COLUNAS
Quarta-feira,
1/8/2001
Você já beijou o seu monitor hoje?
Nicole Lima
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A primeira vez foi há mais de um ano, durou uns dois meses (o que nesses casos já é muito) entre e-mails, links, attachments e webcards atrás da moita.
Na época eu ainda não tinha internet em casa, nem número de ICQ. Matava aula na faculdade pra ir ler meus e-mails nos computadores do laboratório de informática. E quando teve greve então? Quase morri, liguei até pra telefônica de São Paulo pra descobrir o telefone do moçoilo. Achei que nem ia ter telefone nenhum. Mas tinha.
Tava lá o número e o nome completo, tudo anotadinho em cima da mesa num pedaço de papel. E aquele papel olhava pra mim de um jeito. Demorei dois dias pensando se devia ligar ou não, claro que não devia. (Primeira lição: nunca telefone sem ter sido devidamente autorizado a fazê-lo. A menos que queira fazer papel de psicopata neurótico-obsessivo.)
Liguei.
Só pela voz de susto da minha alma gêmea percebi que sucedeu o meu nada criativo "adivinha quem tá falando?". Aliás, o teste da voz. Muito sério esse negócio de voz. Você fica semanas lendo e-mails mudos, mas eles têm uma voz, uma entonação. Eles têm... uma alma!
Depois de um tempo, não se sabe bem porque, os e-mails foram sumindo. Acabou. É estranho acabar um amor que você nem sabe pra quem deu. Imagina, mas não sabe. Meio que nem bola de sorvete que cai no chão, antes de você dar uma lambida. Também não é difícil achar outro.
Tem gente que manda até o mesmo e-mail recortado e colado para várias pessoas para ver no que dá. Deve ser algum tipo de egolatria mal resolvida. Diga-me que sou lindo, legal e interessante. Vai saber. Site é o que não falta: parperfeito, loveconnection, almas gêmeas, eutofacinho. (Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu.)
Há várias maneiras de saber se você foi contaminado por esse love bug: o primeiro indício é uma súbita alegria seguida de gargalhadas solitárias frente a tela do computador. Computador que, aliás, pode ser qualquer um. (Nunca deixe um desses seres apaixonados se aproximar do seu. A menos que você não tenha amor pela sua cadeira.)
Apaixonados virtuais têm uma atração inexplicável por computadores de qualquer espécie, desde que equipados de um modem e uma linha telefônica. E a clássica pergunta: "Posso ver meu e-mail?". Só que repetida a cada meia hora. (O pobre diabo não consegue ficar mais de duas horas afastado de um computador sem ter suadeira, taquicardia, dor nas juntas, falta de ar e coceira na mão.)
O segundo indício são as freqüentes visitas a sites de cartões virtuais. O que, na verdade, não passa de uma desculpa muito da sem vergonha para disfarçar todo o tempo que se perde com a florzinha do ICQ: verdinha, verdinha, esperando aquele outro infeliz aparecer. Espera, espera, espera (ir ao banheiro depois da meia-noite só em caso de vida ou morte). Até que "toc, toc, toc".
Caso brabo mesmo é quando o fulano conquista uma pastinha amarela só pra ele no seu Outlook. Passa uma semana, duas, aí um belo dia aparece uma mensagem com um attachment em JPG. (Oi tum, tum, bate coração, oi, tum, coração pode bater...) Vai lá, abre. Aí você amplia, amplia, amplia, amplia. E vai despindo aquela figura bidimensional, pixel por pixel. Olha meio de lado, vira ao contrário, inverte, muda a cor. Não adianta, você não vai conseguir ver quem é aquela cabeluda (ou será um cabeludo?) atrás da imagem. Depois de alguns dias, aquela foto já conta com uma sua recortada e sobreposta, só pra ver como vocês ficam juntinhos. (UTI para os que colocam a foto do amor virtual de fundo de tela.)
A média de um viciado em amores virtuais é de cinco a seis casos de amor eterno por ano. E o mais engraçado é que eles sempre marcam seus primeiros encontros nos mesmos cafés. É só olhar aquele cara que sempre chega e fica lá sentando no fundo, com um livro na mão, a capa bem visível, olhando sem parar para a porta. (Não sei por que, mas deve ter alguma coisa a ver com o fato de que os homens sempre vão a um motel conhecido quando estão com uma namorada nova.)
Tem gente que vai buscar na rodoviária (hábito não recomendado para pacientes cardíacos). Ano passado, no dia dos namorados, eu ganhei um cartão virtual, um coração todo costuradinho do BOL. Este ano fui ao vivo, deixei de ser um holograma. Fui com o coração na mão, cara lavada e chuteira velha. (Mamãe estou indo pra São Paulo, tchibum, rodoviária, aqui vou eu... Amor virtual bom é aquele que não mora na sua cidade. Qualquer coisa mais próxima é realidade excessiva.)
Dessa vez é sério, vou casar e tudo (será que tem marcha nupcial em MP3?). Vou encontrar meu loiro tatuado de 1,93 de altura. O amor da minha vida.
(Eu tento me levar a sério, me aprumar, mas vício é vício.)
Para ir além
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Nicole Lima
Curitiba,
1/8/2001
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