Basicamente, existem três classes distintas de pessoas: os Pobres, os Ricos e a Classe Média. Para fins de estudo, desprezo os graus de variação existentes entre cada uma delas. Não, não são apenas classes econômicas. São classes de pessoas. Castas, como as indianas. E também não, a Classe Média não está extinta como foi anunciado no noticiário. Ela e seu Espírito Mediano reinarão para todo o sempre.
A Classe de Pessoas "Pobre" é de agradável convívio, no mínimo, divertida. São movidos pela necessidades básicas e, a elas satisfazendo, alegram-se facilmente. A Classe de Pessoas "Rica" já não vive de necessidades, conhece-se mais e é a ponta da evolução: pode viver plenamente sua capacidade cerebral, já que os neurônios não precisam mais se concentrar na busca do alimento, moradia, vestes ou em se poderá pagar aquela viagem para a Itália em doze vezes no cartão. É onde todos devemos chegar um dia, após muitas vidas de sofrimento, para finalmente usufruir das delícias do espírito. Enquanto este dia feliz não chega, detenho-me no estudo da mais cômica e trágica etapa de nossa evolução: a Classe Média.
A Cultura da Classe Média
Toda a Cultura da Classe Média pode ser encontrada em alguns papéis-jornal: a Folha de São Paulo. Ela lê os autores que a Folha indica. Prestigia os espetáculos que a Folha diz que se deve prestigiar. Escolhe seus governantes, seus ídolos, seus livros, sua roupa, guiada pela Folha. Emociona-se com o Carlos Heitor Cony, que, da classe citada já não faz parte, mas entende os seus melindres e funcionamentos. Com isto, magistralmente, trabalha. Cony, em uma fórmula amada por eles, escreve conselhos que o finado pai lhe deu, intercala-os com fatos corriqueiros da vida, uma citação de um grande escritor e, "ditados" populares. Há variações na ordem dos fatores, no primeiro parágrafo o fato corriqueiro, no segundo a frase sábia do pai, etc. Esses detalhes são artifícios que fazem a Classe Média marejar os olhos lembrando de tempos passados mais difíceis.
O modo-de-vida da Classe Média
Trabalham, diria Cony, como mouros. Nunca falam sobre dinheiro, não é de "bom-tom". Adquirem bens às custas de algo que chamam prestações, mas, parece-me que nem mesmo sob tortura confessariam tal vergonha: é preciso manter a imagem. Viajam nas férias, sempre. Trabalham para viajar nas férias. Não viajar nas férias é uma espécie de humilhação social impossível de ser aceita. Quase comparável a não possuir carro ou não ter lido o último livro do Diogo Mainardi.
A Vida Social da Classe Média
Como citado antes, a imagem é algo essencial para a Classe Média e, os esforços despendidos para adquirir uma boa imagem surpreendem o mais apático estudioso da evolução humana: não admitirão sequer uma espécie de desânimo ou momento de auto-estima baixa. Indubitavelmente vencedores, seu momento de lágrimas será somente às escondidas ou durante a leitura da crônica saudosista do Cony, e em mais nenhuma ocasião. Secretamente ávidos por aceitação social e por um grande círculo de amizades, dirão que não se importam com o que os outros dizem ou pensam deles. Desesperados por um par afetivo, dizem-se muito felizes sozinhos.
A Ocupação Profissional da Classe Média
Esta, a mais difícil faceta da casta em estudo. Apesar de todos terem ocupações diversas, há modismos sobre o que eles afirmam realmente fazer. Alguns anos atrás, muitos eram executivos. Depois, publicitários e, houve aquele tempo em que todos eram webdesigners. Hoje, espero que até a publicação deste ainda seja, dizem-se escritores. Há milhares deles, é incrível. Creio que já não falam, e nem da fala mais necessitam. Escrevem. Todos. Desde a mocinha até o senhor casado, desde o menino até a senhora idosa e solteira. Se influência de sua fonte de conhecimento máxima, repleta de letras, a Folha, ou de Carlos Heitor Cony, não sei. Sei que eles escrevem.
