COLUNAS
Segunda-feira,
12/12/2005
Excentricidades
Daniela Castilho
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Leio um comentário sobre "ser excêntrico" no blog de um amigo. Vou atrás da fonte da notícia. Leio tudo que encontro.
Basicamente, ser "excêntrico" é ser "diferente" - diferente do quê, não me pergunte, hoje em dia definir o que é "ser diferente" se tornou uma tarefa difícil, uma definição que precisa vir acompanhada de uma lista de parâmetros, um manual de instruções referenciais. Há tanta "moda", há tanta diversidade, e ao mesmo tempo, estamos tão globalizados que hoje em dia, duro é achar um "igual". Claro, existem as chamadas tribos, mas esse conceito é meio vazio na minha opinião. O que é tribo? Um grupo de pessoas que usa um determinado cabelo, maquiagem ou roupa? Um grupo de aborígenas no meio do deserto?
Mas voltemos ao artigo referido, que pertence a uma revista britânica: o autor desfila dados de uma pesquisa que começou por causa de um novo comediante britânico que foi rotulado de "excêntrico" e é adorado pelo público - hoje em dia, para que uma afirmação tenha credibilidade quando impressa, é preciso ter dados estatísticos, gráficos e alguns nomes famosos como acompanhamento - e segue, em tom entusiasta, dizendo como ser esquisito, bizarro e diferente, aumenta o sex appeal da pessoa, implementa o sistema imunológico, aumenta o sucesso social, a felicidade, etc., etc.
Devo me confessar profundamente cética a esse tipo de artigo, é uma reedição da "receita para ser mais feliz" que vem sendo publicada em revistas com a mesma freqüência e seriedade de um horóscopo ou de um conselho de livro de auto-ajuda: não saia de casa sem guarda-chuva, 95% dos entrevistados afirmaram que chocolate faz sentir-se bem, essa semana os pesquisadores confirmaram que café lubrifica as artérias e que ser excêntrico aumenta a longevidade e a atividade sexual. Aham. Certo.
É curioso como existe no ser humano uma necessidade de "se destacar na multidão". As pessoas querem afirmar sua individualidade, sua diferença. Querem deixar sua marca no mundo, chamar atenção, se destacar, ainda que seja apenas pintando o cabelo de roxo. Coisas de tempo moderno, porque, como o próprio Darwin afirmaria, a natureza gosta é de iguais: criaturas diferentes têm dificuldade de se adaptar a grupos, sobreviver, multiplicar-se. Não é a toa que os mais jovens se aglutinam em grupos absolutamente padronizados em roupas, cabelos e atitudes. No fundo, todos nós queremos ser aceitos pelos outros e se formos muito diferentes, seremos rejeitados. Sabemos disso quase que instintivamente.
Volto ao artigo e releio, procurando a verdadeira mensagem nas entrelinhas: o que o artigo diz, quase como uma pregação, é que ser alegre, engraçado, ter bom humor chama a atenção dos demais - ser um deprimido está na moda, vejam os góticos, vejam o sucesso dos EMOs, mas cá entre nós, quem aguenta um deprimido profissional por muito tempo? - ser alegre aumenta a longevidade da pessoa, diminui a tendência a problemas de saúde, torna a pessoa mais atraente para as outras. Ah, tá, agora sim, fez sentido.
Por que não disseram isso desde o começo? Talvez porque hoje em dia é preciso enfeitar um texto, algo escrito de forma direta e óbvia demais seria chamado de clichê ou rejeitado pelo leitor, pela obviedade e clareza. Outra característica curiosa do ser humano é que somos criaturas que detestam que nos digam como devemos ser ou o que devemos fazer, mesmo quando procuramos "receitas de felicidade": no fundo, queremos ler ou ouvir alguma coisa que confirme o que pensamos, que nos faça sentir que estamos corretos. Ninguém gosta que lhe aponte os erros, ou que lhes diga: você está na contra-mão, my friend. Disfarçando o texto com um formato de "vejam essa novidade recém-descoberta" o leitor tem a impressão de que teve acesso a uma incrível revelação de sabedoria e se coloca em uma posição mais aberta a aceitar o que está lendo.
E no fundo, a motivação continua a mesma: o que as pessoas querem é ser aceitas pelas outras, querem ser bem sucedidas socialmente, sejam elas iguais ou diferentes. Nossos pobres egos precisam disso.
* * *
E enquanto isso, continua-se discutindo visão e cultura. Estive em duas reuniões ontem que me remeteram novamente a essa questão, ainda mais embalada após o show que assisti no sábado, do Claro que é Rock. Explico.
Existe hoje, graças à política cultural que foi adotada pelo nosso Ministro Gil, uma preocupação em valorizar, registrar e estimular o regionalismo cultural. É uma preocupação oportuna, com toda a globalização que vem acontecendo no mundo todo, com a perda de origens culturais causada por uma invasão de cultura estrangeira de diversas origens que chega cada vez mais rapidamente, via TV e internet, principalmente.
Foi muito curioso assistir em um mesmo show a Nação Zumbi, com o seu rock-maracatu-mangue-beat - pela qual sou apaixonada desde que escutei "A Cidade", anos e anos atrás, com o saudoso Chico Science, que, em um daqueles golpes de ironia do destino, morreu precocemente em um acidente de carro em 1997 - misturada com o punk de Iggy Pop e o industrial rascante do Nine Inch Nails. Acredito que somos hoje isso, uma mistura do que veio ao Brasil de outros mundos nas ondas da colonização e o que veio ao Brasil nas ondas tecnológicas da globalização cultural misturada às origens, como o maracatu.
Então não cesso de me assombrar com a quantidade imensa de jovens metropolitanos que nasceram e foram criados na metrópole abarrotada de shoppings, cinemas que exibem filmes em sua maioria americanos, rádios e TVs recheadas de enlatados & jabás, que não têm conhecimento nenhum sobre o que podemos chamar de "raízes culturais" brasileiras. Não sabem, nunca ouviram nem viram, por exemplo, o maracatu tradicional.
Sem saber o que é a cultura original que existia aqui na terra brasiliensis, o que veio importado com as imigrações durante todo o período colonial e pré-industrial, a mescla que nasceu disso, soterrados com o que vem importado com a globalização, sem conceituação, sem digestão, como podem esses jovens saberem quem são eles mesmos? Há uma perda de identidade constante, há um desvínculo com a origem, há uma renovação industrial de modismos. A forma esvaziada do conteúdo.
Só resta, então, o punk de butique, o excêntrico, o esquisito, simbolizado em cores de cabelos, roupas, maquiagem, trejeitos. A tribo dos sem-identidade, as vítimas-das-modas.
Nota do Editor
Daniela Castilho é designer, diretora de arte e assina o blog MadTeaParty.
Daniela Castilho
São Paulo,
12/12/2005
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