Há pouco mais de seis meses, publiquei um texto para este Digestivosobre os diários da poeta Silvia Plath. Na introdução daquela resenha, só para fazer um rápido suíte (em jornalismo, retomar a história anterior), escrevi que, hoje em dia, é possível ler sobre a vida das pessoas, e até mesmo colher informações preciosas, sem que essas sequer tenham dado qualquer autorização. Em outras palavras, graças aos blogs, aos fotologs e, evidentemente, ao Orkut, somos todos objetos de contemplação ao mesmo tempo em que exercitamos esse caráter, digamos, voyeurístico de cada um de nós.
Toda essa introdução para falar do Orkut. Na verdade, não é uma análise ou uma outra teoria. Especialistas, arre, existem aos montes. Aqui vai um relato, um depoimento, de alguém que perde tempo com o Orkut; que vê que seus benefícios privados são relativos e seus vícios públicos excessivamente nocivos, só para fazer um trocadilho com uma das teses do professor Giannetti (esse, sim, um bom teórico; pena que não escreveu nada sobre o Orkut). E, por isso, o meu grande dilema é exatamente esse: quero sair do site de relacionamentos mais concorrido da internet, mas não consigo. Vou explicar por que, siga-me.
Entrei no site com o mesmo sentimento de um mineiro ao ouvir as vantagens de deixar sua terra natal. Não estou certo se os leitores se recordam, mas, à época de sua pré-explosão, poucas pessoas estavam no Orkut, pelo menos por aqui, em terra brasilis. Lembro-me que li uma nota do Julio D. Borges sobre o tema e que meus amigos mais bem informados do mundo da tecnologia, Andre de Abreu e Ricardo Senise, já navegavam com toda curiosidade que lhes é particular e costumeira. Cá comigo, pensei: "não vou entrar nisso". Mas, depois que eu vi as vantagens ("pode-se fazer ótimos contatos e encontrar amigos que você nunca mais viu!"), aceitei o convite de minha amiga Mariane Gonçalves, cujo recado inicial está lá até hoje "Nossa, Fabio, que bom que você entrou". Se vocês olharem para a Mari, vão notar que isso não é pouca coisa...
Uma vez dentro, logo fui me familiarizando com as comunidades. Queria entrar nas mais sérias. Sobre música clássica. Sobre literatura. Política. Estratégia Militar. Guerras Napoleônicas. Todos os assuntos que um dia eu quis discutir, mas não tinha com quem fazê-lo. Mas é, de fato, um admirável mundo novo, pensei. E lembro que ficava muito entusiasmado toda vez que achava um amigo que havia sumido do mapa. Os colegas perdidos do Segundo Grau (falar Ensino Médio soa estranho; na época, fiz o Segundo Grau mesmo), os amigos desses amigos e até mesmo, surpresa, minha turma de faculdade que simplesmente desapareceu na fumaça depois da festa de colação de grau, em 2003.
Como vocês podem notar, estava realmente contente com a ferramenta do Google. Tão feliz que sequer percebi quando a coisa começou a me dar nos nervos. Não, não foi por causa do Bad, bad Server, no Donut for you. Acho que foi um pouco depois, mas me lembro da Maíra, outra colega de Aliança Francesa, me dizer que havia cometido um "orkuticídio". "Para que que serve essa coisa, Fabio? Eu saí. Tomava muito meu tempo. Coisa de nerd." Não levei a sério, principalmente porque o que a Maíra tem de inteligente ela tem de exagerada. De qualquer forma, aquilo ficou na minha cabeça e com o tempo percebi que ficava no Orkut tal como um zumbi. Obcecado pela idéia de encontrar meus amigos e, sobremaneira, ver seus interesses. O que lêem? O que assistem? A quais comunidades pertencem? Sim, em vez de debater no fórum dedicado a Tulcídides a estrutura da narrativa de A História da Guerra do Peloponeso, eu tentava interpretar o significado de cada comunidade nos perfis de meus amigos e, sobretudo, de minhas amigas - as solteiras, claro. Aliás, lembro que mais de uma ocasião eu olhava se algumas de minhas amigas estavam solteiras em vez de perguntar isso diretamente a elas. Era, e é (se a pessoa for honesta no que escreve), uma maneira de não deixar claro que eu estava a fim de alguém e, por extensão, se prevenir contra um não vexaminoso.
