Para compreender o Oriente Médio contemporâneo, infestado pelo ódio, pelo fanatismo religioso, pelo terrorismo endêmico e por um visceral sentimento antiamericano, é imperioso retroceder até meados do século XX, uma época de profunda transição no mundo, quando dois acontecimentos de capital importância alteraram dramaticamente o curso da região. O primeiro deles, foi a fundação do Estado de Israel, em 1948, uma antiga reivindicação do movimento sionista criado no final do século XIX, e que lançou árabes e judeus num longo conflito que se arrasta até os nossos dias. Já o segundo, embora aparentemente menos marcante, foi tão incrivelmente determinante para os rumos políticos do Oriente Médio que, caso não tivesse ocorrido, provavelmente viveríamos, atualmente, num mundo muito mais pacificado. Refiro-me, é claro, ao odioso golpe de estado patrocinado pela CIA que, em agosto de 1953, depôs o governo democrático e constitucional do Irã, encabeçado pelo primeiro-ministro Mohamed Mossadegh.
Mossadegh era uma figura política titânica e de ética inabalável, além de um arrebatado nacionalista ferreamente comprometido com a autonomia do seu país e o bem-estar do seu povo, que, por sua vez, o adorava maciçamente. O Irã do início dos anos 1950, quando ele foi eleito primeiro-ministro, era uma terra economicamente arrasada. Durante décadas, soberanos corruptos, despóticos e hedonistas, a fim de sustentar seus vícios e luxos, literalmente pilharam o Irã, contraindo dívidas impagáveis e, mais tarde, já no século XX, entregando à cobiça estrangeira o ativo, ainda hoje, mais precioso do país: o petróleo. Dessa maneira, nasceu uma das maiores aberrações corporativas do século XX, a Anglo-Iranian Oil Company, uma empresa estatal britânica que se apoderou do petróleo iraniano, com o beneplácito dos governantes do país e explorou-o livremente e de maneira predatória por anos ininterruptos sem dar à miserável e alquebrada população local, as devidas contrapartidas financeiras a que teria direito. Desde sempre revoltado com essa vergonhosa e humilhante submissão ao poder estrangeiro, Mohamed Mossadegh, ao chegar ao poder, tratou de nacionalizar a Anglo-Iranian Oil Company e tomar posse da monumental refinaria de Abadan - a maior do planeta - construída pelos ingleses, na costa do Golfo Pérsico. A Anglo-Iranian era o negócio mais lucrativo da Inglaterra em todo o mundo e a sua nacionalização gerou uma caudalosa crise internacional que culminou com a conspiração que depôs Mossadegh - apelidada de "Operação Ajax".
No livro Todos os Homens do Xá (Bertrand Brasil; 282 páginas; 2004), o jornalista norte-americano Stephen Kinzer, veterano correspondente do The New York Times e que já trabalhou em mais de cinqüenta países, não somente reconstitui, com detalhes, os bastidores desse episódio trágico e decisivo da história iraniana, como nos revela os seus desdobramentos, ao sugerir uma evidente conexão com diversos acontecimentos que, anos mais tarde incendiaram o Irã e o Oriente Médio - e conseqüentemente o mundo. Os Estados Unidos, que até 1953 eram vistos com grande simpatia pelos iranianos, como um país democrático e promotor das liberdades, ao contrário da Inglaterra ainda presa a obtusas práticas colonialistas, tornaram-se imediatamente alvo de grande ressentimento. Ressentimento esse que, por sinal, perdura até hoje, já que os iranianos nunca perdoaram os norte-americanos pelo golpe e por torpedear a única oportunidade concreta de democracia que o Irã teve em toda a sua História. A queda de Mossadegh, deu ao soberano do Irã, o xá Mohamed Reza Pahlavi uma força extraordinária para se impor como ditador. Durante vinte e cinco anos, apoiado por uma polícia truculenta, a SAVAK, o xá tiranizou o país, perseguiu sistematicamente os opositores do regime, fechou sindicatos e restringiu liberdades civis, levando a resistência a se cristalizar em torno do Islã que, já no final dos anos sessenta, com o declínio dos movimentos nacionalistas como o Pan-Arabismo, emergia no Oriente Médio como a grande ideologia predominante. Foram essas circunstâncias que favoreceram o fortalecimento do clero xiita radical na posição de opositores maiores do regime, abrindo caminho para a tempestuosa Revolução Islâmica de 1979, comandada pelo aiatolá Khomeini, que depôs o xá e instalou uma teocracia no Irã.
