Sou um Leitor errático de blogs. Todo mundo sabe da minha implicância com os blogueiros. Mas, mesmo assim, eu acho que alguns blogs, para mim, valeram a pena - me ensinaram alguma coisa. Por isso, esta lista. Não é definitiva; muito menos, completa. Por definição, é injusta - porque eu sei que não leio o que deveria ler; porque, apesar de "profissional da Web", sei que não sou grande coisa como navegante; e porque até, de certa forma, sou (vejam só) um "conservador" em matéria de blog. Minha lista remete quase que às fundações da internet. E eu falo da minha turma. Não tem como escapar. Ainda que saiba das invasões bárbaras...
* Catarro Verde - Eu sei que teve gente que começou antes. Eu sei que tem um monte de coisa ali que não foi ele que inventou. Mas, para mim, o blogueiro por excelência é o Sergio Faria. A meu ver, ele forjou uma linguagem para o negócio - o que é tão ou mais importante do que inventar um formato, uma ferramenta, um suporte. O Sergio Faria diz que é publicitário e eu, durante muito tempo, acreditei que o blog fosse um formato ideal para publicitários (por sua causa): frases curtas, slogans, citações. Além disso, o Sergio Faria é pioneiro no uso indiscriminado de palavrões e na narrativa escatológica em primeira pessoa. Com pruridos literários (vocês precisam ver o quanto ele me xingou quando eu o republiquei e mudei algumas coisas...). Não acho que seu furo jornalístico, hoje histórico, seja importante. Acho que qualquer um poderia ter dado e que seus comentários é que vão ficar (não o aspecto noticioso deles). Muito me intriga que ele não se revele até hoje (Sergio Faria é um pseudônimo). E, depois de tantos anos, ainda me pergunto aonde ele quer chegar com esse jogo de esconde-esconde.
* Por um Punhado de Pixels - O Nemo Nox deveria vir antes, mas só o li depois. Por indicação do Rafael Lima, que muito o admirava. Quando eu era um colunista independente ("quando eu era criança pequena lá em Barbacena"), queria publicar na Esfera - revista do Nemo Nox. Ele publicou um comentário meu (instead), na seção "cartas", como se eu fosse uma personalidade. Particularmente, o jornalismo cultural das revistas eletrônicas do Nemo não me influenciou; mas poderia ter influenciado. Acho que, como um dos desbravadores, ele é subestimado. É tão importante quanto o Cardosonline (COL, para os íntimos; embora não tão moderno para a Folha). Não leio tanto o seu blog quanto deveria, mas dou-lhe o crédito de Rei dos Títulos: Burburinho, Pijama Selvagem (ainda que similar ao da New Yorker) e, lógico, Por um Punhado de Pixels. Não gosto muito da sua abordagem quase nerd da cultura pop. (Quando você encontra um erudito nesse universo, fica se perguntando o que ele faria se descobrisse o highbrow.) Contudo, o Nemo é uma referência. Forever.
* Mario AV - Outra dica do Rafael Lima. Dos primórdios. Confesso que antes de ver a cara dele, e de ele se apaixonar, eu o admirava mais. Ficou parecendo que - desculpe, Mario AV - só queria arranjar uma namorada. Esse tempo todo... Houve uma época em que o Mario AV detinha o monopólio dos insights. É insuperável o seu Lula Sem Barba - ainda que ele ignore a maior parte das interpretações. Admirei quando o vi na Play (seria miragem?); e deixei de admirá-lo quando citou o Sassá Mutema, como base para argumentação... Acho que sua importância reside no fato de ter vivido intensamente os internet years e de ter forjado uma primeira "existência virtual". Tanto que, quando se apaixonou, queria dividir tudo com todo mundo. Ele não vivia sem a Web (em suma). E a internet seria outra sem o Mario AV (apesar do chavão).
