Nas busca de idéias que dessem concretude à minha opinião sobre o livro Para viver melhor - sabedoria prática para tornar sua vida mais feliz (Alegro/Campus Editora, 2003), do Dr. Edson Engels, encontrei na própria obra e nas reflexões feitas pelo autor o argumento que sustenta minha crítica.
A "orelha" informa ao leitor que se trata de um livro onde o autor, que é psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista e colaborador de revistas e programas de TV, analisa algumas máximas e ditados da sabedoria popular. Junte-se essa informação à promessa feita no título e à imagem que ilustra a capa do livro - linhas e formas abstratas e coloridas, lembrando um desenho infantil - e a percepção se completa: mais um livro de auto-ajuda com conceitos rasteiros, ilusórios, a repetição de uma fórmula manjada, mas que ainda rende dinheiro aos autores (aliás, se daqui a alguns séculos forem analisar a condição dos habitantes do mundo nos nossos dias através da nossa produção literária, dirão que somos uma população de emocionalmente instáveis, tal a quantidade de "manuais" produzidos para que sejamos capazes de lidar com nossos conflitos).
Essa é a percepção que se tem através dos elementos superficiais do livro, normalmente aqueles a que temos acesso quando encontramos um exemplar na prateleira de uma livraria. No entanto, ao começar a leitura, vemos que o livro é muito mais do que título, texto da "orelha" e capa aparentam. E esse é o verbo-chave da minha idéia: aparentar.
O livro é formado por 84 máximas formuladas por romancistas, personagens históricos, filósofos, políticos e pela sabedoria popular, e mais 8 máximas do próprio Dr. Edson. Todas elas são analisadas pelo médico com o intuito de auxiliar o leitor a lidar melhor com as situações da vida. Uma delas, a que eu me refiro acima como base da crítica, é um ditado romano que diz que "à mulher de César não basta ser honesta; é preciso parecer honesta". Os comentários do Dr. Engels passam pela obviedade da interpretação deste ditado no que se refere ao comportamento que se espera das mulheres, mesmo nos nossos modernos dias, mas vão além, refletindo sobre a importância que se dá à aparência, e à impossibilidade de mudar esse padrão de avaliação. A penúltima frase do comentário, "é preciso manter as aparências para evitar os preconceitos", encaixa-se perfeitamente na análise que se faz deste livro: a falta de cuidado com sua aparência desperta o preconceito de que se trata apenas de mais um pseudomanual escrito por um charlatão.
Ao ultrapassar a observação aparente, vemos que as máximas escolhidas pelo autor não são apenas aqueles lugares-comuns que sempre se repetem quando não se tem nada mais interessante para dizer. De Balzac a Ulisses Guimarães, passando por Paulinho da Viola e por piadas e ditados de domínio público, Dr. Edson Engels escolheu temas interessantes para abordar, talvez selecionando aqueles que tratam dos conflitos que são os mais comuns das suas consultas - ou das pautas das revistas femininas e dos programas de variedades que eventualmente freqüenta.
Além da qualidade da compilação, outro mérito do autor é não ceder à interpretações que aplaquem a culpa e a angústia das pessoas, mas revelar a crueza da realidade a que cada máxima se refere. Ao comentar uma frase de Santa Teresa D'Ávila, "tem solução, por que se preocupar? Não tem solução, por que se preocupar?", Engels não nos exorta a praticar esse exercício de serenidade, mas coloca que essa tranqüilidade só "é possível e buscada pelos iogues e pelos gananciosos: os primeiros, pelo capital espiritual, e os segundos, pelo capital material". Ou seja, uma postura saudável, mas que não combina com o normal da natureza humana.
Já entre as máximas elaboradas pelo próprio autor, coloca-se o dedo na sempre aberta ferida do uso de drogas. Para o Dr. Edson Engels, as substâncias consideradas como drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, devem ter como objetivo a provocação de um Estado Modificado de Consciência (sic) que torne o usuário mais alegre, solto e sociável. Quando o consumo de drogas se baseia não no meio para que se melhore o desempenho em uma outra atividade, como uma festa, por exemplo, mas no fim em si, "fica-se diante de um desvio de comportamento, da inconveniência ou da falta de senso". É o caso das pessoas que passam a usar drogas sozinhas, sem uma interação, seja com os amigos, com a diversão, com a conversa. Portanto, a máxima do médico é "com drogas: tudo bem se for aditivo; tudo mal se virar motivo". Encaixam-se nesse caso os bons artistas, aqueles que usaram a droga como aditivo e a arte como motivo, independentemente do tempo que passaram entre nós, reforça cuidadosamente o Dr. Engels. Apesar de as últimas frases do comentário afirmarem que o ideal, na verdade, é não usar droga alguma, fica claro que o autor tem uma postura bem avançada, polêmica e, talvez, mais realista sobre o consumo de drogas.
Um detalhezinho, que pode parecer um mero enfeite aos menos observadores, torna o livro muito mais interessante. São espécies de rosáceas que ilustram o início de cada capítulo e, portanto, de cada máxima. Os elementos dessas "rosáceas" têm a ver com o conteúdo do texto que ilustram. É um jogo divertido perceber a interpretação do conteúdo de cada reflexão através das ilustrações, principalmente daquelas onde a abstração deixou a artista Marta Oliveira com um pepino imagético nas mãos.
Respaldam a qualidade do trabalho o prefácio do professor da PUC-SP, Mario Sergio Cortella, e a apresentação do músico Jorge Mautner. Não conheço o professor, mas suponho que sua presença deva-se à sua autoridade em algum dos assuntos de que trata o livro, e suas palavras me soam plausíveis. No caso de Jorge Mautner, suponho que sua participação deva-se ao fato de ser paciente do Dr. Engels, pois suas palavras não me soam nada plausíveis. Tudo bem que as análises das máximas são interessantes, que o livro se supera enquanto título de auto-ajuda. Mas comparar Para viver melhor ao Tao Te King, do filósofo chinês Lao-tsé e chamá-lo de "I Ching do Brasil universal" , como faz Mautner em sua apresentação, é anormalmente hiperbólico.
Atire a primeira pedra quem nunca leu (ou folheou) um livro de auto-ajuda. Acho que o sucesso desse tipo de material (não é literatura, de forma alguma) se deve ao fato de que:
1. As pessoas não se sentem bem como são.
2. As pessoas acham que devem fazer algo a respeito.
Ocupar o segundo lugar no mundo em número de cirurgias plásticas (incluindo aí todas as outras alterações, tipo botox, etc) demonstra que o brasileiro caiu no conto do 'se você quer, você pode'. O problema talvez não esteja no que se quer, mas o porquê de se querer alguma coisa. Como de hábito, o ocidental acredita em ação, nada sobrando para a boa, saudável e velha auto-observação que outros povos, principalmente os orientais, praticam há tanto tempo.
Adriana fiquei contente ao ler o que você escreveu sobre minhas ilustrações. Foi um trabalho interessante esse. Durante quarenta e cinco dias fiquei fazendo essas mandalas. Lia o texto e tentava ressumir seu conteúdo em um ícone. Fui muito ajudada pelo livro e a leitura sistemática acabou por me tranpostar para uma auto reflexão profunda. Obrigada. Marta Oliveira