Pais e filhos, maridos e esposas | Fabrício Carpinejar | Digestivo Cultural

busca | avançada
193 mil/dia
1,9 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Beto Marden estreia solo de teatro musical inspirado em Renato Russo
>>> Tendal da Lapa recebe show de lançamento de 'Tanto', de Laylah Arruda
>>> Pimp My Carroça realiza bazar de economia circular e mudança de Galpão
>>> Circuito Contemporâneo de Juliana Mônaco
>>> Tamanini | São Paulo, meu amor | Galeria Jacques Ardies
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lisboa, Mendes e Pessôa (2024)
>>> Michael Sandel sobre a vitória de Trump (2024)
>>> All-In sobre a vitória de Trump (2024)
>>> Henrique Meirelles conta sua história (2024)
>>> Mustafa Suleyman e Reid Hoffman sobre A.I. (2024)
>>> Masayoshi Son sobre inteligência artificial
>>> David Vélez, do Nubank (2024)
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
Últimos Posts
>>> Escritor resgata a história da Cultura Popular
>>> Arte Urbana ganha guia prático na Amazon
>>> E-books para driblar a ansiedade e a solidão
>>> Livro mostra o poder e a beleza do Sagrado
>>> Conheça os mistérios que envolvem a arte tumular
>>> Ideias em Ação: guia impulsiona potencial criativo
>>> Arteterapia: livro inédito inspira autocuidado
>>> Conheça as principais teorias sociológicas
>>> "Fanzine: A Voz do Underground" chega na Amazon
>>> E-books trazem uso das IAs no teatro e na educação
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Expectativas e apostas na Copa de 2010
>>> Paixão e sucata
>>> A pulsão Oblómov
>>> O papel aceita tudo
>>> Figurinhas
>>> O que é a memética?
>>> Marcus Aurelius
>>> Diariamente
>>> Assim falou os mano
>>> No hidding place
Mais Recentes
>>> Governança ,Qualidade da Democracia e Políticas Públicas de Marta Maria Assumpção Rodrigues pela Ufrj
>>> Livro No Espelho Do Tempo de Roberto de Abreu Sodré pela Best Seller (1995)
>>> Flash Boys: A Wall Street Revolt de Michael Lewis pela Norton (2015)
>>> 1001 Cervejas Para Beber Antes De Morrer de Adrian Tierney-jones pela Sextante (2011)
>>> Livro Diario De Classe de Bartolomeu Campos De Queirós pela Moderna (2003)
>>> Relatos Maternos de Gabi Paina pela Fisicalbook (2020)
>>> Iansã: Rainha dos Ventos e Tempestades de Helena Theodoro pela Pallas (2010)
>>> Livro Direito Tributário Para Aprender Direito 7 de Marcos Antonio Oliveira Fernandes e Mauro Silva pela Barros Fischer & Associados (2005)
>>> Rangers Ordem Dos Arqueiros Livro 7. Resgate De Erak de John Flanagan pela Fundamento (2010)
>>> Guia Ilustrado Zahar De Cerveja de Michael Jackson pela Zahar (2010)
>>> Viver De Teatro. Uma Biografia De Flavio Rangel de José Rubens Siqueira pela Nova Alexandria (2001)
>>> Guia Ilustrado Zahar De Cerveja de Michael Jackson pela Zahar (2010)
>>> Livro Nutrição Orientada E Os Remédios Da Natureza de Durval Stockler de Lima pela Casa Publicadora Brasileira (1984)
>>> Livro Estudo Gostoso De Matemáticas O Segredo Do Método Kumon de Toru Kumon pela Ediouro (2000)
>>> Ataque Dos Titãs - Volume 2 de Hajime Isayama pela Panini Comics (2014)
>>> In Company 3.0 Upper Intermediate Student's Book Pack (Premium) de Mark Powell pela Macmillan (2014)
>>> Box 360º História de Alfredo Boulos Júnior pela Ftd (2017)
>>> Livro Série Fundamentos De Enegrama de Karen Webb pela Avatar (1998)
>>> Livro O Brasil de Mino Carta pela Record (2013)
>>> Papo de Grana : Faça o Dinheiro trabalhar para você de Tito Gusmão pela Belas-letras (2018)
>>> Fairy Tail - Volume - 13 de Hiro Kiyohara pela Jbc (2011)
>>> Livro Entre Dois Palácios Volume I Da Trilogia Do Cairo de Nagib Mahfuz pela Best Seller (2008)
>>> Classes Médias no Brasil : Estrutura, Mobilidade Social e Ação Política de Adalberto Cardoso pela Ufrj (2021)
>>> Livro O Caminho Do Sucesso Volume 10 de Jean Balder pela Jean Balder (2024)
>>> Os Cinco Princípios Essenciais de Napoleon Hill de Napoleon Hill pela Citadel Press (2022)
COLUNAS

Sexta-feira, 25/3/2005
Pais e filhos, maridos e esposas
Fabrício Carpinejar
+ de 6800 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Paul Klee