* Pensar Enlouquece, Pense Nisso - O Inagaki. Acho que começamos juntos, ou ele começou antes... - não sei. Sei que um dia recebi um e-mail pedindo para assinar o(a) Spamzine. "Assine djá!" - me pareceu coisa de japonês (ele ouvia reggae?). Apreciava o pessoal de lá. Havia paixão naquelas newsletters. (Uma inspiração a partir do COL? "Mistérios da meia-noite/ Que voam longe/ Que você nunca/ Não sabe nunca/ Se vão, se ficam/ Quem vai, quem foi"). Uma pena que os spamzineiros tenham decidido seguir carreira solo e que, com a revolução dos blogs, tenha havido a desintegração do site. Mas foi bom pro Inagaki. Ele, merecidamente, se consagrou. É provável que seja mais lido do que o mais lido dos Colunistas do Digestivo Cultural (of all times). Do COL. Mais do que o Alexandre (digo, o do blog). O Inagaki tem essa facilidade de falar pra todo mundo. É pai de todos os blogs populares. Deve ser fogo sustentar essa fama. E servir de vidraça para desocupados de plantão... Pelo que ele fez, merecia ser absorvido - há muito tempo - pela mídia grande. Não sei a quantas anda o seu saco - para continuar blogando -, mas os donos de jornal estão bobeando.
* No Mínimo Weblog - Seguindo na linha Pais Fundadores, o Pedro Doria. Não sabia - soube em cima da hora - que o Pedro publicou um dos primeiros livros sobre a internet brazuca. Foi em 1996. Num outro que li, sobre o boom, ele era uma referência bibliográfica. Foi colega do Rafael Lima (sempre ele) na engenharia da UFRJ (Fundão). Depois meu colega de debate no Itaú Cultural (mais pra frente conto essa história...). Acho que o Pedro é um dos únicos no Brasil que leva a coisa realmente a sério. Quer profissionalizar. Cobra mais blogs de repórteres. Tem como referência os EUA, é claro... E ele próprio faz um trabalho incansável, lá no No Mínimo. Não sei se o público, de meia-idade, entende o que ele faz. O Pedro Doria, como muitos jornalistas - como eu, aliás -, ficou emparedado entre a nova e a velha geração. Seguindo a tradição da velha, mas falando no formato pra nova. Não sei se funciona. No meu caso, tenho dúvidas. Mas o Pedro, embora um apaixonado, não sei se se apega muito a essa história de WWW. É um simpático nato; é um político nato. Seu destino é o horário nobre, se bobear. Mas que não seja, pelo amor de Deus, outro Pedro Bial.
* Failbetter - Daniel Pellizzari, outro founding father. Não por ser blogueiro, mas por ser autor - e pelo COL (Cardosonline). Quando li o livro Wunderblogs (eu li, Wunderbloggers), foi quem mais me chamou a atenção. Era um escritor pronto. Pedi seus livros, mas ele nunca me mandou. (Uma das coisas das quais mais me arrependo foi ter deixado todos os volumes da Livros do Mal a cargo de um Colunista local...) É o artista mais verdadeiro da nossa geração. Conforme o clichê, há arte em tudo o que ele faz. Desde o perfil no Orkut, até as fotos, até as declarações, até o codinome: Mojo... E, como é natural, tem um batalhão de fãs. Eu me encontro nessa posição. Me disse uma vez que não dava bola pra política. E que a última coisa que lhe interessava era o blog. Acabou. Com razão. Estou esperando seu novo livro. E, quem sabe, conhecê-lo na Flip deste ano (no ano passado, perdi um churrasco armado pelos Escritores do Mal - me desanimou o cabelo da Clarah Averbuch e a postura rocker em geral...). Mas o Mojo sempre me pareceu vasto. É o tipo de figura sobre a qual se pode engendrar um mito. Uma mitologia. Se o "sistema" não fosse tão cego, surdo e mudo, ele já teria estourado.
* Atematica - Por último (last but...), o Lisandro Gaertner. Sei que ele nunca se decide entre site e blog. Para mim, está mais para site. É outra "dica" do Lima. Publiquei ele cedo no Digestivo, mas não engrenou. E o Lima falava: "Se você conseguir fazer o Lisandro voltar a escrever..." É o maior escritor de diálogos da nossa geração. Seu destino é a literatura (apesar de que eu não sei se isso é destino ou se é condenação). Seu blog é um exemplo de antiblog (ou, por outra, de blog): quase morre sem atualização; já ressuscitou em diversas formas; se lixa para as atualidades noticiosas. Acho que o Lisandro acredita em inspiração; é um dos últimos moicanos. E, também, em humor. Do tipo do Millôr (o Voltaire-que-não-foi, segundo Francis). Juro que se tivesse uma revista literária, iria encomendar um conto do Lisandro. Mas não tenho; fica o recado. Sigo publicando ele aqui de vez em quando; mesmo que, na realidade, nunca se adapte. Sua principal diversão é implodir com a forma - e com o tema lançado. Sempre me complica as Chamadas. E os Comentários dos Leitores são uma lástima. Invariavelmente não percebem a piada. Não sei o que ele faz; não sei o que acontecerá com sua carreira de escritor - mas sei que é muito melhor do que, por exemplo, a Fernanda Young, que ele critica tanto.
