Onde está a certeza de outrora? Sobrevive escondida?, ou levaram embora?
Na última terça-feira completei 28 anos de idade e isso me causou um problema muito sério. Eu entrei na "crise dos 28", se é que você me entende...
Em primeiro lugar, é necessário um dado social e histórico antes de prosseguir com este texto. Se eu tivesse nascido na idade média e tivesse tido a sorte de ter chegado aos 28 anos, faltariam apenas alguns poucos anos para meu fim, e está crise teria sido pelo menos uns 15 anos antes. Entretanto, se eu tivesse nascido no século 19, estaria na metade de minha vida, e a crise dos 28 talvez tivesse ocorrido aos 20, ou menos, sei lá! Mas, como nasci apenas no final da sétima década do século passado, já vivi, segundo me contou um cigano que trabalha no IBGE, 1/3 da minha vida. É ai que surge a "crise dos 28", compreende? Eu, homem branco, classe média, não fumo, não vou para guerra, sem doenças degenerativas herdadas, não trabalho para o tráfico, etc., vivi a primeira das 3 partes da minha vida, se nada de errado ocorrer com ela. E entrei na crise supracitada ...
Depois, eu agravei a crise pensando no Torquato Neto, que se suicidou na madrugada seguinte ao 28 aniversário dele e deixou aquele bilhete que se inicia com "FICO". Não, amigo leitor, eu não pensei em me matar feito aquele poeta, até mesmo porque já se passaram algumas madrugadas depois do meu 28 aniversário (e se é pra imitar alguém eu imito direito!). Mas, o cara viveu o mesmo tempo que eu (3 dias a menos, a propósito), e fez muito - muito - mais do que eu. É isso que me incomoda: parece que eu passei 28 anos da minha vida fora de mim e não fiz nada, nada, nada... Eu nem sei mesmo se já vivi tudo isso, parece que foi ontem que passei pela crise dos 20, aquela logo depois da dos 15! Uma sensação estranha se apoderou de mim, uma sensação de que o tempo passou e continua passando muito rápido e que eu não fiz nada em todos esses milhares de dias! 28 anos de vida nenhuma, sabe? Deus, onde estive durante todo esse tempo?
Bom, não entrarei nas minhas inquietações pessoais. Aliás, você que está se perguntando o que esse meu papo tem a ver com jornalismo cultural, respondo: não tem! Nada a ver, eu estou delirando! Mas, como sempre sou cobrado (editores, leitores, colegas) por ainda não ter escrito um texto de apresentação pessoal, pensei que eu tinha o direito de redigir essas linhas que agora redijo. Mais que isso: eu me abri com vocês, fui sincero, estou na crise dos 28!, embora ela tenha se configurado aos 27, mas para não estragar a teoria, pularei essa parte.
Eu sou um cara normal, parece. O editor deste Digestivo já disse que eu tenho uma verve que precisa ser mantida. Nunca haviam dito da minha verve, fiquei até meio metido por isso. Uns outros malucos por aí já me disseram que eu sei escrever, alguns leitores mais simpáticos e de bom coração me paparicam sempre. Essa é a parte boa, a ruim é que as editoras não pensam como estes meus amigos.
Ainda que eu já tenha vivido em Campinas e Brasília, o único local que realmente considerei minha casa foi São Carlos, no interior de São Paulo. De fato, isso é um mistério, pois embora adore a cidade em si, esse ar provinciano, conservador e aristocrático dos habitantes dessa cidade me incomoda. Em cidade pequena, quem tem um pouco de dinheiro se sente superior culturalmente também, entende? E é isso o mais estranho...
