Na terça-feira, quando cheguei ao trabalho, só havia um colega na sala. Ele me abraçou, deu parabéns e desejou um feliz Dia da Mulher. Depois, talvez com medo da minha reação, comentou que algumas pessoas não gostam de comemorar essa data. As feministas mais arraigadas sentem-se ofendidas e consideram o dia 8 de março um dos sintomas do preconceito e da segregação entre homens e mulheres.
Tranquilizei meu colega agradecendo o gesto. Eu gosto de comemorar e fico feliz que existam homens gentis e delicados que lembram disso e que dão parabéns às suas esposas, namoradas, familiares e colegas de trabalho. Assim como também aprecio um homem que abre a porta do carro, puxa uma cadeira no restaurante e deixa você entrar ou sair primeiro do elevador. Mas existem mulheres que não gostam disso.
A razão para muitas delas é o desejo de tentar ser coerente com as reivindicações de igualdade entre homens e mulheres. Assim, se queremos ter direito de fazer tudo que os homens fazem, devemos aceitar o pacote de deveres também. Nessa ótica, não tem por que os homens fazerem pela gente algo que não faríamos por eles.
O grande problema dessa linha de pensamento é confundir igualdade de sexo com igualdade de gênero. Sexo é biológico, gênero é social. O que as mulheres devem exigir (e trabalhar para obter) é que não haja diferenças sociais entre nós e eles. Estou muito satisfeita em ser biologicamente mulher e não gostaria de ser homem, mesmo tendo que me submeter a rituais bárbaros como manicure, pedicure e depilação. No entanto, socialmente, não acho justo ter um salário menor que um homem quando estamos nas mesmas condições profissionais, apenas por ser biologicamente mulher.
Quando as mulheres colocam o foco no que realmente precisa ser feito, aspectos como as atitudes cavalheirescas dos homens deixam de representar um anacronismo para adquirirem o sentido que realmente têm: o de gentilezas que as pessoas fazem umas pelas outras, às vezes sem se conhecerem, e que com certeza tornam o mundo muito mais civilizado.
Ao dirigir o foco da igualdade para o que realmente interessa, estaremos falando de coisas muito mais importantes e sérias, pelas quais vale a pena se indignar: diferenças salariais, violência doméstica, direito a decidir o que fazer com o próprio corpo. Por isso, antes de achar que comemorar o Dia da Mulher é assumir uma segregação, é preciso lembrar da origem dessa data e do seu significado para a luta por condições melhores para as mulheres.
Ao contrário do Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia dos Namorados, o Dia da Mulher não é uma data comercial, criada para aquecer a economia em épocas de vendas baixas. A data foi escolhida porque em um 8 de março do século XIX, mais de 100 mulheres morreram em um incêndio na fábrica onde trabalhavam. Elas estavam em greve e reivindicavam salários iguais aos dos homens e diminuição na carga de trabalho de 16 horas diárias.
Ataualmente, não se prende mais grevistas nas fábricas para atear fogo nelas, mas o problema dos salários continuam. Assim como o da violência doméstica. Mesmo que hoje as mulheres estudem, trabalhem e até votem, em casa ainda são submetidas a tratamentos típicos de eras menos civilizadas. E o pior é que esse assunto ainda é tabu. As pessoas não gostam de falar nem de saber disso. Parece algo que acontece somente em barracos de favelas e entre homens bêbados e mulheres que gostam de apanhar. Mas pode estar ocorrendo na casa da mulher que está ao seu lado no trabalho, no shopping, no restaurante, na boate.
Mesmo que hoje esse assunto tenha muito mais visibilidade, as estatísticas mostram que é apenas a ponta de um enorme iceberg. Os motivos para que a maioria dos casos não seja conhecida são muitos: medo (de sofrer mais agressões, de não ter para onde ir), vergonha (da família, que muitas vezes protege o agressor, dos colegas de trabalho, dos amigos), certeza da impunidade. Quando a vítima depende do agressor e não tem meios de mudar essa situação, quando a sociedade e a família não apoiam a mulher agredida e quando a justiça raramente pune (e quando o faz, sua mão é tão leve que não intimida ninguém), estamos falando de uma violência institucionalizada. Ela pode até ser combatida no discurso, mas, na prática, encontra um ambiente fértil para continuar existindo.