O fato é que, com o tempo, eu percebi que isso é muito esforço por quase nada. E que, infelizmente, estava perdendo muito tempo com o site de relacionamentos, sem contar que houve uma invasão de usuários que passaram a utilizar o Orkut não só como instrumento de propaganda, mas também como plataforma de agendamento de guerra de torcidas, entre outros "ações" não menos absurdas. A decisão estava, portanto, madura. Era o momento de deixar o Orkut. Só precisava definir quando.
Meu tempo é hoje, canta o sambista Paulinho da Viola, mas eu não consegui fazer minha hora e até o dia (acabei de dar uma checada nos meus testimonials) em que escrevo permaneço no Orkut. Não sem uma justificativa simples. Amigos. Muito embora acredite que boa parte das pessoas com quem eu voltei a falar depois de muito tempo talvez não valham a pena (isso ficou evidente com meus amigos de colégio, por exemplo), existem algumas, poucas é verdade, com quem eu só falo via Orkut. Desse modo, se eu cometesse o tal do "orkuticídio", acabaria também colocando a pá de cal em relacionamentos que, aos poucos, renascem. E é por isso, então, que o dilema resiste: eu quero, mas não consigo sair do Orkut.
O leitor que chegou até aqui provavelmente pode considerar esse depoimento um tanto melodramático demais. Talvez seja, mas não posso negar que, se por um lado há muita besteira no Orkut, as amizades que restam e que sobreviveram à fome, ao frio e à distância (nada substitui o contato, disse Clarice Lispector) são tão fortes que me fazem adiar uma decisão de maneira indeterminada. E quem sabe eu não mude minha opinião sobre o Orkut novamente? Pode ser.
Concordo com Fábio. Só acrescento que é possível encontrar um equilíbrio... Usar a comunidade realmente como uma ferramenta pode ser interessante e... é possível! rsss
Incrível como o relato do Fábio é um perfil quase que generalizado dos usuários do Orkut. Embora eu ache que o site é um meio extremamente eficiente de contato, ele pode por acabar tornando-se algo bem inútil quando não se sabe utilizá-lo.
Companheiro, passei pelo Digestivo apenas para lhe deixar um abraço. Elogiar seu texto é clichê. Cada vez que leio suas resenhas aprendo pelo menos quatro novos vocábulos. Fantástico.
Espero que esteja tudo bem contigo. Mande-me um e-mail quando puder. Abraços.
Achei o seu e-mail bastante sincero, estava pensando em entrar no Orkut e sair depois, mas agora desisti, e' muito complicado ficar preso numa coisa que voce nao quer. Talvez seja melhor encontrar amigos 'a moda antiga!!!
Risos a principio! Entrei no google e escrevi "como sair do orkut" e li esse belissimo texto, vc fala da mais profunda verdade. Penso q aquilo é uma seita. E hj vejo o qt é dificil sair... Nossa! não temos o DIREITO de sermos excluidos... Como pode isso?
Eu também encontrei seu texto colocando no Google "como sair do Orkut". Você escreveu o que sinto em relação ao Orkut no início do seu texto. Mas quero realmente sair, pois muita gente está fazendo muita besteira no Orkut. Uma pena porque é uma ferramenta interessante. Virou uma perda de tempo. As discussões ficam na superfície.
Realmente Fabio, o Orkut é um monstro que devora o tempo da gente sem a gente perceber. Estar ligado em rede a 20 milhões de pessoas é algo assustador. Hoje abro uma única vez por mês. Peço desculpas aos meus amigos. Mas escravo não sou mais.
Falta agora me libertar do celular e e-mails para ser uma pessoa feliz, livre. abraços, Ivo
Eu consegui excluir a minha conta, no fim do ano passado... Poxa, foram vários motivos que me fizeram fazer isso. Mas estou contente e mais aliviado. Conheci pessoas maravilhosas através de orkontros e tudo mais, além de reencontrar grandes amizades.
Mas num certo momento, vi que tinha mais de 420 amigos (e o pior, conhecia todo mundo), mas me sentia muito só... Então resolvi fazer uma coisa simples e que pode me ajudar muito: viver o mundo real, dar um telefonema, encontrar com amigos verdadeiros, e não simplesmente mandar um recado: "bom final de semana..."
Quero ter um gostinho de escrever uma carta e ter o prazer em esperar o carteiro entregar uma resposta... saudades de um mundo mais unido...