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COLUNAS

Terça-feira, 7/12/2004
Jornalismo: as aulas de Joel Silveira
Fabio Silvestre Cardoso
+ de 4700 Acessos

Na sala de aula, os irrequietos alunos querem a resposta para uma pergunta intrigante: "Professor, o que é jornalismo?". Tudo bem, decerto que muitas vezes essa questão não aparece assim, como direi?, tão objetivamente. Mas ela está lá, em todos os olhares, nos relatos pessoais que se pretendem reportagem; nos ataques que se supõem artigos de fundo; na historieta que se forja como crônica. Pensando bem, não é só nos cursos de jornalismo que essa pergunta surge, mas em todo lugar, todos os dias, quando alguém abre o jornal e é tomado por um misto de satisfação e desespero; entre a raiva e o prazer; entre os fatos e as versões. Como quase tudo na vida, a questão supracitada não possui resposta pronta ou acabada, muito embora existam alguns manuais e dicionários que desejam comprimir o significado do jornalismo em duas ou três frases, o que é uma pena. Isso só o empobrece. Muito mais produtivo é travar contato com o que de melhor se produz no ramo. Nesse caso em específico, a propósito dessa discussão, parte desse "melhor" está na coletânea de reportagens de Joel Silveira, cujo título é A Feijoada que derrubou o governo (Cia das Letras, 2004). Trata-se de mais um livro da coleção jornalismo literário, que já publicou inclusive outro título de Joel Silveira A milésima segunda noite na Avenida Paulista.

De início, cabe uma observação. O subtítulo do livro diz: "A política brasileira observada com o estilo e a ironia de uma víbora da reportagem". A víbora em questão é Joel Silveira, que, como escreve Leão Seva no posfácio, é o que se costuma chamar de "Testemunha ocular da história". Com efeito, ao longo das reportagens os leitores atestam a veracidade dessa informação. Alguns dos principais momentos da política nacional são analisados e, sobretudo, reportados por Joel Silveira. Desde a época do fim do primeiro governo de Getúlio Vargas, em 1943, até os anos 1976, ano da última reportagem do livro, um retrato de Juscelino Kubitschek. É necessário dizer, ainda, que o fato de o material ter sido escrito originalmente para jornal - e se referir a personagens e acontecimentos do passado - não torna os textos chatos de serem lidos. Na verdade, essa é uma das peculiaridades da obra, uma vez que os leitores sentem que as reportagens ainda têm um elemento que as conserva, principalmente no que se refere ao estilo do autor.

O estilo, porém, não é tudo. Pode-se constatar na coletânea que, além da técnica narrativa, Joel Silveira era um analista perspicaz da política nacional e dos assuntos que reportava. Exemplo disso existe aos montes nos textos, como o que segue: "Pensando bem, o sr. Antônio Carlos é quem acaba nos entrevistando. Desde que chegamos, o velho político mineiro tem nos feito perguntas a respeito de tudo: literatura, política. Falamos sobre isso. Ele sorri. (...) Um exemplo de sua curiosidade é o fato de procurar saber se um redator de jornal vive hoje com mais conforto. No seu tempo [do entrevistado], era uma vida apertada, o jornal era uma aventura, ninguém podia viver dele. (...) O jornal era um meio, nunca um fim. Através do jornal se chegava a posições políticas de prestígio".

O repórter também mostra porque levou o apelido de víbora do então magnata das comunicações Assis Chateaubriand. Ao tratar da entrada de um político para a Academia Brasileira de Letras, ele não deixa por menos: "Homem sem livros, foi a oratória que levou João Neves à Academia Brasileira de Letras, onde ele ocupa - o que não deixa de ser uma curiosidade - a cadeira que foi de Coelho Neto, autor de mais de cem obras", escreve no texto "João Neves da Fontoura, 1943". Aqui, novamente, uma pérola de comentário que, hoje, dentro do "arrojado" jornalismo de Manual de Redação, seria sumariamente cortado, sob o pretexto de ser o menos importante na hierarquia de informações da pirâmide invertida - um modus operandi jornalístico que, para o bem e para o mal, foi levado às últimas conseqüências.

Esse formato atual de fazer jornalismo não permitiria, por exemplo, a publicação de um dos mais engraçados, e não menos brilhante, textos de Joel Silveira: "Primeiro, único e desastrado encontro com Getúlio". Isso porque a reportagem, a rigor, é uma não-reportagem. Explico: Joel Silveira foi fazer uma entrevista com Getúlio Vargas. Ocorre que o então presidente não concedia entrevistas a ninguém. Desse modo, quando soube que o objetivo do repórter era entrevistá-lo, Getúlio não teve dúvidas: deu a conversa, até então amistosa, e bateu a porta na cara do jornalista. Nas próprias palavras de Joel: "E então foi o desastre! Eu disse: 'Presidente, não quero tomar o tempo de Vossa Excelência, que sei precioso. Estou aqui como jornalista, trouxe um questionário, gostaria que Vossa Excelência respondesse a algumas perguntas'. (...) Sem me olhar, Getúlio disse, quase sibilante: 'O senhor deixe o papel com o doutor Lourival. Ele lhe telefonará depois. [Getúlio] Nem ao menos me estirou a mão. Apenas a chicotada, e como doeu! E como ainda dói." Nesse texto, o curioso é que o repórter narra justamente esse acontecimento. Ou seja, o fato de Getúlio tê-lo recebido amigavelmente e, depois, tê-lo despachado sem mais nem menos é a essência deste relato. Pode não ser muito importante do ponto de vista da objetividade, mas traz um sem número de observações perspicazes acerca da personalidade de Vargas - pontos que uma entrevista "formal" talvez jamais conseguiria.

Em A Feijoada que derrubou o governo, os leitores podem perceber como o jornalismo, antes de todas as inovações técnicas e tecnológicas, era feito. É certo que muitas das peculiaridades daquela época pertencem a um passado remoto, assim como alguns dos perfilados. Contudo, trata-se de um documento fundamental não apenas para compreender um gênero cada vez mais sucateado no Brasil, que é a reportagem, mas também para compreender como funcionava a política nacional, cujos relatos, às vezes, se confundem com o enredo de um romance, da mesma maneira que o modo de Joel Silveira contar as histórias se confunde com o estilo de um romancista. Trata-se, enfim, de um ótimo jeito de aprender mais sobre o que é jornalismo.

Para ir além






Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 7/12/2004

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