* Apeirophobia - O Adrian Leverkuhn foi o primeiro blogueiro que eu percorri de post a post. Li todo. Assim que encontrei. (O que, infelizmente?, não faço agora.) Seus links, suas observações, seu jeito de ser... eram de alguém de outro mundo. Não sei porque adotou o nome do personagem de Thomas Mann; não precisava. (Até hoje não sei se é mesmo o seu nome...) O Adrian é emblemático por misturar tecnologia com ciências humanas; como quase todos os desbravadores da WWW. Mas sempre foi um humanista profundo; a ponto de apontar falhas num artigo de Luís Antônio Giron sobre Wittgenstein na Cult... Tem, como alguns tecnólogos de humanas, um passado de superdotado na escola. (Quando eu tinha 12 anos e programava em Basic, meus colegas me apontavam como "superdotado" já que eu correspondia à descrição do Globo Repórter...) Tentei aliciá-lo para o Digestivo Cultural. Até hoje não sei se funcionou. É outro rebelde da forma... O último artigo que me enviou pareceu, à primeira vista, indecifrável; eu nunca tinha ouvido falar em David Foster Wallace, nem em Infinite Jest. Tive de pedir ajuda para os universitários. A Coluna virou referência no assunto (outro dia apontada pelo Daniel Galera, da Livros do Mal). O Adrian é outro que a internet (ou a mídia) deveria preservar.
* Atire no Dramaturgo - O Mário Bortolotto foi uma indicação, em teatro, da Rennata Airoldi. Descobri o blog depois. Pode até ser o Marcelo Mirisola da dramaturgia, mas acho-o muito melhor do que o Mirisola. Se todo mundo tem de ter o seu escritor tosco por eleição, o meu é o Bortolotto. Leio e acho autêntico. Leio e o "mau gosto", a forma bruta, não me incomoda(m). Não imagino outro Bortolotto "limpinho" e "de bom gosto". Já, leio o Mirisola e acho falso. Como se estivesse forçando uma situação. Como se quisesse ser o contraventor, mas, no fundo, fosse apenas... o filhinho da mamãe. Sei que são amigos; mas têm de respeitar o que eu acho (ou o que me parece, ao tomá-los de maneira literal). Publiquei o Bortolotto no Digestivo. Não tenho certeza se foi bem recebido. Foi uma atitude radical. (Até meu pai reclamou, na ocasião.) Hoje acho que o Bortolotto fala muito dos seus amigos e das baladas deles; mas foi quem me despertou, novamente, para os blogs. Estou devendo uma crítica de suas mais recentes peças. Não sei se tem condições de ser absorvido pela grande mídia (apesar da Folha); nem sei se é essa a sua ambição. Acho que é o Plínio Marcos da contemporaneidade (considerando-se exatamente o mesmo gap entre Nélson Rodrigues e o Plínio Marcos original).
* MadTeaParty - É a última da lista porque foi a primeira que eu descobri nesta minha recente fase (de "blogueiro" e de leitor de blogs), e que já posso incluir no meu cânone. Outros estão à espera na minha lista de bookmarks, mas só a DaniCast consegue me cativar. Conheci-a através de um release, mas depois descobri que ela era chegada ao pessoal do(a) Patife (da Ana Elisa). O melhor de tudo é que ela é designer, e ex-empreendedora; e não literata, escritora ou wannabe. Tem, obviamente, "um outro olhar" que me interessa bastante. Então seu blog, para mim, apesar de uns bloggers conhecidos, foi uma total novidade. Revelando uma nova geração de blogueiros de quem eu nunca ouvira falar. Metade dos links que passo (no Blog do Digestivo) vem de lá. É uma indicação confiável, as far as I'm concerned. Foi um vício já... Aporto de tempos em tempos no MadTeaParty - como faço, praticamente, com nenhum outro blog. Tem aquele tom pessoal sem ser chato (nem pedante); tem aquele toque feminino sem ser feminista (ou militante). A Dani tem vivência - esse é o seu grande diferencial. Long life à DaniCast e aos seus "chás".
