Chamar os jovens de "tribo" é muito mais do que usar um clichê batidíssimo para se referir às pessoas de determinada faixa etária. Esse termo mostra o deslocamento que distancia as pessoas, não pelo espaço diferente que ocupam, pelo tempo diferente em que vivem. Ser jovem nada mais é do que passar por uma etapa da vida. Mas quando os adultos falam dos jovens, parece que se referem a uma cultura de um país muito distante, e não a uma faixa etária pela qual eles passaram.
A tribo dos jovens, portanto, adquire status de cultura diferente quando analisada pelos adultos. Fazendo um paralelo, é como se os adultos fossem de uma civilização mais adiantada, racionalizada, enquanto que os jovens representam selvagens que vivem em liberdade, falam línguas estranhas e têm rituais esquisitos, normalmente reprovados pelos "civilizados". Ao mesmo tempo em que criticam os jovens, os adultos sentem uma pontinha de inveja dessa tribo da qual eles já fizeram parte...
Por mais que sempre tenha havido uma diferença de comportamento entre pessoas de diferentes faixas etárias, é mais recentemente que esse distanciamento dá margem a uma observação dos jovens realmente como se fossem uma tribo. Por conta de vários aspectos, como as mudanças das relações humanas e do homem com o mundo nos últimos tempos, os jovens acabaram por representar uma verdadeira cultura à parte, com rituais, códigos, visual e valores próprios. Uma cultura normalmente criticada ou subestimada pelos adultos. No entanto, as pesquisadoras Maria Isabel Mendes de Almeida e Kátia Maria de Almeida Tracy perceberam a importância e a representatividade dos jovens enquanto cultura e partiram para um estudo mais aprofundado. O resultado é o livro Noites nômades - espaço e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas (Rocco, 2003).
O primeiro aspecto a ser destacado é o mérito das autoras em não cair na tentação da maioria dos representantes da tribo dos adultos: criticar ou julgar a moral da juventude. Tendo estabelecido essa neutralidade, fica mais fácil para as pesquisadores observar e procurar entender as manifestações dos jovens nos seus aspectos sociológicos, antropológicos e até semióticos, com o objetivo de realmente mapear uma cultura com a qual nós, adultos, muitas vezes temos dificuldade em lidar.
O eixo do trabalho gira em torno das diferenças que instâncias como "tempo" e "espaço" têm para os jovens. Quando alguém vai para a night, isso representa muito mais do que apenas sair à noite. Nesse contexto, a night, como mostram as pesquisadoras, está relacionada a espaço e não a tempo. A night enquanto espaço é o roteiro percorrido pelos jovens quando saem à noite, ou mesmo de dia, já que muitas saídas da noite são combinadas durante o dia, em espaços determinados, como a praia.
A pesquisa foi feita com jovens do Rio de Janeiro que circulam pela zona sul da cidade. Por mais que a tribo não se caracterize por classe social, há uma delimitação pelo "custo" de se freqüentar a night, como os bares, boates, postos de gasolina, etc. Durante dois anos, em 2001 e 2002, Maria Isabel e Kátia Maria fizeram o roteiro da night, acompanhando seus informantes pelos locais e coletando informações através de entrevistas e observações.
O deslocamento da noite do conceito de tempo para o de espaço é seguido por diversas outras alterações nos significados ou utilidade dos espaços. A rua deixa de ser o espaço de deslocamento de um local a outro para tornar-se o próprio local, o objetivo da saída. Assim como a rua, outros espaços de fluxo tornam-se espaços de permanência, como as escadas e as portas das boates. Essa alteração na "função" dos espaços reflete o tal nomadismo abordado no título de livro. Assim como os nômades do deserto, os jovens vivem em função do movimento e não da permanência. O deslocamento é o objetivo em si e não o meio de se alcançar algo. O nomadismo se reflete também nos relacionamentos. O jovem "fica" ao invés de namorar pela possibilidade de aproveitar ao máximo a night. Aproveitar a noite envolve, além dos beijos, o encontro com os amigos, com a turma. Quanto mais contato com o maior número de pessoas, mais produtiva foi a night.
O constante movimento e a não-permanência compõem a superficialidade desse modo de vida. Superficialidade que se reflete nas formas de comunicação, no vocabulário, nos interesses desses jovens. Pobreza de vocabulário não é uma expressão que as autoras usam, mas é uma boa definição para o parco repertório desses pré-adultos. Não é apenas a questão das gírias. Gírias são criativas, revelam uma riqueza cultural. Por trás de cada gíria existe uma complexa rede de significações. A pobreza de repertório refere-se ao uso repetitivo de poucas palavras, expressões e construções. É praticamente uma linguagem fática, que estabelece o canal entre duas ou mais pessoas, mas que não tem maiores pretensões de qualidade ou profundidade.
Parece que o grande objetivo de toda essa movimentação, dessa rejeição ao permanecer, é o perigo de perder oportunidades pela escolha de uma das opções. Quando se escolhe uma boate para entrar, pode-se perder o divertimento que acontece em outra; quando se namora alguém, perde-se a oportunidade de se relacionar afetivamente com outras pessoas. E por aí vai...
O dilema das escolhas faz parte de um mundo repleto de opções e que cobra a experimentação. Nós, adultos (?), talvez lidemos melhor com essa angústia. Ou seja, tentamos não nos deixar levar pela vontade de não permanecer e de não se comprometer. Mas a mesma sociedade que oferece tanto, cobra que façamos nossas escolhas. É por elas que seremos rotulados, identificados e qualificados. No entanto, que saudades da inconseqüência da juventude! Que bom se pudéssemos largar tudo e viver novamente como nômades no deserto da cidade, aproveitando o que de melhor cada lugar oferece. Deve ser por isso que se critica tanto a juventude... É também por isso que vale a pena ler o que Maria Isabel e Kátia Maria escreveram sobre os jovens. Elas não adotaram a postura hipócrita e moralista que a maioria tem quando fala dos hábitos bárbaros desses aborrecentes ignorantes.
Acredito que os adultos de hoje, cara Adriana, têm o mesmo parco repertório dos jovens, fruto da falta de leitura e do excesso de preguiça de raciocinar. A diferença é o que os jovem têm um vocabulário a mais, que são as gírias. Assim, ponto para os jovens. Quanto do dilema das escolhas, não creio que os adultos lidam melhor com isso, mas apenas aprendem o significado do verbo "resignar-se". Ponto outra vez para os jovens. Em matéria de de dilemas existenciais, portanto, será que nós, adultos, apenas não fingimos melhor? Abs, Bernardo Carvalho, Goiânia-GO
Eu acredito que devemos ser versáteis a ponto de conseguirmos, independente da idade que avança, manter os canais de comunicação e até mesmo a atitude ligadas à juventude, que nos fascina e que não nos deixa perder o entusiasmo da vida. Para isso a linguagem individual deve carregar um sentimentalismo e racionalismo próprios e diversificados. Pra mim a chave é essa diversificação que se apresenta em cada tribo e em cada espaço.
Jovem. Adulto. E qdo o jovem está se transformando em adulto? Isso nao se dá de um momento pro outro. Ao contrário, por muito tempo um pouco de um (jovem) continua vivendo ainda no outro (adulto) e às vezes isso segue por toda a vida...