Corria o distante ano de 2001. Nessa época eu colaborava com os sites Esfera
e Pijama Selvagem, ambos de Nemo Nox, o cara mais criativo que já conheci na
internet brasileira. Em uma das trocas de e-mail ele me convidou para
conhecer o Por um Punhado de Pixels. Achei que era um site estranho e não
entendi muita coisa. Era um blog. Na verdade, naquele momento eu estava
tendo contato com o melhor blog que já pude ler, mas não sabia o que era.
Cerca de um ano depois, uma aluna me convidou para conhecer seu blog, o
Humano, Demasiado Humano (atualmente fora do ar). Foi a primeira vez que
ouvi falar diretamente do assunto. "Ora professor, agora todo mundo está
tendo seu blog!", dizia ela.
Uma pesquisa básica sobre o tema não me deixou uma boa impressão. Deparei-me
com uma infinidade de páginas que pareciam só ter interesse para seus
autores e mais um ou outro indivíduo. Os posts se limitavam a frases do
tipo: "Ontem o Beto ficou de me encontrar no cinema e furou. Odeio o Beto!"
ou "A Mariana comprou celular novo. Fiquei morrendo de inveja".
Já é sabido e conhecido o fascínio do brasileiro por fofoca, o que explica o
sucesso de blogs desse tipo e de programas como o Big Brother, mas era
aterrador imaginar que não havia inteligência na internet. Será que todos os
blogueiros estariam preocupados apenas com seus umbigos, com a tinta de
cabelo ou com namoricos? Nada de mais interessante ou substancial?
Felizmente meus temores eram exagerados. Logo fui descobrindo endereços que
pareciam ir na contra-corrente. Seus autores estavam interessados em
explorar as possibilidades do novo meio e estavam criando uma nova linguagem
na internet, inclusive do ponto de vista jornalístico.
Da mesma forma que a televisão no Brasil surge do rádio e no começo tenta
imitar sua linguagem, a internet surge inicialmente como uma imitação dos
veículos impressos. Vide a grande quantidade de jornais e revistas com
versão on-line. As pessoas que escrevem esses textos parecem, na maioria,
estar usando um paradigma antigo para uma situação nova. A nova linguagem da
internet, inclusive jornalística, parece estar se desenvolvendo nos blogs.
A possibilidade de interação, por exemplo, tem sido plenamente explorada.
Além dos comentários, fórum óbvio de discussão dos assuntos, os posts
parecem cada vez mais ser direcionados pelos estímulos que vêm dos leitores.
Um manda uma poesia, outro faz um comentário, que é respondido pelo autor do
blog. Temas que fazem sucesso são retomados...
A forma como a notícia é tratada pelos blogs também pode ser um parâmetro
interessante. Primeiro, óbvio, a instantaneidade. O fato mal está
acontecendo e os blogs já o estão noticiando. A formatação pessoal do
veículo, que originalmente deveria ser um diário, faz com que blogueiros
experimentem ir além da cartilha da objetividade jornalística. Textos em
primeira pessoa, a interpretação em consonância com a notícia, fazem o
diferencial.
Por outro lado, a grande facilidade de produção de um blog faz com que ele
tenha pouco comprometimento com organizações (empresas, governos). Por essa
razão, blogs têm divulgado informações que são escamoteadas pela grande
imprensa, ou porque a notícia é danosa para os interesses de poderosos, ou
porque ela é de interesse apenas de um pequeno grupo. Em meio à aldeia
global, ressurgem as singularidades, o interesse pelo pequeno, como, por
exemplo, noticiar algo que interessa a um bairro, a uma cidade, a uma
classe, como a de professores.
A Amazônia, por exemplo, é uma das regiões mais comentadas, mas também das
mais desconhecidas do Brasil. Os veículos que se propõe a ser porta-vozes
dessa área, ou estão sobre controle de grupos de interesse, ou têm alcance
geográfico segmentado, ou a vêm com olhos de colonizador, como o Globo
Repórter falando que aqui não se come frutas e esquecendo que o açaí é a
base da alimentação local.
O desconhecimento é tão grande que, certa vez, em uma loja em Curitiba, a
vendedora insistia em tentar vender para minha esposa um casaco de couro. Eu
pacientemente expliquei que morávamos em Macapá e que nunca íamos ter
oportunidade de usar uma roupa como aquela em nossa cidade. A moça fez cara
de quem não estava entendendo: "Mas na Amazônia faz frio como aqui em
Curitiba, não faz?". Os blogs podem refletir essas realidades locais melhor
do que outro veículo, pois a sua voz é a voz de quem mora e está vivendo
aquela realidade, uma voz que não fica restrita a um local geográfico, mas
pode se expandir na rede.
Por essa razão, minha lista de blogs, além daqueles que considero
interessantes e visito semanalmente, inclui também alguns blogs de autores
amazônicos, a maioria desconhecidos de leitores do sul-sudeste. É uma ótima
oportunidade de conhecer, mesmo que virtualmente, a região.
Alcinéa - Alcinéa Cavalcante é de uma tradicional
família de jornalista amapaenses. Seus posts falam na maioria de assuntos
políticos do Amapá e da Amazônia, mas também há espaço para mensagens mais
descontraídas, como as que falam da Banda, o maior bloco de sujos da
Amazônia, que se desenvolveu no Amapá no vácuo dos deficientes desfiles
carnavalescos.