De todos os problemas que as mulheres enfrentam hoje, acho que esse é o mais grave, por atingir o que as pessoas têm de mais precioso: a dignidade. Além do mais, é algo que acontece no âmbito das relações afetivas e familiares. Salários desiguais e direito ao aborto são questões de uma amplitude maior, da esfera social. Mas a violência doméstica acontece entre pessoas que, teoricamente, têm laços de amor mais profundos entre si do que com qualquer outra. Esse é o grande paradoxo.
Por tudo isso, acredito que o Dia da Mulher é uma excelente oportunidade para questionar essas situações e cobrar atitudes do governo e da sociedade que ajudem a mudar a realidade. O que não impede, também, que se comemore a data com leveza e alegria, aproveitando para dar e receber carinho. O parabéns de um homem pelo Dia Internacional da Mulher não precisa ser rechaçado como hipocrisia. Vamos manter foco: curtir o que é bom e questionar o que realmente está errado e precisa ser modificado.
Cara Adriana: apreciei seu texto e gostaria apenas de comentar que o dia 8 de março é uma oportunidade de reflexão também sobre as conquistas femininas. O órgão público para o qual trabalho está sendo administrado por uma mulher, uma juíza, que está sucedendo outra mulher, cuja gestão foi plena de realizações, entre elas a inauguração do Fórum Trabalhista. Minha esposa é médica, mantendo uma clínica sempre cheia de pacientes, muito bem atendidas. Minha filha, aos dezesseis anos, é estagiária e estudante. Há poucas décadas, as mulheres sequer votavam. Eu tenho muito orgulho dessas mulheres que me cercam e de suas conquistas. Para todas as questões há sempre dois lados, como uma moeda. Eu prefiro ser otimista e citar as coisas boas que estão sendo feitas por vocês, mulheres maravilhosas, verdadeiros exemplos e real significado de nossas vidas.
Cara Adriana, poderia iniciar meu texto citando o feito de: Melanie Klein, Hannah Arendt, Simone Weil, Golda Meier, Margareth Thatcher, Susan Sotang entre outras. Há mulheres independentes(sic) que subjugam mulheres semi-escravas: babás, faxineiras, empregadas domésticas. Quanto ao comércio, sugiro que confira, evidentemente, para uma determinada classe, o faturamento de lojas: de flores, jóias e perfurmes. Mas, aproveito o espaço para dar destaque a uma mulher que fez história e que contribui, em muito, com a leitura do que ocorre hoje. Seu nome - Rosa Luxemburgo e sua célebre frase "Socialismo ou barbárie". Acredito que devamos deixar a formação biológica de lado, afinal já é possível escolher se a sociedade deseja que nasça homem ou mulher. Devemos estar atentos para os rios de sangue que o tal do "pensamento único" produz nas palavras de Luxemburgo as classes dominantes ou o neoliberalismo "derramam... rios de sangue, todas elas marcham sobre cadáveres, assassínios e incêndios, instigam guerras civis e traição, a fim de defender os seus pivilégios e o seu poder (...) cidades tornadas ruínas, dos países transformados em desertos, das aldeias que viraram cemitérios, de nações inteiras que se tornaram mendingas." Recentemente, no Cairo, Amr Moussa dirigente da Liga Árabe afirmou sobre a guerra do Iraque "os portões do inferno estão abertos no Iraque". E com o diabo (sic) solto o que vivemos é a mais terrível das barbáries, com homens, mulheres e crianças subjugados. Como não creio nos homens e nas suas instituições e não creio em mim só me resta a devassidão.