Passei estes últimos dias pensando no que escrever sobre o mensalão, ainda mais para o Digestivo Cultural, que é um site voltado para cultura. Hoje, um site para justamente fugir do assunto mensalão que toma conta do cotidiano no Brasil, desde a televisão ao bate-papo com o porteiro. Não estando no Brasil, o efeito desta saturação quase nem foi sentida por mim, assim como me habituei não a ficar indignado, mas a me perguntar o porquê. Porque, no fundo, todas estas coisas, do mensalão à deplorável conduta dos senadores e deputados na CPI, até a absoluta falta de domínio da língua de nossas Excelências, deve ter uma origem. Um significado. Não sou leitor do Paulo Coelho, mas acredito que todos os problemas têm origem em algum lugar, ao invés de simplesmente atribuir ao destino, à "chance". É mais fácil olhar para o lado, ou para frente, e ignorar tudo o que aconteceu se assumimos que se trata de chance, azar, que "tudo é assim mesmo".
Mas não é. Ou melhor, não era para ser. Como é que os habitantes de um país que tem cantores como Djavan e Milton Nascimento, de dicção perfeita, ou Chico Buarque, multicultural, ou ainda um Machado de Assis, gênio universal, podem estar torpes, trôpegos e cambaleantes a ponto de aceitar carregar nas costas a desculpa do destino? Os brasileiros que eu conheço, que eu encontrei ao redor do mundo, seja caminhando nos árduos caminhos de Rishikesh no Himalaia, seja trabalhando em Nova York ou estudando em Berkeley, ou vivendo e sorrindo no Rio de Janeiro, todos eles, sem exceção, sonham, lutam, já sonharam, alguns até desistiram, mas são sempre cheios de criatividade, vida e empreendedorismo. Me dizem: falta educação. Faltam oportunidades. Faltam caminhos. Mas seria essa a razão para termos deputados chorões se esperneando no Congresso, enquanto lambem os beiços por terem a visão de Shiva, e poderem olhar o futuro e saberem que estarão lá novamente?
Não é. Dizem que tudo começa na história do país, mais de quinhentos anos atrás. Se encontra na raiz de como o Brasil foi colonizado, e na atitude que os portugueses trouxeram para as capitanias que herdaram. Como se em mais de quinhentos anos nunca estivéssimos estado próximos a uma sociedade melhor. Como se toda uma população em mais de quinhentos anos não tivesse já esquecido de sua origem, das idéias que vinham lá de longe, e do provável empreendedorismo que todos estes indivíduos que desembarcaram no Brasil - mesmo que fosse para fazer contrabando de ouro e pau-brasil -, tiveram que fazer. Se os caminhos da história não nos foram favoráveis, pode até ter sido culpa das sementes do passado. Mas se frutas podres caem na cabeça dos brasileiros hoje, é falta de cuidado, falta de observação do presente. Basta encontrar a árvore, medicar e consertar, ou senão cortar pela raíz. A história não justifica nosso futuro.
Então porque aceitamos passivamente um grupo de mais ou menos 150,000 pessoas representativas da população brasileira fazerem o que bem entendem no poder? Talvez a resposta seja essa, representativas da população brasileira. Já vivemos numa sociedade acostumada à injustiça e à corrupção, porque somos todos, cada um de nós, um pouco injustos e corruptos. Cada um exercendo o divino direito de violar as leis e, como dizia o Gérson, levar vantagem em tudo. Mesmo sabendo que quando algo não funciona bem, como um bumerangue australiano aquilo volta, e quem levou vantagem agora pode certamente acabar em desvantagem no momento seguinte. Basta viver a dor de cabeça de um cidadão brasileiro no trânsito, nos escritórios oficiais, no emprego, no seu bairro, e podemos perceber o bumerangue que volta, punindo o pobre diabo que já era corrompido para início de conversa. Certo? Não, mesmo. Uma sociedade jamais se define pelos seus corruptos ou por uma simplista questão ética e moral. A maioria das pessoas age de acordo com suas consciências, e portanto sempre se justifica moralmente até para as ações mais condenáveis.
Já estamos no quinto parágrafo, ou no ano qüingentésimo quinto, e parece que não existem mesmo causas. Não há nada que cada um possa fazer para alterar a situação do seu próprio cotidiano. A vida é mesmo uma roda da fortuna, uma grande comédia, onde se, por engano, a cegonha deixou você cair num casebre no Morro de São Sebastião, é condenação em vida, enquanto que o seu companheiro celeste que teve a benesse de ir parar numa cobertura da Quinta avenida está envolto no manto da felicidade. Ou aparece um messias, um homem quase corrupto - pois o somos todos, não? - disposto a se envolver sistematicamente no combate a tudo o que é ruim, fazendo o trabalho sujo por nós, sem se corromper, diga-se de passagem, ou senão empacamos. Assim como o Barão Rotschild na versão enfeitada do Titanic, podemos sentar e assistir ao navio afundar ouvindo bossa nova, comendo sequências de camarão em Santa Catarina, e justificando para nossos filhos e netos: não havia nada para ser feito meus queridos, foi a cegonha, foi o iceberg!
