COLUNAS
Quarta-feira,
1/12/2004
Desvirtualização no Itaú Cultural
Ana Elisa Ribeiro
+ de 4800 Acessos
Ana Elisa Ribeiro em new look nos
Encontros de Interrogação do Itaú Cultural
(foto de César Ferreira no Patife)
Terminou dia 23, terça-feira, o evento do Itaú Cultural que reuniu mais de 90 escritores de todo o país, e não apenas os novos, da geração Internet, mas os da geração datilografia, mimeógrafo e até os que escreviam em paredes de caverna.
O Encontros de Interrogação foi concebido por Claudiney Ferreira, apresentador do programa Jogo de Idéias, transmitido pela TV Educativa. No entanto, foi necessário escolher um time de curadores para que a idéia saísse do papel. Foram convocados, então, os agitadores Marcelino Freire e Nelson de Oliveira, para coordenar os eventos relativos à literatura em prosa, e Frederico Barbosa e Cláudio Daniel, para promover o ajuntamento dos poetas do país inteiro.
Estiveram nos mesmos aviões, hotéis e salas da sede do Itaú Cultural as "embaixadas literárias" mineira, gaúcha, paulista, baiana, pernambucana e paranaense. Entre os primeiros, Ricardo Aleixo, Fabrício Marques e Sebastião Nunes. Como estou puxando a sardinha para o meu lado, cito os demais em desordem patronímica: Fabrício Carpinejar, Greta Benitez, Cláudia Roquette-Pinto, Ivana, João Paulo Cuenca, Daniel Galera, Daniel Pellizzari, entre muitos outros, não menos expressivos.
Algumas oficinas foram ministradas ao longo dos dois dias, com participação maciça de aspirantes a escritores e até mesmo de gente que tem intimidade com a escrita. No entanto, as mesas-redondas chamaram a atenção pelos temas e pela participação inflamada do público (é verdade, formado por muitos escritores). Afora a impressão de que o evento formou mesas e platéias homogêneas, foi interessante discutir a narrativa de invenção, a "literatura feminina", as relações entre literatura e Internet e a hipermídia.
O comentário geral era de que os temas não traziam grande contribuição (embora provocassem debates de mais de duas horas de duração) e que se andou falando grandemente sobre o óbvio ululante, no entanto, a sinfonia de sotaques deixava no ar uma sensação boa de diversidade e o mais importante: a desvirtualização das pessoas que se conheciam apenas pela Internet. A alegria de encontros de certa forma esperados, a decepção de outros, a coincidência de outros tantos.
Fazia anos que Greta Benitez (Curitiba) e eu nos falávamos pela Rede, até mesmo assuntos pessoais. Também era assim com Frederico Barbosa em relação a muitos dos convidados. O enigma Micheliny Verunschk (uma entre os finalistas do prêmio Portugal Telecom) realizou-se na figura de uma jovem pernambucana recém-chegada à capital paulista, quiçá pela facilidade de ver decolar sua produção literária já quase premiada e ainda em processo de criação. No mínimo foi excelente a oportunidade de ver as pessoas, tocar-lhes as mãos e ouvir os sotaques (anulados pela escrita nos e-mails). A força das vogais de Micheliny assolava a sala vermelha numa intervenção à mesa onde se explicavam João Paulo Cuenca (em carioquês) e Cardoso (em gauchês). A mineiridade da voz de Ricardo Aleixo ressoava junto com a platéia paulista formada por Joca Terron e Nelson de Oliveira.
Também foram proveitosas as conversas no café, quando se encontravam todas as culturas regionais e todas as literaturas possíveis no horizonte nacional atual. E as conversas no hotel (que, aliás, se sofresse um atentado terrorista, veria parar parte da produção literária brasileira) e as de corredor.
Uma das mesas, muito comentada, questionava onde estão a nova Clarice e o novo Rosa. Muito mais interessante foi o comentário alegre de um escritor experiente: "Pra quê isso, minha gente? Parece mais uma sessão espírita!". Também nas mesas sobre a suposta "literatura feminina", as moças chegavam à conclusão de que isso não existe, e terminavam afirmando que Chico Buarque consegue escrever como uma mulher. Fico pensando o que diria o Macaco Simão.
