A Moda está na moda. Nunca o mundinho fashion ganhou tanta evidência no Brasil como agora. Da consagração de grifes nacionais aqui e no exterior, ao lançamento de guias sobre elegância e estilo assinados por especialistas como Gloria Kalil, Fernando de Barros e Julio Rego, passando pela realização de megaeventos no Rio e em São Paulo à maneira das grandes semanas prêt-à-porter da Europa e Estados Unidos, a sociedade brasileira, - ou, pelo menos os seus núcleos mais privilegiados - vai se familiarizando cada vez mais com o assunto e reduzindo dramaticamente a distância entre as nossas vitrines e as novíssimas tendências lançadas nas passarelas dos grandes centros irradiadores de estilo. E já que moda também é cultura, nada mais natural que ela venha figurar também aqui nas páginas do Digestivo Cultural, ainda porque o tema merece ser, de vez em quando, debatido sob outras luzes que não as dos holofotes dos grandes desfiles e as dos flashes dos fotógrafos especializados em clicar top models e figurinos das novas coleções.
Não sou um aficionado por moda e nem tampouco uma autoridade no assunto. No entanto, precisei mergulhar um pouco nesse universo há alguns anos para escrever um livro, um thriller chamado 120 Horas, no qual uma das personagens é uma renomada estilista em Beirute, no Líbano, casada com um físico às voltas com um sigiloso projeto militar. O ateliê e a butique desta estilista constituem um dos núcleos centrais da trama e, para um leigo no assunto como eu era, foi preciso realizar uma enorme pesquisa para compor com fidelidade os cenários, personagens e retratar todo processo de preparação e montagem de um desfile que se preze. Um dos campos da minha pesquisa foi, obviamente, Paris, centro nervoso da indústria da moda internacional. Lá, tive a oportunidade, por exemplo, de visitar a maison Christian Dior, onde, logo na chegada, me apresentei como romancista, dizendo que estava fazendo uma pesquisa para o meu novo trabalho e que gostaria de conhecer a loja e saber um pouco sobre o seu funcionamento. A senhora que me atendeu, muito simpática e solícita por sinal, pareceu até honrada (tudo bem, tudo bem, pode ter sido impressão minha) por eu haver batido à porta da maison Dior, em vez de ter optado por alguma das várias outras lojas de badalados designers internacionais como Yves Saint-Laurent, Christian Lacroix, Valentino e Inès de la Fressange, distribuídas bem ali, ao longo da avenue Montaigne e cercanias, o enclave mais sofisticado para compras na capital francesa. Ela me escancarou as portas da loja, me conduziu por suas diversas dependências e me forneceu informações que foram de imensa valia no processo de composição do livro.
Uma pesquisa como essa traz muitas revelações. A primeira delas talvez seja a constatação de que a história da moda está intrinsecamente ligada à história da sociedade. Sua evolução acompanhou a mudança nos costumes de cada época. Durante séculos, o modo de vestir e de se portar publicamente adaptou-se a essas mudanças, refletindo as demandas dos novos tempos. Que mulher urbana, nos tempos atuais, se imagina enfiada em corpetes apertados, anáguas e saias enormes com camadas de babados típicos do século XIX ou mesmo nas roupas "bufantes", comuns na Europa do século XV? Foi a célebre estilista francesa Gabrielle "Coco" Chanel quem, nos anos 20, revolucionou para sempre a moda feminina ao inventar um novo conceito de se vestir, abolindo a rígida indumentária adotada até então e introduzindo um estilo em que sobressaíam cortes retos, blazers, tailleurs, roupas de duas peças. Uma nova mulher nascia, então: independente, sensual, com estilo, personalidade e uma vida que começava a escapar dos tradicionais limites domésticos. A moda foi, na época, um acessório fundamental para acompanhar essa evolução histórica, que abria as primeiras rachaduras num sistema patriarcal de 5 mil anos.
A indústria da moda cresceu num ritmo vertiginoso através das últimas décadas, refletindo o ritmo alucinado do século XX, durante o qual o mundo assistiu a mudanças numa velocidade nunca antes vista e acabou se convertendo numa força motriz de imensurável influência na economia e no imaginário das pessoas. Hoje, são centenas de grifes de renome espalhadas pelas grandes cidades do mundo, lançando periodicamente suas criações durante eventos grandiosos e badalados. As coleções mal esfriam nas vitrines e já são substituídas por outras. A renovação é constante, numa velocidade que o público não consegue acompanhar. A moda deixou de simplesmente reinventar-se de acordo com as necessidades do seu tempo para passar a ditar os rumos estéticos da sociedade. Quem assiste ao desfile de um grande estilista, dificilmente imaginará pessoas comuns vestindo aquelas peças no dia-a-dia, afinal um desfile não serve para apresentar modelitos e sim para lançar tendências. Mas, são tantos desfiles, tantas novas coleções sendo apresentadas, tantas grifes disputando espaço nas passarelas ao mesmo tempo, que fica difícil assimilar tudo e eu fico me perguntando se a sociedade realmente necessita dessa overdose de novas tendências ou se tudo não passa de uma grande ilusão de consumo e estilo, na qual as pessoas foram condicionadas a acreditar.