O sexto parágrafo é sempre reservado ao proverbial indivíduo filosófico. No Brasil temos muitos filósofos. Se vocês prestarem atenção, até o cronista esportivo é uma espécie de filósofo, pitaqueiro de futebol, que se perderia completamente se tivesse que implantar suas idéias mirabolantes num time de verdade. No Brasil encontramos vários filósofos, mas quase nenhum disposto a aplicar a filosofia em sua própria maneira de viver. Porque a maioria é filósofo das grandes questões. Da Pobreza, da Miséria, do Povo, da Dor Histórica, do Fim das Relações Humanas, do Fim do Amor. Filósofos de Goethe, pois já venderam a alma ao diabo, e por isso, mesmo sabendo de todas estas coisas com letras maiúsculas, nada os afeta. Continuam sua vida como se nada de diferente houvesse à sua volta. A paixão do brasileiro por soluções mirabolantes, seja na política, seja na literatura, se encontra aí. Um tremendo desperdício de energia, digo eu. Utopia criativa dizem os filósofos.
Nessa questão dos filósofos encontram-se até mesmo os que clamam por ética, por honestidade, mas não admitem as consequências de suas ações. Se não acreditam que estas pessoas existem, pergunte aos 13% que pretendem votar na Senadora Heloísa Helena para presidente na próxima eleição, ou aos infidáveis honestos homens éticos que jamais se envolveram com a administração de coisa alguma, mas nas poucas vezes que encararam uma decisão moral e ética, se renderam aos seus instintos, usando de algum subterfúgio moral, como "fiquei com a outra só por uma noite, mas amo minha esposa". Vejam só, uns chamam roçar a bunda de gente alheia sem pedir permissão, de sensualidade, de ser brasileiro, de liberdade. Outros poderiam muito bem dizer que é falta de moral e ética. Mas no nosso país seriam acusados de serem moralistas retrógrados, reacionários e nazistas assexuados. Mas nada disso tem a ver com a situação do Brasil...
Vou poupar a paciência do leitor que chegou até aqui. Na verdade, sou até forçado a poupar pelo espaço que o editor me concedeu, ao contrário dos discursos sem fim do Fidel Castro, um desses salvadores da pátria que todo brasileiro gostaria de ter. Então, preparem-se. Estou aqui fazendo uns gestos místicos, e jogando pó de pirlimpimpim, porque nessa minha reflexão de alguns dias descobri a causa de tudo. Vou desconstruir os problemas brasileiros, psicoanalisando toda a identidade nacional. Certo? Nada disso. "Não?", você prometeu lá em cima responder esta pergunta. Me explicar porque o bairro em que eu vivo não funciona. Porque a escola pública para o qual pago imposto não atende meu filho - pois não vamos ser hipócritas, quem lê o Digestivo Cultural ou paga imposto ou tem um tax shelter em Cayman. Porque minha esposa me traiu, meu chefe me demitiu, e eu não vivo nem bem nem mal, mas poderia estar vivendo melhor.
Olha, eu até responderia, mas é que estou sem tempo e espaço agora. É que estas coisas, Problemas Nacionais, não me parecem tão importantes quanto este sorvete Hagen Dasz que me espera no congelador. Me paguem um mensalão cultural, que de certa forma estão fazendo ao ficar aqui me lendo, e eu me animo a fazer um plano que vai resolver todos os seus problemas. Então, você leitor corajoso, responde, rá, eu sabia que seria mais um texto negativo, daqueles que acabam confirmando nossa condição de Gigante Titanic Verde e Amarelo (vocês acham que o Titanic seria tão famoso se fosse pintado de verde, amarelo, com estrelinhas?). Certo? Não, mesmo. Vou deixar para vocês o infame último parágrafo, que foi o motivo para escrever tudo isso. E provavelmente vou ser escorraçado por vocês.
O mensalão quem está pagando é você. Sim, você. Aquela pessoa que ouve bossa nova pelo simbolismo de degosto e desesperança, do fracasso da vida. Aquela mesma pessoa que tem medo de tentar as coisas por conta própria, que desrespeita a tradição empreendedora do nosso país. A pessoa resignada, que tem medo de reclamar até na secretaria da escola do filho, quando eles te cobram mil reais por mês, mas seu filho continua sem entender matemática direito. O cidadão imediatista que tem de ter os resultados de tudo em, no máximo, nove meses. Que não imagina que para tudo, até para construir o Valerioduto, depende de um esforço monumental, e o mais importante, paciência e persistência. Depende da inteligência para liderar ou aceitar ser liderado. Você mesmo: que prefere fugir de um problema, ao invés de tentar resolver. Que prefere um copo de cerveja no barzinho durante o domingo inteiro, em vez de passar trinta minutos ensinando seus filhos a lerem e a terem modos. (Viu, viu, já tem gente me chamando de Hitler...) E, finalmente, a você, jovem, sempre com o pé atrás, com medo de recomeçar, de conquistar, como um huno, a vida que é sua por direito, em vez de se render a um chefe com mais de 50 numa mega-instituição e se condenar ao Viagra. Basicamente, o problema é o mesmo que nós brasileiros passamos a aceitar: viver sem tesão, este sim um direito básico de todo ser humano. Viver sem tesão e sem sonhos para nós mesmos. Encontrem o sorriso do Ronaldinho Gaúcho na boca de vocês e tudo estará resolvido.
Olá, Ram, esse seu artigo se encaixa perfeitamente naquela história do homem que queria mudar o mundo. De repente ele percebe que o mundo é grande demais e restringe-se ao seu continente. Depois ao seu país, ao seu Estado, sua cidade, seu bairro, sua família... E leva um susto ao ver que nada consegue e dá-se conta de que a mudança terá que ter início nele mesmo.
Mais simples, impossível! Entretanto difícil de ser conseguido pois requer auto-conhecimento, aceitação dos erros sem culpa, mas aceitação. Infelizmente é sempre mais cômodo colocar a responsabilidade fora e não dentro de nós mesmos. Custa caro a nossa vaidade e dói. Mas, como diz o ditado: o que arde cura e o que aperta segura. abçs, regina