Do Posto de Observação
Ninguém vencerá o poder da Classe Média. Dela, faço parte, e resigno-me à provação. Dela, não espero muitas mudanças. Talvez uma, em breve: algum outro modismo que possa substituir o de se dizer escritor. Quem sabe, cartunista. Ou físico. Espero pacientemente a morte e a reencarnação, único meio de mudar de casta, e, que meus méritos por suportar sem matar-me as tristezas de ter nascido nesta classe de pessoas, possam permitir que Deus de mim se apiede e me faça nascer em outra na próxima existência. Na Rica, eu suplico. Mas, se não der, que seja a Pobre, que lá é permitido dizer a verdade: que não fui em tal lugar porque não tinha dinheiro, e não porque estava com "uma dor de cabeça lancinante". Lá não é preciso ler a Folha. Lá, pode-se gritar aos quatro ventos que se ama o Lúcio Jurandir e quem sem ele não se pode viver. E ninguém escreve, que isso é coisa de viado.
Esta classe média do texto é mais uma que já ficou na saudade... Afinal, que profissional liberal aguenta as políticas econômicas do governo de hoje? O Lula resolveu o problema. Mas eu também conheço uma parte da mesma classe que é vibrante, formou grandes músicos, professores, donos de padaria vascaínos, os médicos das vacinas e dos transplantes, os secretários da ONU, os doutorandos, os escritores, os donos de indústria sapateira de Ribeirao Preto, os engenheiros da Embraer, os loucos que já me levaram aos cantos mais abandonados do Brasil e 90% das pessoas que ainda ostentam alguma ambição no nosso país... Não sei o que isso significa. Mas com certeza uma boa parte da vida criativa e ativa do Brasil está por ali ainda.
Andréa, faltou abordar o que efetivamente caracteriza a classe média: o alpinismo social. O citado trabalho árduo é a ferramenta para a ascensão social, a incessante busca dos ícones materiais que distinguem ricos de pobres: TV de 800 polegadas, nem que seja para a sala de seis metros quadrados; o Ecosport 1.0, mesmo que tenha de estacionar no meio-fio por não possuir garagem; o tênis de 128 molas, pagos uma mola por mês; e, finalmente, as pizzas delivery! Rico não cozinha no final de semana, então, dá-lhe disk-pizza! Supersize-me. Quero logo duas de calabreza moída, catupiry, bacon e outros ingredientes light. Afinal, quando eu era pequeno, não comia porque não tinha dinheiro, agora que posso comer, vou me privar por motivos estéticos? E manda aquela garrafa de 3,8 litros de Super-Large-Big-Coke de brinde!
Olá, Andréa!!! Eu sei como são essas coisas, todos nós sabemos. Mas há a anticlasse média, também. Aqueles que fazem de tudo para fugir dos padrões, que não compram carro, que procuram não saber quem é Diogo Mainardi e que não gostam de McDonald's. Eles tentam ser legais, dizem que se preocupam com a farra do boi, que lêem Kafka e Dostoievski, que não assistem filmes americanos idiotas etc. Um exemplar desta espécie é quem está digitando essas palavras. E o que me entristece é que muitas vezes o "anti-" acaba tendo um comportamento muito parecido com seu "rival". Ele apenas troca o McDonald's por um bar de esquina (pra se fazer de pobre e mostrar como ele é legal). Nós, os "anti-", somos muito complexos e tristes. O que nos diferencia realmente dos de classe média padrão é essa tristeza. Não, eu não vejo muita esperança para a classe média padrão. Não vejo esperança para os "anti-". Nem para os ricos. Apenas os pobres (os que ainda não correm riscos de passar fome, mas ainda possuem rendimentos modestos demais para ser classe média) são felizes, porque não têm que se preocupar com as aparências. E se percebem o abismo em que o mundo está caindo, rezam a um Deus porque não podem fazer muita coisa mesmo... Mas eu queria dizer coisa melhor que isso... ainda que eu não consiga, um beijão pra ti!!!