Afora as críticas ao evento, faladas em voz baixa, e a falta que fizeram outros escritores que não puderam ser convidados, o principal no Encontros de Interrogação não foi concluir que a Internet ajuda a escoar a nova produção literária ou que há novos talentos espalhados pelo país (mesmo longe dos grandes centros ou do paulistocentrismo reinante), mas foi tornar reais as conversas e os contatos que tiveram seu primeiro tempo na Internet, em forma de bits. O evento do Itaú parece ter sido o disparador do que poderá acontecer em 2005. Quem sabe os próximos livros serão frutos dos encontros desvirtualizantes?
Ivana Arruda Leite com cara de... ?
(foto de César Ferreira no Patife)
Por que o cérebro falha e a mente também
Você já pensou na sua pele hoje? Teve a sensação de frio, calor, queimadura, chicote, ardência, frescor? Quando toca alguém, o que costuma sentir?
Quando fiz o ensino médio, lembro-me das lições de Biologia, em que aprendíamos que as celulas são delimitadas por uma membrana suficientemente forte para dar unidade e proteção à célula, e suficientemente porosa para deixar entrar o que era necessário e deixar sair o excremento.
Antes de ontem, lia um livro interessante, O Erro de Descartes. Emoção, razão e o cérebro humano (Companhia das Letras, do dr. António Damásio (neurologista chefe do Depto. de Neurologia da Universidade de Iowa), e me dava conta dos meus limites, ao menos dos físicos.
A pele é o maior órgão do corpo, mais extenso e mais enervado. É por ela que a interação com o meio ambiente se faz sensível pelo cérebro. E, em contrapartida, ele devolve uns impulsos, uns algoritmos, umas substâncias que me fazem agir, deixar de agir, preceber, sentir, apurar, passar a mão, cair, correr.
O dr. Damásio fala na pele como uma víscera, embora tenhamos a impressão de que para ser víscera tem que estar por dentro. Não é assim? Pois pensando que a pele é a interface entre o que me vai dentro e o que há do lado de fora, imagino que a expressão "à flor da pele" tenha sido cunhada para não dizer que estou predisposta a ter reações físicas e químicas a qualquer coisa que interagir comigo no meio ambiente.
É assim que me sinto. E assim que as pessoas se sentem quando vêem cenas terríveis, quando vêem ataques terroristas, quando assistem a assaltos no meio da rua, quando têem suas economias confiscadas, quando vêem filmes pornôs, quando são traídas, quando traem, quando matam. Ainda que essas interações surtam emoções completamente diferentes no corpo.
O que é emoção? Não apenas no sentido positivo, mas a emoção no sentido original... algo que me move. O que produz emoção? O que costuma me levar a sensações boas ou ruins? Como meu corpo reage? Como minha mente recebe? Como eu sentiria emoções se não tivesse um corpo com mente? Onde estão as suas emoções? No cérebro ou no coração? Pois eu digo que as minhas estão em meu corpo todo. Elas aparecem nos olhos, na pele, nos joelhos e na saliva. São reações químicas e fisiológicas que me vêem a partir de um disparador sentido e emocionado.
Essa discussão vem dos tempos de Descartes, mas sempre importunou a filosofia. A tentativa de explicar a mente e sua relação com o corpo persiste. Muitos cientistas, de várias áreas, escreveram sobre o assunto, alguns com a ironia fina de quem se acha superior. Digno de nota um artigo da década de 50 ou 60, "Por que a mente está na cabeça", respondido por outros cientistas da seguinte forma: "Por que a mente não está na cabeça". Ou textos como "O que o olho do sapo diz para o cérebro do sapo". Além de diálogos memoráveis, especialmente na lingüística, intitulados: "Como fazer coisas com palavras", escrito por Austin, respondido por Fish: "Como fazer coisas com Austin".
Deixando a literatura um pouco de lado, pode ser bom parar para pensar sobre o corpo, a mente, o pensamento. E contribuir para as ciências cognitivas com um público-leitor pensante.
Para ir além
Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte,
1/12/2004
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