Vocês devem ter reparado que eu ando meio nostálgico às vezes, como se sentisse a urgência de deixar registrado... Muitas vezes olho para a internet-de-antes-da-inclusão-digital e penso que, quando ela chegar (a "inclusão digital"), vamos ser todos uma civilização gone with the wind... (E olha que eu não sou sulista, nem escravagista, nem muito menos a favor do regime da plantation.) Somos uma elite hoje. É inegável. Estamos falando, em grande medida, de nós, por nós e para nós. Como o jornalismo, durante um tempo, falou. Antes da televisão... A internet vai ser invadida; é bom se preparar. Estamos no final da última glaciação. Aguardem a Web de Caras, os blogs dos apresentadores do domingão, os fotologs dos paparazzi... Ninguém vai ler nossos textos mais; vamos sair das listagens do Google. Alguém, algum dia, vai perguntar: "Cadê aquela Idade de Ouro?" E estaremos todos vivendo a "vida real".
Aí, Julio, obrigado pela menção ao meu ex-blog, e aproveito pra enriquecer (ou poluir) a sua resenha com uns comentários. Editados para caberem no espaço... A primeira razão do fim daquele blog foi a implosão do ego. Parei quando percebi que eu estava me levando a sério demais, perdendo noites de sono em debates sem consequência prática nas janelinhas de comentários. Não sou referência em nenhum dos assuntos que desenvolvia (minhas especialidades são outras), mas ali buscava uma infabilidade impossível. Desenvolvi alergia da minha auto-indulgência - uma doença contraditoriamente salutar. O blog me intoxicou de narcisismo proto-intelectual e precisei tirar um longo descanso. Se eu fazia o blog para arrumar uma namorada? Se fosse assim, teria ido para as baladas em vez de editar obssessivamente uma página na Web ao longo de três anos. Nesse tempo todo, estive só por apenas dois meses, durante os quais não escrevi nada. Quem me lia não deveria saber, porque eu não falava de vida pessoal. Escrevia para fora, para despejar idéias, não trocá-las por outras. Era um pregador - chato, como qualquer pregador. Esse é o segundo motivo de eu ter parado: a chatice. Nesse ponto, acho que muitos blogueiros na ativa precisam fazer uma permanente auto-análise para checarem se não se atolaram na conveniência inócua da pregação, na auto-importância fútil de fazer e desfazer inimigos virtuais e a auto-satisfação vazia dos elogios da claque. Existem outros meios mais eficazes de fazer o mundo e a si mais felizes. Não anseio para que me admirem (fora a minha mulher, família, chefes e funcionários, é claro ;-), mas não entendi nem me lembrei do "Sassá Mutema". Não teria sido alguma ironia mal entendida? Muito do que escrevi no blog não é pensamento genuíno, era mais como uma antena do Zeitgeist contendo frequente emulsificação de sinapses situadas em campos intelecto-ideológicos incompatíveis. Mas não se preocupe em ressuscitar esse ponto: o tempo correu e desautorizo minhas opiniões passadas por atacado; até tirei o site original do ar sem remorso. Terceira razão para eu ter parado: radicalismo fácil. Sobre o Lula Sem Barba, a interpretação é livre. Por isso mesmo ele é legal. Se eu pusesse legenda, mataria a imagem. O que não falta na internet é explicação e tutelagem. Pelo contrário, sempre superestimei a inteligência das pessoas que me visitavam... Por enquanto é isso - tá vendo? É só me provocar que volto à velha brincadeira :-D Abracetas!
E pensar que, tempos atrás, li uma coluna sua falando do qto detestava esse fenômeno blog. Acho que por causa daquele texto coloquei aqui a minha opinião e hoje vejo que vc se rendeu, o que me deixa muito feliz, sabia? Alias, a Dani foi uma ótima "aquisição" para o Digestivo, Julio. Ela é ótima e o blog dela, tb. abrs, andrea augusto
Realmente os blogs citados são uma referência - nostálgica - da Internet antes da suposta "crise de conteúdo do século XXI". Essa interação que a Web proporciona nos redime do narcisismo de pensar que publicamos das núvens. Acredito que existam algumas pérolas pela rede, esperando um encontro com leitores de crítica honesta. Pois tanto quanto precisamos de pessoas que saibam o que escrever, precisamos de críticos que nos façam crescer. Grande abraço.