A publicidade é o produto da Indústria Cultural pelo qual perpassam todos os outros, como o cinema, a música, os artistas, a novela. Normalmente, os elementos desses produtos presentes na publicidade estão em nível de conteúdo. Uma determinada música de sucesso acompanha as imagens de um anúncio de carro, os efeitos especiais de um filme são usados em um comercial, os artistas de uma novela estrelam campanhas publicitárias. Chegamos ao ponto em que, no entanto, a própria forma desses outros produtos começa a ser usada pela publicidade. É o caso da "novela das cervejas", que ganhou um novo capítulo com o filme da Brahma, cuja estréia no Jornal Nacional de sexta passada colocou no ar a "traição" de Zeca Pagodinho à Nova Schin. Intrigas, paixões, traições: tem ou não tem a forma de uma novela mexicana?
Mas apesar do divertimento de alguns e da admiração de outros, que vêem na estratégia da Brahma uma jogada de mestre, uma idéia genial, a "traição" do pagodeiro causou mal estar entre o público.
A publicidade em si não é uma atividade que angaria credibilidade. Durante muito tempo os comerciais usaram artistas e personalidades para divulgar seus produtos de forma não muito verossímil, associando estrelas a marcas que eles nunca consumiriam na realidade. O consumidor ficou mais esperto, alfabetizou-se na linguagem publicitária e percebeu que o seu artista predileto anunciava determinado produto não porque realmente aprovasse ou utilizasse-o, mas porque recebia um bom cachê para isso. Por conta disso, as marcas passaram a tomar mais cuidado com a relação entre os artistas e os produtos nas campanhas publicitárias. Procura-se tornar o mais verossímil possível essa relação. E como a publicidade hoje extrapola os intervalos entre os programas e invade o conteúdo editorial dos veículos, muitas vezes as normas da relação do garoto-propaganda com o produto regulam também sua vida real, e não somente aquela mostrada no comercial.
Essa situação é uma das desculpas dadas por aqueles que defendem a "virada de casaca" de Zeca Pagodinho. Por conta do contrato com a Schin, ele era obrigado a beber só essa cerveja em público. Não suportando mais semelhante tortura, aceitou fazer o comercial da Brahma para poder beber sua cerveja predileta em paz. Fica a pergunta: se era tão ruim assim beber Schin, porque ele não recusou o convite da empresa?
É lógico que um contrato de 1 milhão de dólares, como estão dizendo por aí, é argumento mais do que suficiente para qualquer um repensar sua lealdade. No entanto, por mais que as pessoas saibam que Zeca recebeu para estrelar as duas campanhas, dá um travo na garganta perceber a crueza dessa situação em que credibilidade se compra, não se conquista.
Concordo com Marinho, do site de notícias sobre publicidade Blue Bus, que a situação revela o posicionamento das marcas no mercado: a Nova Schin, depois de um lançamento estrondoso e da conquista de uma parcela significativa do mercado, começa a perder terreno para as marcas líderes, entre elas a Brahma. Nessa ótica, a campanha da marca da AmBev é genial. Porém, gosto sempre de frisar com meus alunos e com qualquer pessoa com quem converse sobre publicidade: existem várias maneiras de você dizer a mesma coisa, ou de comunicar seu posicionamento.
Tecnicamente a estratégia da Brahma é fenomenal. Mas e o outro lado, o lado humano da coisa? Já li outros comentários chamando de pieguice a abordagem "humana" da história, que isso é negócio, que cerveja é paixão e que por isso não cabem reflexões de ordem moral ou racional. Não me convencem. Como publicitária, acredito que a sobrevivência e o futuro dessa atividade depende da credibilidade e da honestidade. E esses são valores cada vez mais admirados pela população. A Lei de Gérson já não faz mais o mesmo efeito. O país luta por uma postura mais ética e transparente, e um dos nossos maiores veículos de ideologia, que é a publicidade, com o exemplo da Brahma parece estar indo contra essa corrente.
Muitos condenam a postura da marca e do artista. Quando aceitou associar-se com a Nova Schin, Zeca Pagodinho não estava apenas estrelando um comercial. Estava associando a essa marca sua credibilidade enquanto apreciador de cerveja. Era o apelo de um entendedor para que o público provasse a nova cerveja e visse que ela estava melhor, mais gostosa, já que a fama da marca não era lá essas coisas. Na cabeça das pessoas o mecanismo funciona assim: se ele que é um pau d'água gosta, vou experimentar. A estratégia deu tão certo que as marcas rivais, principalmente as da AmBev, passaram a atacar a Nova Schin, ao invés de abordar a qualidade de seus próprios produtos ou outro diferencial. A Kaiser, apesar de não atacar diretamente, foi lá e mudou a fórmula, lançando a Kaiser Novo Sabor. Todas elas, em suma, sentiram-se ameaçadas com a Nova Schin.
Zeca Pagodinho, ao afirmar numa campanha brilhante que sua relação com a Nova Schin não passou de um "amor de verão", representa a volubilidade do estereótipo do malandro, aquele que dá uma escapadinha, mas sempre volta para a "patroa". Se nas relações pessoais esse comportamento talvez ainda não esteja condenado, com a cerveja parece que a coisa é diferente. As pessoas tomaram as dores da cerveja abandonada e sentiram-se traídas na confiança que depositaram no aval do músico. E como brasileiro tem mania de torcer pelo coitadinho, pode ser que o tiro tenha saído pela culatra. Pieguice? Pode até ser. Mas novela também é piegas e dá a maior audiência.
