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COLUNAS
Segunda-feira,
4/4/2005
O Casamento de Romeu e Julieta
Marcelo Miranda
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O diretor Bruno Barreto tentou carreira internacional e, em 2003, lançou nos EUA Voando Alto. Seguiu caminho inverso ao título e fez um dos maiores desastres de bilheteria da temporada (algo que pode até ser comprovado entre amigos nossos - alguém conhece qualquer um que tenha visto este filme? Eu, não). Aceitando que seu lugar é no Brasil, o homem responsável pelo maior sucesso do nosso cinema, Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), que levou 12 milhões aos cinemas, voltou ao país de origem e preparou um filme ambientado no universo pelo qual o brasileiro é mais apaixonado: o futebol.
Universo é modo de falar. Na verdade, O Casamento de Romeu e Julieta é uma comédia romântica cujos personagens transitam entre a torcida e a dirigência do esporte. O que Bruno Barreto fez foi simplesmente criar um conflito entre duas famílias torcedoras de times rivais - de um lado, o verdão Palmeiras; do outro, o timão Corinthians. Torcedora fanática pelo primeiro, a personagem de Luana Piovani se apaixona por Marco Ricca, corintiano de três gerações. Em nome da amada, ele se faz passar por palmeirense para conquistar o pai da garota, verdadeiro "doente" pelo time, incluindo ser sócio do clube e amigo pessoal de seu presidente.
A premissa, confessemos, é criativa e bem-vinda. Como não se interessar por algo tão próximo ao nosso cotidiano? Em tempos de quebra-pau nos campos, torna-se saudável acompanhar a aventura de amor de duas pessoas "inimigas" de bola. O problema é que isso não é suficiente para Bruno Barreto. Em vez de deixar seu filme se desenvolver naturalmente, dando margem para as situações cômicas que poderiam surgir quando o "travestido" Ricca se insere em território hostil, o diretor torna a comédia quase um drama existencial - no pior sentido do termo.
O maior problema reside em querer tratar o tema de forma absolutamente séria. Sim, é verossímil a torcida fanática, o choro, o grito, o exagero típico de quem sofre verdadeiramente pelo time que torce. Mas daí a Barreto querer extrair disso tudo lágrimas de dor ou piedade do espectador vai longe. Os personagens lidam com o conflito como se fosse algo transcendental, momento decisivo de suas vidas, a hora de descobrir qual é o rumo a seguir.
Futebol, antes de tudo, é diversão. Não dá para criar algo nesse mundo em que não surja pura e simples diversão. A comédia que deveria dominar o filme por vezes é deixada de lado em nome do "desenvolvimento" dos dramas - sendo alguns momentos de pura gratuitade, principalmente quando o pai da moça enxerga o corintiano como se ele fosse um torturador nazista. Sabemos que a rivalidade entre esses times é gigantesca, o que em nada justifica a forma como Barreto tenta demonstrar isso. Afinal, ele parece ter feito um filme para expor como esse tipo de "guerra" pode soar estúpida e sem sentido, e que o bom mesmo é debochar do perdedor, ou choramingar e agüentar as brincadeiras quando somos nós os derrotados no campo. Mas não é o que está na tela: na tentativa vazia de dar profundidade ao clima de hostilidade entre as torcidas, Barreto apenas mistifica e estereotipa a atividade mais adorada por milhões de brasileiros - torcer pelo time do coração.
Há momentos em que O Casamento de Romeu e Julieta demonstra algo de seu potencial. A começar pelo início, quando Barreto apresenta os protagonistas em plena partida Corinthians X Palmeiras. Ele capta de forma próxima ao real a força dos estádios, todo o ardor da torcida. Em outros momentos, brinca saudavelmente com o amor à camisa, como quando o pai da garota leva para casa um dos craques que ajudaram o Palmeiras a ganhar de 8X0 em determinado jogo do passado, ou quando vemos seu rosto entristecido após a derrota do time no Japão; ou ainda quando acompanhamos as difíceis tentativas do personagem de Ricca se contendo para não celebrar os gols do Corinthians e evitar tirar sarro da cara do sogro quando é o Palmeiras o encrencado.
Mas se existe uma força verdadeira no filme, esta reside em Luís Gustavo, como o pai. Provavelmente numa das grandes interpretações humorísticas de toda a sua carreira - e talvez do cinema brasileiro em muitos anos -, ele expressa à perfeição todo o jeito caricato de seu personagem, num tom que deveria se adequar ao filme como um todo. Italianíssimo no sotaque e jeito de se comportar em cena, falador, gesticulador e demonstrando clara alucinação pelo Verdão, Gustavo serve de alma para o filme (se existir uma). Ele consegue suplantar até mesmo a beleza quase cósmica de Luana Piovani ou a boa presença de Marco Ricca nas cenas em que os três dividem a câmera. Está anos-luz à frente de Bruno Barreto, cineasta que ainda acredita não ser possível criar uma comédia focada apenas na farsa, não na tentativa frustrada e impossível de reproduzir um real que simplesmente não existe - ainda mais falando de futebol e amor.
Nota do Editor
Este texto foi originalmente publicado no site Cinefilia e conta com a autorização do autor e do editor para esta reprodução.
Marcelo Miranda
Juiz de Fora,
4/4/2005
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