sinto-me analfabeto, lendo Machado de Assis. Não sei mais como expressar isso. É a impressão que me resta, depois de ler Memorial de Aires.
Realmente, escrever é ofício para poucos, assim como cozinhar e fazer boa música. Tentem ler João Antonio:"Malagueta, Perus e Bacanaço", fritem (ou tentem) um ovo a là Paul Bocouse ou escreva uma canção como "modinha" e talvez vocês se surpreendam com o fato de que o simples
e o belo escondem sutilezas tão perversas quanto as mais herméticas das ciências.
Pois escrever bem eh o misterio maior. Acho que a escrita, antes de ser um dom, eh um exercicio. Mas, para exercitar, temos que gostar. As vezes fico horas para escrever um tantinho assim. Outras, que facilidade, parece que as palavras ja estavam ali e eu simplesmente fui descobrindo-as da nevoa em que estavam envoltas. Sinto como se escrevesse com uma borracha no papel, apagando em vez de digitando. O texto jah existia. Porisso, louvo os escritores, esses seres que estao acima de nos mortais, livres como sua imaginacao.
A escrita distraída,
na caneta, de saída,
flui com volteios mansinhos
e nos despe aos pouquinhos.
A boca, maior orifício,
desnuda, enquanto veículo,
a emoção que em amplo espaço
tropeça nos próprios laços.
Assim, prefiro escrever,
uma vez que o leitor,
tão discreto esse ser,
oculta-se atrás dos livros,
quando, disposto a saber.
O difícil é falar,
tendo logo e bem à frente,
olhos que fitam a gente,
ansiosos, aguardando
por dizeres indulgentes.
Falando, faço-me breve,
escrevendo, mais eu me estendo...
O som esvai-se ao vento,
mas, as letras no papel,
seguras, vencem o tempo.
maria da graça almeida
As palavras faladas têm uma vida mais efêmera e um raio de ação menor. No entanto têm um vigor maior, estão no presente. A palavra escrita ganha mais espaço e durabilidade no tempo. No entanto perde significado na medida em que se afasta do ato. Poucas leis antigas têm validade duradoura. Escrever sobre o dia-a-dia é um exemplo marcante da perda de significado. É como jornal de ontem. Escrever com conteúdo duradouro é bem mais difícil. Mas o mais triste é que uma grande maioria cada vez lê menos. E dos poucos que leem, ainda existe nas ofertas a parafernália do inútil. Mas em todo o caso, devemos ter esperança que cresçam as ofertas de escritos de valor.