"Num mundo em que as juras não tem nenhum valor, em que fazer um juramento nada significa, em que as promessas são feitas para serem quebradas, seria agradável ver as palavras de volta ao poder." (Chuck Palahniuk)
As noites mais felizes da infância eram aquelas em que faltava luz. Ficávamos na cozinha ouvindo o estalar dos pinhões na chapa do fogão à lenha, à luz de velas ou de um velho lampião de meu pai. Minha mãe sempre dizia: "é tão bom quando falta luz, nós conversamos". Quando a energia voltava e podíamos enxergar melhor nossas próprias caras de alegria, era constrangedor e cada um voltava para seu lugar, sua televisão ou seu aparelho de som. Com vergonha de ter demonstrado que não era tão independente, vergonha de ter sentido a falta uns dos outros tanto assim. Voltávamos todos para nossos barulhos favoritos.
Imagino como deve ter sido um tempo em que ouvir uma música ou uma apresentação musical era algo esperado por toda a semana ou todo o mês. Vestiam a melhor roupa, era um acontecimento. Se música é arte, é preciso ouví-la todos os dias o dia todo? Você carrega uma escultura no seu carro para poder tocá-la todo o tempo?
O silêncio aterroriza e tentam preenchê-lo com uma "trilha sonora" do mundo todo o tempo. Vivendo em uma língua diferente, percebi o quanto 9 de 10 palavras são desnecessárias. Por ser obrigada a pensar antes de falar, acabo falando muito pouco. E tem sido muito bom. Por ter que trabalhar ouvindo música 8 horas por dia, tenho dado uma importância divina ao silêncio. Mas o melhor não é apenas não fazer comentários idiotas mas o mais total silêncio. Não somente coisas como a temperatura do ar ou o novo corte de cabelo de alguém são desnecessárias, mas todo aquele discurso igual. Vou me tornar uma velha muito chata que fura bolas de futebol que caem no quintal, sei disso. Mas me recuso a falar coisas que não servem para nada. As pessoas estranham o silêncio. Sentem-se incomodadas com ele, fazem de tudo para escapar dele, ligam tevês e rádios e computadores, dizem que agora precisam ir. O silêncio é mais aterrador que palavras duras. Abrem revistas e jornais e dizem em voz alta que Jennifer Lopez casou de novo. Tudo, menos o silêncio. Qualquer coisa.
Nesse estado de espírito (prazerosíssimo, experimentem) li o último livro de Chuck Palahniuk (autor de Clube da Luta), com aquele humor-negro dele, cinismo deslavado e anti-heróis. Cantiga de Ninar é um thiller de suspense sim. Um jornalista às voltas com poder que uma canção indiana tem de matar quem quer que a ouça. Como um vírus que se pega pelos ouvidos. Imaginem isso. Todo o barulho seria policiado, monitorado ou abolido. E a canção, apenas pensada em direção ao seu alvo pode matar quem você quiser. Mas a história é um pretexto para ler os pensamentos de Carl Streator, o jornalista, sobre todo o lixo que ouvimos todos os dias. Sobre a necessidade doentia de não pensar e não silenciar. O mundo todo está viciado em barulho, não se pode ficar sem isso mais. E dá-lhe telas maiores e mais volume. "Pessoas que jamais jogariam lixo na rua passam de carro por nós com o rádio aos berros. Pessoas que jamais soprariam fumaça de charutos em nós num restaurante lotado gritam ao telefone celular. Urram umas para as outras, separadas apenas pela mesa de jantar. Não se trata de qualidade, trata-se de volume".
Mas recomendado somente para velhos resmungões como eu.
Me dá um cigarro Coffee and Cigarets, de Jim Jarmusch é só para fumantes e grandes tomadores de café. São onze histórias curtas, onde o cigarro é o prazer meio proibido, meio vergonhoso, mas irresistível. O elenco é imenso: Roberto Benigni, Alfred Molina, Cate Blanchet, Iggy Pop, Tom Waits, Steve Buscemi, Steve Coogan, e ele, ele, o melhor de todos, Bill Murray. Os pigarros, as longas tragadas, aquele olhar de desprezo por cima da sua fumaça ao resto da humanidade. Recomendo a quem parou que não veja este filme se quiser continuar assim.
Saint Reagan
O Ronald Reagan morreu e virou santo aqui. Ele sim era bom, era um comunicador, era um grande ator, o melhor presidente de todos os tempos. Todo mundo morto é tão bonzinho de repente.
Bom dia, com licença e obrigado
É impressão minha ou nas cidades grandes do Brasil eu nunca vi as pessoas sorrirem umas para as outras (desconhecidos) na rua e se cumprimentarem? Porque aqui eles fazem isso, demorei para me acostumar. No começo pensava: "ih, está querendo alguma coisa" ou "está tentando se aproximar". Não, é gentileza mesmo. Nunca tinha visto, não. Sem segundas intenções e de graça.
Liberdade, liberdade, abre as asas
Nada de axé-music na praia, nada de verão de três músicas se repetindo ad nauseam. As praias aqui podem estar cheias, mas, acreditem, não tem uma musiquinha. Um dia passou um hindu cantando baixinho e o vento trouxe até meus ouvidos por acaso. Nada de axé-bahia, nada. Nada de Tcham, nada de reggaes de duzentos anos em meus ouvidos. Sinto-me flutuando.
Esse seu texto me trouxe a recordação da casa da minha avó nos dias (noites) em que faltava luz. E era mais nessa época do ano, junho/julho, em que as chuvas faziam estragos nos postes. E minha avó ficava pendurada no telefone até conseguir ligar para a "prontidão de luz". Enquanto isso, nós, primos, irmãos, tios, sobrinhos, mainhas e painhos, ficávamos na sala ou no terraço brincando de mímica. E sempre - sempre - tio cacá dava uma volta no oitão da casa para nos assustar por trás com um "pow" bem alto. Até que passava o caminhão da "celpe" na rua e, momentos depois, tudo se acendia. E a mímica - q era tão gostosa de brincar - era trocada pelos sons da televisão, q ficava na sala e inundava a casa de novelas. Bons tempos aqueles...