Não tomei cerveja com o meu pai. Não conversei sobre mulheres com o meu pai. Não fui ao cinema com o meu pai. Não visitamos a Expointer. O máximo de aventura que enfrentamos juntos foi quando ele estacionava em local proibido na rodoviária ao pegar os jornais e me deixava esperando no carro. Suportava a seqüência de tormentos: as buzinadas de quem vinha atrás, o pisca ligado eternamente e o pavor da multa do guardinha. Não tive nenhum papo adulto ou cabeça com ele. Ele não me indicou caminhos, não reprimiu escolhas. Não assinava meu boletim. Não autorizava minhas viagens escolares. Não me ensinou história, literatura, português. Não me explicou o sexo, a única vez que chegamos perto do assunto foi quando comentei que seria pai e já era tarde demais. Ele saiu cedo de casa (ao menos para mim), quando tinha oito anos. Não joguei futebol com meu pai e seus colegas contaram que atuava de centroavante. Queria ter jogado ao lado dele, mesmo que seja para reclamar da falta de passe. Ele escrevia muito e o escritório vivia trancado, impraticável para corridas e pega-pega entre os irmãos. Não podíamos entrar pela frente da residência. É óbvio que arrumava uma escada para espiar o que ele anotava pela janela. É óbvio que não enxergava nada de diferente.

Quando caminhava pela calçada, meu pai andava com as mãos atrás. Como é sábio andar com as mãos atrás! Tudo o que falam dele, eu paro para escutar como quem necessita reconstituir a vida que não teve. Amigos, inimigos, amores e desamores. Ouço qualquer história dele com ardor e paciência. Compraria histórias e palavras de meu pai. Meu pai é uma agenda que não foi usada. Por isso, não reclamo quando recolho os brinquedos de meus filhos pelos corredores. A maioria xinga a bagunça, não eu. Eu me alegro. Posso estar cansado, acabado, sem reservas e arrecadarei um por um dos brinquedos com dedicação. É noite alta, vou recolhendo os destroços e colocando os bonecos na prateleira. Faço um altar, distribuindo os anjos de madeira, de palha e de pano nos degraus das arquibancadas. Dobro as roupas nas gavetas. Organizo os carrinhos, sou capaz de escutar as vozes dos livros, esbarro em algum brinquedo eletrônico que quase acorda a vizinhança. Às vezes me perco em admiração pelos filhos. Entro em um transe, acionado por uma expressão nova, um fraseado diferente, uma pergunta esperta. Permaneço quietinho diante deles, mexo seus cabelos, como que colorindo desenhos dentro dos traços. Eles pensam que estou distraído. Ah se soubessem que presto atenção, tanta atenção que me disperso de mim. Só neles. Ausente enfim de mim.

* * *

Sofro de uma mania imperdoável. Peço para a minha mulher telefonar e passo a gritar atrás o que deve dizer. Sou um chato. Não deixo ela falar, cheio de idéias e detalhes repentinos. É desgastante passar a informação, raciocinar e ouvir o que acontece ao telefone e suportar um outro perto de si, despejando dicas, incomodando e corrigindo. Não é possível assistir dois canais ao mesmo tempo. A vontade é desabafar: "quer falar? então toma!" E meter o gancho goela abaixo do marmanjo. Há momentos que só Tom e Jerry explicam nossa vida. Qualquer mulher fica louca. O homem tem o insólito hábito de pedir um favor, meter-se drasticamente no meio da conversa, inspecionar o serviço e apontar somente observações negativas. Deixa de ser um favor para virar uma ordem, deixa de ser um carinho para virar uma disputa, deixa de ser uma gentileza para virar agressão. Os exemplos são simples. Ele não deseja ligar para sua mãe (conhece toda a incomodação que virá pela frente), mas precisa passar um recado urgente. A mulher decide generosamente fazer a ligação. Tem que agüentar o relato minucioso do dia da sogra e mais o marido soprando novas fofocas, detalhes e perguntas ao seu lado. Não há maior tragédia do que ser uma linha cruzada entre o marido e a sogra. É o mesmo que ser convidada para o próprio velório e ainda agradecer. Ou pode ser a encomenda de uma tele-entrega. Lá vai o marido listar o jeito que deseja a comida durante a ligação, com pedidos inúteis e caprichos intoleráveis. Nem sabe o que o atendente está dizendo e responde de forma paralela, com a naturalidade de um viva-voz. O cara não cala a boca: matraqueando letras para acelerar sua narração de turfe. É um cavalo nomeando cavalos. Assim que ela disca, o homem abandona a preguiça que não o fez telefonar, pula da cama, ganha uma disposição e eloqüência em instantes, entra em surto e se dispõe a comentar sem parar o assunto. Segue sua mulher pela casa, como uma sombra pegajosa e arrogante. Corre em círculos, uma criança abrindo a porta com os dentes. "Não esquece de pedir", sugere a cada dez segundos, para depois cobrar: "não pediste, né?" Demonstra um talento inato para provocar. Emerge o espírito brigão que o mantinha elétrico na infância. Se o homem reclama com insistência da co-piloto no carro ou tece piadas sobre a mulher no volante, não se dá conta que ele é o pior co-piloto que existe ao telefone.