Na verdade, é preciso fazer uma distinção entre o que é moda e o que é apenas modismo. Moda é um estilo estabelecido, durável, que permanece em voga por algum tempo e entra em declínio gradualmente, acompanhando as próprias mudanças no tempo e na sociedade. Modismos são modas que aparecem de forma meteórica, contagiam o mercado consumidor e desaparecem com a mesma rapidez, sendo facilmente relegados ao esquecimento. Parodiando Andy Warhol, os modismos seriam a moda nos seus quinze minutos de fama. Eles não possuem uma base para se sustentar, apenas imagem; são gasosos, enquanto a moda é sólida. E seu principal atrativo por assim dizer, é o fato de ser novidade, enquanto a moda é o que é, por satisfazer a necessidades concretas de um meio. Levando-se, então, em conta esses argumentos e considerando que, anualmente, uma infinidade de novas tendências é lançada mundo afora numa velocidade avassaladora, decretando, automaticamente, a obsolescência das tendências anteriores antes mesmo que estas pudessem ser totalmente assimiladas, seria exagerado afirmar que a indústria da moda tal qual a conhecemos, não passa, na verdade, de uma indústria de modismos?
Vivemos atualmente uma era de ode ao descartável. Até aparelhos como televisão e geladeira, que no passado eram fabricados para durar, hoje são feitos com material inferior para que, dali a três, cinco anos, precisem de algum conserto e, quem sabe até, de uma troca por um similar mais novo e com um design mais moderno e arrojado, ainda que suas funções sejam exatamente as mesmas. Os modismos estão por toda parte, não apenas no vestuário. Um aparelho de celular de dois anos atrás já é considerado antiquado, pesado, cafona. O fato é que, olhando de uma maneira funcional e objetiva, a sociedade não precisa que os produtos se renovem esteticamente com a velocidade supersônica com a qual vem se renovando. Se isso acontece é porque indústrias como a da moda movimentam vultosas somas em dinheiro e empregam um exército de pessoas, direta e indiretamente. Se não houver uma renovação constante de tendências, essa enorme estrutura que se formou não conseguirá se sustentar. O "X" da questão é, portanto, meramente econômico. Afinal de contas, analisando friamente, que diferença faz se a cor dessa estação vai ser o bege perolado ou o verde grama; se o cós da calça vai estar um pouco acima ou um pouco abaixo da cintura; se a lapela do paletó vai estar dois milímetros mais larga ou estreita ou se ir para a praia usando uma canga sobre o biquini, da noite para o dia, tornou-se demodé, apesar do seu conforto e praticidade?
São exageros como esses que permeiam os textos e depoimentos de jornalistas de moda que, com a cara mais bisonha do mundo, despejam, pomposamente, regras e mais regras de estilo para o público, como se estivessem anunciando, em cadeia nacional, as resoluções de um ato institucional do regime militar. Estilo é um termo muito relativo e varia consideravelmente de pessoa para pessoa. Não existe uma regra universal que se aplique a todos. Uma pessoa pode ser muito elegante, usando peças de roupas de vários anos atrás, desde que elas estejam de acordo com a sua personalidade e o seu modo de ser. Aliás, as pessoas notoriamente mais elegantes não seguem com rigor a última moda, ainda que a incensem abertamente. Cada qual mantêm o seu estilo próprio, que pode variar com o tempo, sempre obedecendo a uma lógica individual e não coletiva.
Enquanto isso, os estilistas vão desfilando suas novas coleções, expondo-as nas suas vitrines iluminadas e decretando o que está dentro e fora de moda. E como são criativos esses estilistas...! Criativos até demais. Basta ver a quantidade de desfiles dos quais participam e da extravagância cada vez maior dos modelitos que desenham. Volta e meia eu me pergunto onde irá parar essa criatividade impressionante. Será ela inesgotável? Ou será que algum dia, quando não houver mais nada de realmente interessante e impactante para ser criado ou reciclado, veremos algum estilista desfilando uma coleção originalíssima com figurinos feitos, por exemplo, à base de fraldas descartáveis ou de gesso hospitalar e bandagens? Juro que não ficarei surpreso se essa moda - ou modismo - pegar por aí.
Texto otimo! Quanto 'a sua pergunta se a criatividade e' inesgotavel, e o que acontecera quando esgotar, a resposta se encontra no que as casas de moda em Nova Iorque andam fazendo: trazendo de volta a moda retro... Ou seja, daqui a um tempo, talvez a moda va' ser corpetes apertados, anaguas, etc, etc.
Mas certas coisas da moda, como os lindos desfiles de biquini com a Gisele continuam valendo a pena.
Até há bem pouco tempo, considerava essa história de moda (moda mesmo, não modismo) como mais uma bobagem e futilidade do ser humano.
Mudei de opinião e por várias razões.
A indústria da moda emprega milhares de pessoas, ocupa-se de beleza, dá oportunidade a manifestações artisticas,
marca uma época,estimula a criatividade, etc...
Feliz e mais saudável seria o nosso planeta se houvesse mais indústrias de moda, desfiles, modelos... etc. do que indústria de armamentos, guerras que dão vazão a essa indústria e soldados, quase meninos, aprendendo a "arte" do manejo de um fuzil.
Entre a arte de fazer moda e a de fazer a guerra, fico com a primeira.