Parabéns, ótima matéria. Pela busca por market share o céu é o limite. No entanto, a Jovem Pan,principalmente na figura do Milton Neves fez a mesma coisa, só que de uma forma diferente, trocou a Schin do "Nersão" pela Brahma e o efeito foi outro.
Legal sua coluna, Adriana! Só acho que existe também um outro lado: no início achei absurdo ver o cantor "virando a casaca", mas depois me convenci de que certo estava ele. Enquanto as grandes marcas gastam milhões com suas campanhas, certo foi Zeca Pagodinho de sair ganhando. Se eu fosse ele, ligava pra Kaiser e me dispunha a mudar de novo.... Assim provava como o mundo publicitário sabe jogar fora dinheiro com idéias infelizes.
Ótimo artigo e concordo em gênero, número e grau - não é possível que achemos normal a ética ser colocada de lado por um bom punhado de dinheiro. Zeca Pagodinho nunca mais!!
Campanhas publicitárias, tanto da Schin quanto da Brahma, excluindo aquelas transações financeiras... demonstram claramente o que muitas pessoas fazem ou são capazes de fazer. A atitude de se retratar (não tomando a pessoa influente do Zeca Pagodinho como exemplo) muitas vezes é rara...
Muito legal levantar essa discussão que esta na cabeça do povo e tb nos deixa intrigados. Essa é a real, a propaganda é feita para persuadir, vender e não dizer a verdade. Triste mas é assim que funciona. E o Conar? As leis precisam realmente ser revistas.
Oportuna a matéria sobre o traira Zeca. Assistimos, dia desses a demissão de Joelmir Betting da Rede Globo, por associar sua crédula imagem de economista ao perfil de um grande banco. A falta de ética do pagodeiro me parece estar centrada na mesma que qualificou o Gerson como o "rei" da malandragem, quando de sua campanha publicitária por uma linha de cigarros, lançando assim a "lei de Gerson" hà alguns anos. Gerson foi execrado e até hoje amarga sua postura. O povo não perdoa os trairas. Quem viver, verá.
O meu camarada Jazzmo falou uma coisa interessante e engraçada outro dia. Jazzmo entre aspas: « O Zeca tava lá, sentado, e vinha um cara e mandava ele experimentar. Saca artista quando topa fazer uma foto contigo, dando um abracinho? Pois é. Foi isso que o cara topou fazer.» « Pensem com a cabeça do cara por um segundo. Não dá pra crer que ele aceitou as condições do Fischer e depois resolveu sacanear. Ele foi apenas um cara de Xerém, que curte MUITO uma loura, e que ia ganhar uma bolada para tomar uma cerva na TV. »
E no final, quem sai ganhando é a própria cerveja, seja ela qual for, as agências de propaganda, com seus nomes em evidência e o Zeca, que ganhou na ida, na volta e ainda tomou umas e outras no caminho. Diz a mulher dele: "eu queria mesmo é que ele parasse de beber"... Só acho que realmente é uma ótima oportunidade de se discutir mais profundamente a ética no meio publicitário, deixando o Zeca de fora, porque ele é bom mesmo no Pagode. Abraços, Cecilia.
O Zeca continua fazendo sucesso, se deu bem! Conheci a irmã dele, Isabel, num show programado para a meia-noite e o Cumpadre Zeca só chegou as 4h30, depois de eu ter ido embora! Todo mundo sabia o quanto ele bebia cerveja (odiava a Kaiser). A culpa foi da Brahma que DEMOROU mais de 10 anos para reconhecer a popularidade do Zeca. O samba dele na campanha da Brahma, de autoria de dois publicitários, virou o maior sucesso nas rodas de pagode aqui no Rio. Alguém acredita que ética no Brasil vai mudar para melhor ou pior só por causa do Zeca Pagodinho? Façam-me o favor...!
Queria entender como convencer alguem a fazer algo nao-saudavel, por exemplo: beber uma bebida alcoolica pode ser abordado do ponto de vista nobre? Marketing e publicidade sao partes impreenscindiveis da nossa decada... Ate em minha profissao, muitas vezes os produtos de empresas para o qual trabalho(ei), vendem mais nao porque sao melhores mas porque a marca e' "melhor trabalhada"... Nada contra, mas em geral, como engenheiro, considero uma derrota fazer algo ruim ser mais usado (dai', as tradicionais brigas com o pessoal de marketing). Por outro lado, nenhuma empresa sobrevive sem ganhar dinheiro. E' muito dificil graduar a arte de ganhar dinheiro. O que e' etico, e o que nao e'? Vender coca-cola e' etico, mesmo sabendo dos maleficios do produto (ah, mas o consumidor deveria decidir...). Tento evitar trabalhar com coisas que eu saiba que facam mal diretamente a outras pessoas... Mas mesmo isso tem seus limites... Sei la'. Tudo muito complicado, e mostra a irrelevancia da questao Schin-Brahma. Zeca Pagodinho trocou 1 milhao por 2 milhoes. E mais, a propria Schin - uma empresa - saiu do episodio por cima (como uma pessoa). Estamos num mundo em que marcas parecem que valem bem mais do que vidas e as pessoas a quem elas pertencem.