* * *

Não se tem como adivinhar o que vem depois, não se tem como suportar o que veio antes, o que faz concluir que não se tem opção. A infelicidade de um casamento de 15 anos, de um namoro de cinco, de um emprego de dez. E não se muda nada, apesar da prisão e do desconforto, porque se botou na cabeça: não tenho opção. E se segue adiante com uma vaga expectativa de melhorar o ânimo, ou ao menos o cardápio do almoço. Com a vaga emoção de alterar o trajeto. Com a vaga noção de desentendimento. E se dorme e não se podia mudar pois os filhos estavam pequenos e se dorme e não se podia mudar pois os filhos estavam crescidos e se dorme e não se podia mudar pois os filhos estavam casando e se dorme e se esquece por oito horas, mas não é abafado o desânimo: a ferroada volta a arder e se cogita ter vivido à toa. Volta a suspeita de desperdiçar mais um dia da única eternidade que se conhece. E o corpo lembra um livro emprestado que se precisa devolver à biblioteca. Um livro que não foi lido, nem folheado pela curiosidade. E a multa aumenta e a vontade de ler diminui. E se botou na cabeça em alguma data indefinida: não tenho opção; em alguma latitude indefinida: não tenho opção; em algum aceno da cabeça, quando não suportava o silêncio tremer como uma boca chorando, quando não suportava os segredos escurecerem de mofo, quando não suportava a madeira nobre do armário perder as lascas da quina: não tenho opção. E se permanece num casamento triste, cego, morno, como se a luz fosse forte o suficiente para derrubar o telhado. A luz não fala alto. E se queria mais e se quer mais, e a resignação faz varrer as gavetas para queimar as pistas da inexistência. Não se acredita em mais ninguém, deixando a mão correr sem margens. Não se acredita em si, concordando para terminar logo o assunto. E se cala para não provocar briga e se desculpa por não conseguir vencer a timidez da falta de opção.

Quem diz que não tem opção ainda tem opção. Mesmo que seja para mudar de idéia, mesmo que seja para gostar novamente do que deixou para trás. Todos temos opção, sorrir ou ficar sério, brigar ou fazer as pazes, fugir ou pedir o divórcio, viajar ou pedalar o mar. Ao atravessar a rua, tenho a opção de olhar para a esquerda ou para a direita, para a amizade ou para sedução. Há opção na falta de opção. Há opção até depois da morte. Não admito essa covardia de escrever a própria vida sem assinar.

Nota do Editor
Fabrício Carpinejar é poeta, autor de seis livros: entre eles, Cinco Marias (2004) e Caixa de Sapatos (2003). Estes textos foram originalmente publicados em seu blog e reproduzidos aqui com sua autorização.


Fabrício Carpinejar
São Leopoldo, 25/3/2005

Quem leu este, também leu esse(s):
01. No palco da vida, o feitiço do escritor de Cassionei Niches Petry
02. Claudio Willer e a poesia em transe de Renato Alessandro dos Santos
03. Proibir ou não proibir? de Cassionei Niches Petry
04. Cognição Estética contra o Logos (Parte I) de Jardel Dias Cavalcanti
05. Os últimos soldados da Guerra Fria de Luiz Rebinski Junior


Mais Fabrício Carpinejar
Mais Acessadas de Fabrício Carpinejar em 2005
01. A Invenção de Orfeu de Jorge de Lima - 14/7/2005
02. Separar-se, a separação e os conselhos - 18/1/2005
03. Pais e filhos, maridos e esposas II - 20/4/2005
04. Separar-se, a separação e os conselhos II - 11/3/2005
05. Pais e filhos, maridos e esposas - 25/3/2005


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
26/3/2005
1. !
18h38min
Que lindo, Fabrício...
[Leia outros Comentários de neusa]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Literatura Brasileira Por um Toque de Ouro trindade Leprechaun 1
Carolina Munhoz
Fantástica Rocco
(2015)



Aprendendo A Terapia Cognitivo-Comportamental
Jesse H. Wright; Michael E. Thase; Monica R. Basco
Artmed
(2008)



A Gangue e o 5s
Wagner Matias de Andrade
Soluções Criativas
(2000)



Transatlantic Solidarities: Irish Nationalism And Caribbean Poetics
Michael G. Malouf
University Of Virginia Press
(2009)



Sabores Do Brasil Em Portugal
Isabel M.R. M. D. Braga
Senac
(2010)



A Morte de Rachel
Anne Cassidy
Rocco
(2015)



Klimt: Austrian Painter (reveries)
Jane Rogoyska
Parkstone Press
(1999)



Livro Pedagogia Letramentos e Minorias
Ana Claudia Balieiro Lodi e Outros
Mediação
(2009)



De Corpo & Alma
Richard Carlson e Benjamim Shield
Objetiva
(1999)



Dizionario Portoghese-Italiano Italiano-Portoghese
Carlo Parlagreco
Antonio Vallardi Editore





busca | avançada
193 mil/dia
1,9 milhão/mês