Quando a tela pintada por Basil Hallward em O Retrato de Dorian Gray, começou a mostrar os primeiros sinais de mudança, Dorian percebeu que teria que mantê-la escondida e trancada à chave. Quando fraquejava com vontade de voltar à vida anterior, a influência de Lord Henry Wotton encorajava-o. Um mestre paciente e seu pupilo. A beleza andrógina de Dorian permitia-o caminhar entre la crème de la crème da alta sociedade londrina. Quando Basil descobriu o quadro, Dorian matou-o.
E se houvesse uma maneira quase anônima de expor a tela, usando uma máscara parcial? E se cada monstruosidade na tela pudesse ser indicada pelo nome da "fraqueza moral" que a gerou, como os sete pecados capitais rotulados claramente? Escrito com todas as letras, sem mais vergonha, e fizesse as pessoas sentirem medo do que há dentro delas e de como uma influência qualquer pode fazer isto despertar, crescer?
Por ouvir meu irmão falando tantos nomes de minha infância, professores, amores platônicos e tantas histórias que ele havia encontrado no Orkut, pedi que me convidasse, sim eu queria conhecer o que era. As primeiras horas foram como as de todo mundo que conhece o programa: saudades e memórias e pequenas frustrações. Por hábito comecei então a procurar a feiúra. Fácil. Mas, por estar há muitos anos longe de chats, fóruns e ter estacionado em alguns sites que admiro ou que me são indicados, assustei-me com o que vi. Não impressionaram-me os temas, que todos temos mais ou menos de Dorian Gray, mas pela imensa exposição dos quadros mais tenebrosos ser anunciada, festejada e aclamada. Os quadros de Basil.
É a minha geração falando na comunidade "Eu Vou Para O Inferno", onde discutem: o que é melhor "torturar alguém até a morte ou o espancamento?", como atropelar motoboys, ciclistas ou como foi delicioso o som de ossos partindo quando um homem (não um adolescente rebelde ou uma criança problemática) quebrou de propósito o braço da irmã. Alguns blefam, outros estão arrependidos. Há uma competição entre os melhores, que desprezam façanhas "pequenas". Ódio declarado a religiosos, crianças, animais e deficientes é lugar-comum. Os deficientes físicos têm sido a última piada por causa das para-olimpíadas. Alguém que parece o mediador avisa quando o candidato é digno do inferno, exalta os ânimos e os assuntos vão ficando mais pesados.
Anfetaminas, calmantes e toda sorte de remédios controlados que possam fazer dormir em uma crise de fome ou eliminar o apetite estão disponíveis em comunidades pro-Ana e Mia (comunidade "Pro-ana, Pro-mia em Português", tópico "remédios", apenas para citar um exemplo), apelidos para anorexia e bulimia, última moda de internautas preocupados com a "beleza a qualquer custo" uma onda gigante da qual ninguém, ou pouquíssimos, falam. Basta escolher um dos e-mails disponíveis de usuários vendedores que fazem a propaganda explícita (sempre com a preocupação de dizer que é um "amigo" o tal do vendedor), enviar comprovante de depósito bancário e aguardar a sorte, porque o remédio pode chegar ou não. E pode ser o remédio verdadeiro ou não, que dependendo de qual seja a composição química, é uma grande sorte. Ou, mais fácil ainda, diz um dos "conselheiros", basta ligar para um disque-farmácia, pagar com cartão e esperar a entrega. Garotos e garotas de 13, 14 anos trocam dicas de como comer e vomitar sem que os pais ouçam. Competem e fazem juntos jogos chamados no food que são dias (dias!) em jejum. Alguns evitam até a água, para não "inchar". Quando outros entram tentando ajudar, sempre alguém que teve problemas sérios por desordens alimentares, eles respondem que são doentes, sofrem com isso, mas não querem ou não podem mudar.
(Não acredito que seja necessário comentar as comunidades sobre drogas. A situação é idêntica.)
Essa exposição mostra o que sempre existiu e foi abafado pelas aparências. O Orkut, Multiply e muitos que virão deixam Wilde cada vez mais atual, mas penso que ele acharia fácil demais escrever O Retrato de Dorian Gray hoje, com monstros tão às claras (fácil para Oscar Wilde, é claro).
"Quanto mais o homem fala de si, mais ele deixa de ser si mesmo. Mas deixe que se esconda por trás de uma máscara, e então ele contará toda a verdade." (Oscar Wilde)
Quando você tiver tempo
Quando você tiver tempo de sobra e precisar ouvir a mesma piada muitas vezes para entendê-la, leia Wunderblogs. A repetição das mesmas idéias, mesmas piadas, mesmas poesias engraçadinhas e musiquinhas é entediante. Às vezes imagino que todos eles são uma só pessoa com vários nomes e sérios problemas em manter a memória recente. Chato, muito chato. Aonde anda Paulo Salles?
A Conspiração
O senso de humor de alguns me fez esquecer um pouco a gastrite que os sem-nenhum-senso do Orkut proporcionaram. Em uma comunidade sobre conspirações, um rapaz paranóico tentava convencer outro de uma teoria de que estamos atuando em um reality show e alienígenas ou Deus se divertem nos assistindo. Um então deu uma resposta genial: "Fica quieto. Se eles souberem que sabemos, podem nos eliminar. Então, o que nos restará, posar nus?"
Claro que me impressionei com o artigo e a boa comparação entre o livro e o Orkut. Achei também muito interessante o fato de pessoas como essas existissem! Eu vivia numa ilusão muito grande em pensar que eram meros casos isolados! Mas, enfim, eu ia sair sem dar um comentário, mas a parte da Conspiração me assustou! Isso porque eu escrevi um texto sobre EXATAMENTE ISSO, uma fábula mais ou menos onde eu colocava minhas dúvidas religiosas sobre deus e deixava como final esse mesmo comentário! É Tão idêntica a idéia central que me assustei. Isso só vem confirmar minha descrença em inovação ou diferenças. E eu gosto dos Wunderblogs apesar de ter lido algumas coisas do Sores Silva que realmente achei tolas como a exposição de atrizes famosas e historinhas inventadas muito fúteis. Também um conto, o qual, apesar de ter prendido minha atenção, achei defeituoso demais.
Engraçado, quando li "O Retrato de Dorian Gray" pela primeira vez pensei comigo Oscar Wilde é um dos melhores escritores que a literatura universal pode nos oferecer. A Andrea foi muito feliz na sua abordagem reforçando o que já sabemos: nem sempre o que os olhos veêm é o correto.
“O Retrato de Dorian Gray” é o livro que certamente mais representa a nossa sociedade atual. Não me canso de encontrar paralelos entre a história desse aristocrata inglês e situações cada vez mais comuns no nosso dia-a-dia. A autora foi muito feliz em compará-lo ao que acontece no Orkut. Mas, para mim, há uma diferença fundamental: Dorian escondia a única prova real de sua vida nada ortodoxa em um quarto escuro; no Orkut, apesar de várias pessoas que têm atitudes um tanto condenáveis se esconderem atrás de falsos perfis, também acaba-se descobrindo que pessoas aparentemente “normais”, de nosso convívio diário, possuem uma carga enorme de preconceitos e/ou idéias distorcidas, e acharam o lugar ideal para divulgá-las sem o menor receio.
Muito legal o paralelo. Eu vivia em uma realidade utópica. O orkut fez com que o meu mundo desabasse. Realmente, não sabia que pessoas assim eram a maioria. Ledo engano. Não conhecia esse espaço, muito legal.