A queda de Mossadegh (E) levou à revolução de Khomeini e aos ataques aos EUA
De acordo com o raciocínio de Stephen Kinzer - raciocínio este que, se pensarmos bem, faz todo o sentido - o elo entre a Operação Ajax e os monumentais atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos é inegável. Em primeiro lugar, porque uma das causas do ódio que muitos muçulmanos, não somente iranianos, dedicam aos Estados Unidos foi, sem dúvida alguma, o golpe de 1953. E, além do mais, a Revolução Islâmica de Khomeini - que jamais teria acontecido, caso Mossadegh não houvesse sido deposto e substituído por uma ditadura pró-Ocidente - contagiou os corações de fundamentalistas em todo o mundo muçulmano, incentivando, a partir da década de oitenta, a aparição de inúmeros movimentos beligerantes de inspiração religiosa como o Hamas, o Hezbollah e o Talibã.
No entanto, o maior mérito de Todos os Homens do Xá é esclarecer alguns pontos que permanecem obscuros na mente da maioria das pessoas que acompanham, à distância, o desenrolar dos acontecimentos no Oriente Médio sem compreender direito porque o mundo muçulmano alimenta tanta animosidade contra o Ocidente, seu estilo de vida e suas conquistas civis e comportamentais. No caso do Irã, o livro é bastante claro ao demonstrar como o isolamento voluntário do atual regime islâmico é nada mais do que uma reação natural aos muitos anos em que o país foi explorado por interesses estrangeiros. Não é exagerado afirmar que o Irã só assumiu a sua plena soberania como nação a partir da revolução de 1979, quando passou a guardar um estratégico distanciamento de todos os outros países, incluindo os seus vizinhos árabes.
Já no que tange à política externa norte-americana, a narrativa de Stephen Kinzer apenas reforça aquilo que todos nós já estamos fartos de saber: que a atual onda de terrorismo que apavora os Estados Unidos e seus aliados é, acima de tudo, uma conseqüência óbvia das várias intervenções americanas no Oriente Médio - da queda de Mossadegh, passando pelo financiamento do regime de Saddam Hussein, no Iraque e pelo apoio ao movimento Talibã, no Afeganistão. E sugere que a cura para o antiamericanismo depende, exclusivamente, dos próprios Estados Unidos. Ou seja, enquanto os norte-americanos não adotarem uma postura menos arrogante em relação aos países muçulmanos e não aprenderem a tratá-los decentemente, respeitando as diferenças culturais e não colocando os interesses econômicos (leia-se petróleo) acima de tudo, o diálogo entre Islã e Ocidente permanecerá crítico, o mundo seguirá inseguro e bombas continuarão explodindo, seja em Nova York ou Londres, seja em Cabul ou Bagdá, alimentando uma espiral insana de violência, cujo fim, a cada dia, parece mais improvável.
No 9/11, as crianças perguntavam a seus pais: por que eles nos odeiam tanto?
O triste é que nem eles sabiam. Para o americano médio tudo se explica com outra frase infantil: É porque eles odeiam nossa liberdade!
Liberdade é o melhor dos mundos, mas tem que ser praticada dentro e fora de casa. Americanos e ingleses ainda não entenderam isto até hoje.
Nenhum evento pode ou deve ser analisado pontualmente, como algo isolado, solto no espaço e no tempo. Os ataques terroristas que têm abalado o mundo, causando a morte de crianças e de pessoas inocentes, nos enchem de horror e nos causam repugnância. Entretanto, como bem mostrou seu artigo, eles não passam de uma reação de quem não possui outras armas a não ser o terror. Costumo comparar os atuais atos terroristas com o que aconteceu na segunda guerra mundial, quando civis organizaram-se formando a resistência francesa, comandados pelo general De Gaule desde a Inglaterra. Os atos dos resistentes eram de sabotagem explodindo trens, pontes e fosse lá o que fosse, para impedir o avanço das tropas alemães. Por nós, aliados, eram considerados heróis - os heróis da resistência. Será que pelos alemães foram também considerados heróis ou meros terroristas? Ridícula e descabida é a "guerra" contra o terror pois ele não se origina em um país, mas em uma ideologia ou reivindicação. A batalha contra o terror só pode ser vencida ao redor de uma mesa, ou seja, de forma política, através de discussões e acordos. Ainda assim, não será fácil, como não é fácil a solução de qualquer problema onde esteja envolvido poder econômico e fanatismo religioso e, pior que tudo, a hipocrisia e a ambição inerentes aos humanos. A situação é escabrosa e a curto prazo não vejo solução satisfatória. Infelizmente os humanos tornam-se a cada dia piores. A evolução científica não corre paralelamente à evolução espiritual. A última está muito aquém do desejado, especialmente em termos coletivos. Individualmente o homem quer a paz, mas, coletivamente, não trabalha para alcançá-la. Parece mesmo que quanto mais avança na tecnologia, mais engatinha e cai na escala espiritual de homo sapiens. Afinal de que adiantou a postura ereta se não sabemos andar? Na mente não passamos de quadrúpedes!