Considerando as coisas que tenho lido por aí e percebendo o sucesso que elas fazem, acho que consegui descobrir dois dentre os muitos segredos que tornam um escritor ou cronista famoso: falar de coisas que fazem parte do universo das pessoas; falar de sexo.
(Foi o título que chamou sua atenção para esta coluna, não é verdade?)
Eu mesma, com toda a inexperiência e cara-de-pau de uma reles e iniciante cronista, já percebi que os textos que mais fizeram sucesso dentre a minha humilde produção foram aqueles que, de alguma forma, falaram de sexo.
Longe de ter a audácia de me comparar com Ruy Castro, mas acredito que ele sabe disso e usa essa estratégia muito bem. Ele é, ao mesmo tempo, um escritor excelente na forma e no conteúdo. Não, eu não o conheço nem em carne, nem em osso, somente em letras. Quero dizer que o que ele escreve é interessante e também parece interessante. Afinal, quem não sentiria curiosidade em dar uma espiada num livro com o título de Amestrando orgasmos - bípedes, quadrúpedes e outras fixações animais e que tem na capa o que os gays chamariam de uma "racha" vermelha? Pois bem, a obra é uma seleção de contos e crônicas publicados na imprensa entre 1997 e 2003 e mais alguns inéditos, reunidos no livro lançado este ano pela Editora Objetiva.
Como título sugere, a maior parte dos textos fala de sexo - fixação assumida do autor. Outros têm como assunto os animais. Quase todos usam um gancho bem comum: parte-se de uma notícia ou acontecimento real, do tipo que as pessoas comentam no trabalho ou na mesa do bar, e imagina-se um outro caminho para a situação. No caso de Castro, ele constrói diferentes rumos e desfechos para episódios intrigantes como um tipo de epilepsia que se assemelha a um orgasmo, a criação de embriões híbridos de coelho e homem ou a descoberta da substância que seria responsável pelo prazer feminino. Todos esses ganchos são notícias publicadas pela imprensa e das quais o autor fez sua limonada.
São textos irreverentes, bem-humorados, com uma pegada leve. Que a aparente amenidade não seja confundida com idéias superficiais: cada texto leva a uma crítica, às vezes sutil, às vezes explícita.
Outro ponto forte do livro é a acidez e a ironia de algumas de suas tiradas. A meu ver, são os melhores momentos dos textos. Veja só:
* sobre os ingleses: "exceto pelo café da manhã, comem muito mal. E são também muito malcomidos";
* sobre os surfistas: "as pulgas são espertas. Diz-se delas que têm um Q.I. superior ao de alguns surfistas";
* sobre espermatozóides defeituosos: "eles escapam [da seleção natural], fecundam óvulos inocentes e daí nascem certos políticos, duplas caipiras, autores de livros de auto-ajuda, apresentadores de televisão, especuladores imobiliários, advogados de traficantes e dirigentes de futebol";
* sobre dinossauros soltando puns: "bem, pode-se imaginar a trilha sonora da Terra naquele tempo - algo parecido com um show do também extinto Guns N' Roses, só que acústico".
Agora, podem me chamar de implicante, mas tem uma coisa que se repete nesses textos e que incomoda demais: o uso generoso de palavras e estruturas "difíceis". Pode até ser engraçadinho, mas não folha após folha... O que me deixa preocupada, já que a orelha do livro afirma que os texto foram "impiedosamente reescritos" para esta publicação. Tenha piedade dos leitores!
Não fiquei catando essas expressões, mas como elas se repetem bastante, é fácil identificar. Uma delas é o advérbio "donde", usado para concluir alguma coisa. Praticamente todos os textos trazem um exemplar dele, donde sua utilização deixa de fazer parte da categoria do estilo e passa a entrar para o time dos vícios.
Acho que quando os textos são lidos um de cada vez, isso passa batido. Na verdade, essas expressões difíceis em meio a textos amenos podem até conferir um certo charme. O recurso reflete um pouco a personalidade paradoxal que o autor parece querer passar: um cara experiente mas atualizado; culto porém engraçado; amante à moda antiga e, ao mesmo tempo, conquistador barato.
Quando lemos o livro todo de uma vez só, percebemos o lugar-comum que faz parte de muitas dessas publicações. Antologia de crônicas virou uma forma fácil de ganhar dinheiro se você já tem algum nome. É só juntar a produção de alguns anos, envolver em uma bela embalagem, colocar um título bem apetitoso e lançar no mercado com uma boa divulgação. Não acrescenta muito para a literatura brasileira, mas pode ser uma opção para a diversão dos leitores de verão (e para alavancar o faturamento das editoras).
Gostei de seus comentários sobre uma certa antologia do cronista Ruy Castro, e sobre o próprio jornalista/autor. Gostaria de acrescentar algo. Difícil sacralizar alguém que parece pensar que o Brasil começa nas praias cariocas e termina na serra das Araras e que, não poucas vezes, comentou que nos anos 60 e 70, 99% da vida inteligente no Brasil se localizava numa pequena área de quatro quarteirões em Ipanema. Quase todo mundo sabe que, de maneira geral, a intelectualidade do RJ tem a tendência de considerar o resto do Brasil uma "Caipilândia". Isso não é nada novo. Mas o pior de tudo é que sou obrigado a confessar que gosto de boa parte do que ele escreve. Acho que gostaria ainda mais, se não o conhecesse, há muitos anos, de entrevistas e outras participações televisivas.
A writer writes best about what he/she knows personally. Mr. Castro should be forgiven for writing so well about Rio. I imagine he is not expecting his book "Amestrando orgasmos – bípedes, quadrúpedes e outras fixações animais" to be key to his admittance to the Academia Brasileira de Letras.