Se pedissem para você analisar as sessões ou as notícias do jornal por ordem de relevância, em que lugar você colocaria o horóscopo, a coluna social e as fofocas da TV? Provavelmente, entre as mais fúteis, as menos relevantes. Pois na maior parte dos jornais, essas "notícias" fazem parte dos cadernos culturais.
O caráter decorativo do caderno cultural foi apenas um dos aspectos abordados pela palestra de Daniel Piza no IX Fenart - Festival Nacional de Artes da Paraíba, que aconteceu em João Pessoa no início de novembro. Não sou jornalista, mas sou leitora e publicitária, e sei do que o Daniel estava falando. Com algumas exceções, os espaços destinados a artigos e matérias sobre música, literatura, cinema e outras manifestações artísticas convivem com as informações consideradas fúteis, como as colunas sociais e o horóscopo. Os anúncios, nessas páginas, também referem-se às futilidades consumistas, como shoppings, lojas de decoração, moda. É por isso que o caderno cultural já foi a parte do jornal destinada ao público feminino. No domingo, em volta da farta mesa de café da manhã, enquanto o homem lia compenetradamente os artigos sobre política ou economia, a mulher folheava as novidades "culturais".
Os tempos mudaram. As mulheres não se interessam mais, apenas, pelas notícias sobre casamentos, divórcios e óbitos da sociedade. Mas a maior mudança não se refere à mudança de hábito dos gêneros. Com a internet, o jornal perdeu sua maior vantagem: a instantaneidade da informação. Se antes os diários apresentavam a notícia fresca, o mais próximo possível do seu acontecimento, hoje esse tempo entre o fato e sua divulgação é muito mais curto na informação on-line. Portanto, que diferencial sobra para o jornal?
Se a internet é mais rápida e apela para o atrativo da informação visual, o jornal pode ser mais denso, mais completo. As pessoas não destinam o mesmo tempo para a leitura de um texto na internet e de outro em suporte material. Esse é o diferencial que o jornal pode ter em relação à net. E a maneira como esse aspecto é tratado, também pode representar o diferencial na concorrência entre os jornais.
Piza coloca que o leitor estabelece um vínculo afetivo com o jornal de sua preferência através do caderno cultural. Aí está a oportunidade, portanto, de garantir a circulação e a fidelidade de leitores. No entanto, como em qualquer relação, é preciso que haja interatividade. O jornal, e especialmente o caderno cultural, deve dialogar com o público e com as manifestações que dele emanam. Restringir os artigos aos aspectos eruditos da cultura é assumir uma postura pernóstica. Há espaço para que se examine as culturas ditas populares assim como as elitistas, e mais, as relações entre elas.
O vínculo afetivo com o jornal acontece também porque o leitor vê o caderno cultural como uma espécie de guia. Não somente o guia das atrações de fim de semana, mas uma orientação sobre o que há de bom para ver, ler e ouvir, e porque o que está lá é bom. Aliás, aí está um ponto interessante: o caderno de cultura pauta o que realmente é bom para o público ou o que é bom para o faturamento? Sabe-se que o jabá não é uma exclusividade do rádio.
Assim, o jornal acaba tendo a função de filtro, de seleção das milhares de opções disponíveis em termos de cultura, lazer e entretenimento. A internet é ótima como fonte de informação, mas nem toda informação presta. Pelo próprio custo de produção e distribuição de um jornal, toma-se (ou deveria tomar-se) muito cuidado com quem vai escrever e o que vai estar escrito. Por isso, o repórter do caderno cultural precisa ser uma pessoa que tenha condições de selecionar entre as várias opções o que vale a pena ser conhecido/experimentado pelo leitor. Presunção? Talvez. Mas as pessoas procuram isso. E pode-se dosar informações entre o que o leitor quer ver e entre o que ele deveria conhecer.
Segundo Piza, a fórmula combinatória entre essas duas diretrizes é particular de cada jornal, de acordo com o perfil do seu público de leitores. Ele citou como exemplo a cobertura da Folha de S. Paulo ao lançamento do CD de Maria Rita. A matéria contemplou não apenas a resenha do disco - uma informação que o público queria saber -, mas também os bastidores das ações mercadológicas desse lançamento, como a pauta de apresentações da cantora no Fantástico, o especial da Rede Globo, a assessoria da W/Brasil, uma das maiores agências de publicidade do país - informações que o público deveria saber.
Enfim, a saída para a crise pela qual passa o jornalismo impresso pode estar na valorização do caderno de cultura e dos profissionais que nele trabalham. Profissionais que, segundo Piza, estão dispersos por aí, inclusive no cyberespaço, em periódicos como o Digestivo Cultural, citado pelo autor em seu livro Jornalismo cultural. São esses veículos que estão tentando preencher as lacunas deixadas pelo jornal de papel. Tanto que, ao contrário do estilo predominante na internet, o Digestivo e outros sites preocupam-se em disponibilizar ao leitor a informação completa, tratada com propriedade. Ela tem, ao mesmo tempo, as características da atualidade e da profundidade. É uma combinação que concretiza a proposta de Homero Fonseca, da revista Continente, para os jornalistas e acadêmicos que tratam de assuntos culturais: jornalista, trate o assunto em profundidade, como um acadêmico. Acadêmico, trate o assunto com objetividade, como um jornalista. Com essa combinação, procuramos passar a você, leitor, o que existe de bom, dizendo o porquê de ser considerado bom.
Adriana, considerando a pauta da maioria desses cadernos, você esqueceu de mencionar os quadrinhos, especialmente os do Laerte e do Angeli-muito mais relevantes culturalmente do que qualquer "press-release", que é o que a maioria dessas matérias é,ou de promoção daquela turma do segundo time,salvo Ledo e Ivo engano meu. Isso sem mencionar coisas que estariam melhor naqueles periódicos técnicos, sustentados pelo governo(i.e., dinheiro de imposto)que não são lidos nem por quem é da área. Um uso menos ruim dos meus impostos, se essas porcarias de vez em quando não tomassem o lugar de gente mais interessante nos cadernos culturais.
Adriana,esses dias passou na Seleções do RD atual (Discovery Channel)um documentário onde se verificou que 60% de toda palavra proferida pelo sapiens sapiens refere-se a fofoca, ou seja, conversas sobre a vida alheia. Uma teoria foi apresentada defendendo a tese de q foi a fofoca que "inventou" a língua. Saber quem eram os outros e o que faziam, teria sido fundamental para a nossa sobrevivência em priscas eras. Seríamos os herdeiros q a seleção natural separou, entre os q melhor fofocavam. A acreditar nessa tese as manchetes deveriam ser fofocas. Os "Murdochs" e seus jornais q o digam.
Adriana, tudo parece mesmo ser relativo, só acho que quem assina um jornal deve ter contigo uma balança mais ou menos precisa chamada tolerância sobre o que é bom ou não. Cultura é algo que não deveria ser imposto, o único problema é a tentativa de ditar o que é bom ou ruim. ~Quase todos os filmes que eu gostei, tiveram péssimas notas dos críticos~ rs