Eu acabei me formando - depois de cinco anos e meio na faculdade - três vezes: uma formatura espiritual, com os amigos que entraram no curso comigo; outra prática, quando eu estava, apesar de ainda ligado à faculdade, praticamente formado; e a última, teórica, em que GV finalmente reconheceu que eu merecia estar em outro lugar. Tenho quatro camisetas de formatura. Nenhuma delas foi completa. A festa da formatura espiritual foi naturalmente a melhor. O fato de estar praticamente formado acelerou bastante minhas outras atividades, porque liberou tempo para eu me dedicar a elas. E a formatura teórica formalizou meu desligamento definitivo do ambiente universitário, pelo menos por enquanto e como estudante. O normal é que as pessoas concentrem essas três formaturas em uma só: depois de quatro anos do vestibular, com uma classe e em uma festa. Eu preferi diluir essa emoção. E pensei que a sensação de estar formado, para mim, seria menor em cada um desses momentos. Não foi.
E percebi isso com clareza quando vesti a toga e subi no palco para buscar meu canudo. A sensação não foi a de que aquela era uma formatura teórica. Ao contrário. Foi a conclusão do meu curso de graduação e, além disso, do meu processo de formatura: que já estava durando mais de um ano. Senti a emoção de um formando - em vez de dividida por três - elevada ao cubo. Foi uma realização e um alívio. E foi, sobretudo, um momento para repensar e relembrar o meu curso. E uma época da minha vida que - se não foi a melhor - acho pelo menos que aproveitei da melhor forma que pude. Hoje, não me sinto frustrado nem incompleto por nada que deixei de fazer. E se fiz menos uma coisa do que outra, se estudei mais um assunto em vez de outro, se me dediquei mais a uma atividade do que a outra, estou confortável em saber que experimentei o máximo que pude. Não há nada mais a fazer.
O começo do curso de Administração de Empresas foi, em vários sentidos, decepcionante. Achei as matérias e os professores, em geral, desconectados com o que acontecia fora do ambiente acadêmico. E isso mesmo em Administração da Produção, por exemplo. Parecia que faltava alguma coisa. E não era, decididamente, o que nos foi apresentado em Filosofia, Psicologia, Sociologia, e outros assuntos parecidos que só me entediaram. Era uma época em que eu estava absorvido - e disso me lembro bem - por temas como Ética. Eu me lembro de, numa ocasião, explicar para a classe a diferença entre a pegada de Kant e de Santo Agostinho; entre as Virtudes Cardinais e Teologais; sabia buscar a origem etimológica da palavra ética e conseguia detonar argumentos relativistas dos professores mais arrogantes. Não sei se estava certo nem se sei responder isso agora. Mas eram temas que me interessavam - e são muito mais atuais do que um sistema de controle de estoque japonês hoje em desuso.
Eu não acho que li muito durante a faculdade. Deveria ter lido mais, talvez. Ou começado antes. Mas combinei esse interesse por temas de filosofia com literatura - a literatura pura. E me convenci de que os romances são a expressão artística mais completa e mais influente. Huxley, Conrad, Twain, Exupéry e Proust ampliaram minhas perspectivas, espirituais e geográficas, até um ponto que não imagino ser possível alcançar de outra forma. Foi um momento em que Álvaro Lins também me apresentou impressões inéditas, sobre livros e personagens. Era muito mesquinho alternar esse tipo de estudo com Sistemas e Métodos num modelo atrasado, ensinado de forma arrastada. Busquei alternativas. Montei com amigos um grupo de discussão sobre política, que se reunia sistematicamente com professores e organizou seminários bacanas. Escrevi algumas edições de uma coluna literária para o jornal da faculdade. Nunca fui, porém, de viver no DA: preferia sempre, por exemplo, ir ao clube ou ao cinema à tarde. Adorava voltar sexta-feira para casa à pé, andando pela Paulista, num dia azul, comprar a Gazeta Mercantil, pelo "Caderno de Fim de Semana", e assistir a um lançamento no Espaço Unibanco ou no Cinsesc - depois de ler todas as resenhas sobre o filme.