Corrêa Neto - Trata-se de um site comandado por um
dos mais polêmicos jornalistas amapaenses. Embora seja um site, traz a
coluna Geléia Geral, no formato de blog, no qual Correa Neto dá suas
opiniões sobre fatos que vão da política à ecologia.
Paulo Ronaldo - Blog de um poeta amapaense. Mistura poesia com listas de preços praticados em Macapá e costumes locais.
Por um Punhado de Pixels - O melhor blog no
qual já pus os olhos. Visita obrigatória para quem quer conhecer blogs inteligentes, de visual limpo e eficiente.
Franco Atirador - Blog de Lúcio
Manfredi, roteirista da Globo (co-autor, entre outros, da minissérie Um só Coração). Manfredi faz ótimas críticas de filmes, do ponto de vista do roteiro, e fala sobre magia do caos e psicologia junguiana.
Mude - Blog do poeta Edson Marques, que
foi plagiado por Cecília Meireles, num caso único de plágio post-mortem. Explica-se: a poesia "Mude" ("Mude, mas comece devagar,/ porque a direção é mais importante/ que a velocidade./ Sente-se em outra cadeira,/ no outro lado da mesa./ Mais tarde, mude de mesa./ Quando sair,/ procure andar pelo outro lado da rua./ Depois, mude de caminho,/ ande por outras ruas,/ calmamente,/ observando com atenção/ os lugares por onde /você passa...") foi usada em um comercial da Fiat e creditada à Cecília. Como os parentes da escritora
receberam direitos autorais, negam-se a admitir quem é o verdadeiro autor, apesar de todas as provas em contrário. Além de detalhes da polêmica, o blog traz ótimas poesias do autor.
Leitura Aleatória - Blog daquela aluna que primeiro me falou sobre blog, a Carol Assis. Resenhas de filmes e livros misturam-se a posts sobre literatura e música amazônica (inclusive muito rock!).
O Contador de Histórias - Blog de Paulo Zab. Além de notícias sobre cultura, traz informações curiosas, como o nome e o e-mail dos deputados de Rondônia que foram filmados pedindo propina ao governador. Também traz artigos interessantes, como um sobre o "estranho hábito amazônida" de tomar vários banhos diários.
Eu achei muito bom teres sido chamado para escrever sobre blogs, Ivan. Afinal, nossa pespectiva de blogueiros amazonidas é diferente das demais regiões, lembrando ainda que nós ainda estamos começando a criar uma rede blogueira aqui no estado, acho que a grande maioria dos blogs indicados aqui são bem recentes... o que quer dizer que também os leitores destes veículos estão começando a entender como isso funciona. Tem gente que entra lá no blog e não sabe que pode participar do papo apertando naquele espaço para comentários, o que também pode ser uma decorrência dos nossos antigos modelos de nào-interatividade. Pra mim o blog acabou virando meu único refúgio como recém formada e desempregada ...então enquanto isso, eu fico aqui e escrevo da minha casa. Abraços Gian e obrigado pela indicação. P.S cade os coments lá do seu blog, hein? Poe de novo...
Isso é muito bom. Na verdade, quando eu criei o blog "O Contador De Historias" tinha a intenção de estar trocando idéia, basicamente, com os meus amigos e alguns amiguinhos da internet, mas depois que se começa a escrever algo e se observa que começam a aparecer pessoas que você não conhece dizendo que gostaram do que você escreveu ou que concordam e discordam, enfim, discutem sobre a sua produção... Tudo isso gera um certo sentimento de satisfação. Foi o que aconteceu agora, pois jamais imaginaria que meu blog fosse comentado em outro lugar, isso prova que há pessoas que visitam estes lugares sem você imaginar!Há braços.
Caro Gian Danton, muito bom o seu artigo. Principalmente quando falas das particularidades dos blogs e suas capacidades de influenciar outras realidades. Também gostei de ter colocado os blogs de Amapá, como bem disse a Carol, os blogueiros da Amazônia postam uma outra realidade e ainda estamos na primavera desse mundo. Toco um blog onde tento mostrar a realidade de uma cidade no Coração do Amazonas: Coari e seus arredores. Como no Amapá são poucos os blogueiros por aqui que tratam das questões regionais, a maioria quer ir caminhando imitando os blogueiros de sucesso em nível naiconal. Parabéns pelo artigo. Abraços e continue.
Gian, eu sou macapaense, porém moro há 11 anos em Campinas/SP, e gostei de saber, através de seu texto, um pouco mais sobre os blogs amazônicos. Alguns, por surpresa e satisfação, eu já havia visitado e vi listados aqui. Gostei de saber que muitos internautas possuem essa preocupação e dedicação com sua produção, não apenas fazem do blog uma mera caderneta de recados, como muitos que infelizmente, como você, já tive a decepção de conhecer. No entanto, posso sugerir, para tentar entrar na sua lista de preferidos, e na de outros possíveis leitores, outro blog de uma colega de palavras de Brasília, chamada Tamara Costa. Dê uma olhada, avalie e tire suas conclusões. Até mais, um abraço!