Acho que vivi os melhores momentos da faculdade longe dela. No cinema, no clube, em casa - ou na casa de amigos e namoradas. Em Juneau, Havana, Pipa, Winnipeg, Varsóvia, Araguaína, Brugges. Viajei todas as férias, para vários lugares, em vários estilos e com várias intenções. Foi sensacional, por exemplo, com 19 anos, rodar por dois meses o Brasil de carro, por 12 mil quilômetros, como eu fiz nas férias com um amigo. Contei sempre com o apoio dos meus pais. É bom ser responsável. Certas experiências não se repetem mais: o roteiro pode ser o mesmo, mas a curiosidade e a disposição - maiores ou menores - são outras. E a viagem acaba sendo diferente. Fiz todas que consegui.
Eu escrevi, na na minha apresentação, que já quis ser marinheiro, tenista, fazendeiro, etc. Uma coisa não exclui necessariamente a outra. Hoje, avalio minha experiência na faculdade como extremamente positiva. Considerei seriamente estudar Direito ou Economia. Comecei a estudar História. Acho que acertei em escolher Administração. O curso - apesar de todas as falhas - me ofereceu uma formação prática que provavelmente eu não encontraria em outro ambiente. A GV me treinou a pensar racionalmente sobre assuntos diferentes. É importante entender como uma empresa funciona, porque - sem forçar muito - praticamente tudo que a gente consome é produzido por uma delas: de cinema a passagens de avião. É muito importante entender o que é VPL, IRR, margem de EBITDA, eficiência operacional, etc. - até porque vários conceitos de Marketing e Finanças ilustram precisamente situações que acontecem fora da empresa. Você reclama menos do mundo - que, em grande parte, é controlado por empresas mesmo - quando começa a entendê-lo. E pode até aproveitar a vida melhor também.
Muita gente tem preconceito contra o aluno de Administração e, mais ainda, da GV. Às vezes, o estereótipo coincide com a realidade: alguns alunos são malas mesmo, deslumbrados com o mundo corporativo, e adquirem hábitos e jargões de ambientes fechados, limitados, que imaginam ser os lugares mais interessantes e sofisticados do mundo. E nunca vão descobrir belezas mais sutis, que não têm capital aberto nem geram caixa. Só que essas são as exceções. Acho que a maioria das pessoas - a maioria das pessoas com quem convivi, pelo menos - também está interessada em temas que passam longe do cotidiano empresarial: da coleção de gravuras modernistas ao cultivo de abelhas exóticas. Não foi difícil, num ambiente assim, eu também encontrar o meu lugar.
Eu adorei a minha formatura. Para mim foi mais um ocasião para agradecer minha família, do que propriamente encerrar um ciclo de aprendizado e estudos. Sempre pensei, e penso, em continuar estudando. Quanto aos alunos de administração, sem querer generalizar, você é uma exceção. A maioria com os quais já interagi me dizem sempre que não ganharam muito com a faculdade. E a boa parte é meio mala mesmo, porque administração se conta por objetivo (este era o argumento deles, quando lhes perguntava porque faziam uso de tanta "jargonice"). Sinceramente, em termos de malice, os engenheiros não ficam muito atrás. Exceto que apanham muito na faculdade, aí saem com egos um pouco mais sob controle. Mas só para te deixar com a pulga atrás da orelha, os melhores livros de administração, e as maiores teorias foram feitas por engenheiros, e em especial engenheiros químicos! Vai entender... Boa sorte com sua carreira atual, e não deixe nunca de estudar.
Olá, amigo Edu,
Sinceramente, eu compartilho do senso comum sobre os GVs da vida – uns chatos! Felizmente, eu omiti informação, pois compartilho em parte. Conheço bem você e também conheço uma Isabel, que aproveita os ensinamentos em economia de mercado etc. pra trabalhar no dia-a-dia com a questão dos índios e crescimento sustentável na Amazônia. Devem, obviamente, existir mais exemplos, mas tendo você achado o seu lugar ou não, nunca é tarde pra relembrar Conrad: "Vivemos como sonhamos – sozinhos."
Abraço,