Já não tenho mais muito pra contar, contei um bocado de coisas nos textos "Clássicos? Serve Fla x Flu?", "Nós, os escritores derrotados" e "Dos livros que li". Inclusive, nesse exato momento estou com um problemão, porque descobri que não tenho mais como preencher esta coluna. Pois é, deve ser por isso que acho que o tempo passou tão rápido assim. Nunca fui lavar pratos no Reino Unido, nunca me internei numa clínica para dependentes químicos, nunca casei, nunca fui preso, só fui abduzido uma vez (mas estou proibido de contar), jamais conheci e nem namorei alguma artista, não fiz mestrado e nem doutorado, não tenho filhos, não gosto do Caetano Veloso, na infância eu era apaixonado pela Simony, eu não gosto de camisa Polo, não como carne de porco, já fiz sexo virtual, já li um livro do Paulo Coelho (ai, Jesus!), uso óculos, estou no orkut... já é suficiente?
É claro que eu fiz outras coisas nesses anos todos, mas, tem sempre o gostinho de quero mais, a sensação de querer faz mais, de outras maneiras, de querer viver mais, de encontrar mais razões, mais certezas (para depois jogá-las todas fora!), mais motivos pra continuar e persistir até a próxima crise chegar...
Por hora, deixo meu acerto de contas:
Há gerúndio em todo sentimento.
Sou condenado
a fingir quando escrevo.
Tenho pirexia. Tenho sede.
O inquilino que mora em mim
não paga mais o aluguel.
Da minha vida, presto contas
a mim mesmo
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
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30/1/2006 | | |
11h52min | |
| Acho que podemos juntar todas as crises numa única e chamar de vida. Interessante que você fez aniversário e quem ganhou o presente foram seus leitores.
| | [Leia outros Comentários de Marcos] |
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30/1/2006 | | |
22h08min | |
| "Todos os dias quando acordo/ Não tenho mais o tempo que passou..." Pensei nessa letra do Legião. Tive crise aos 25 (e uma amiga minha tb.). Depois superei. O tempo passa e vc descobre q fez alguma coisa; o q não podemos é admitir o critério do mundo para avaliarmos nossas realizações pessoais.
| | [Leia outros Comentários de Claire] |
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31/1/2006 | | |
02h20min | |
| Gostei do texto. Está entre a simplicidade e o talento. Me fez lembrar que a única coisa que vamos levar até o final são nossas experiências.
| | [Leia outros Comentários de Gustavo] |
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31/1/2006 | | |
17h41min | |
| Poderia ter dado cabo disso tudo, como alguns rock stars o fizeram – aos 27 (a maioria, quando não se tinha bem a noção do termo "rock star", creio). Mas não o fiz. Não tenho a posse da verdade, mas eu tenho a idéia, agora aos 32, de que esse "primeiro terço" da vida tenha sido mesmo uma preparação e, depois, começaria a realizar. Tá, escrevi um livro, criei um blog, tantei namorar, fiz amigos, essas coisas todas... mas parece que nada aconteceu. Eu parto do mesmo ponto onde meu pai me deixou. Talvez tenha significado algo para alguém... uma poesia, um verso, não sei exatamente. Não tenho como medir. Mas a minha vida não mudou. Então, prossigo. E a crise, que iniciou aos 27, não passou. Talvez seja necessária, seja minha matéria-prima. O resto é saber o que fazer com esta crise. E, confesso, atualmente não estou sabendo o quê e como. Agora, a única coisa que me é permitida é voltar a cuidar do meu trabalho, essa jaula cheia de feras. Abraço!
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31/1/2006 | | |
18h01min | |
| Tenho saudade do futuro, talvez por isso o vazio do presente e Cervantes. Nestes dias quentes a identificação com Quixote e suas andanças me faz bem. Gostei do teu texto.
| | [Leia outros Comentários de Renata] |
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31/1/2006 | | |
18h11min | |
| Olá Marcelo, ótimo texto! Completei 28 anos na última quinta-feira, dia 26, e você traduziu tudo o que esse número significa nesse texto. Abraços!
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5/2/2006 | | |
23h37min | |
| Nunca parei pra pensar em crises de idade. Passei pelos 27, 28. Acho que estagnei nos 30, embora cronologicamente tenha 42 e meio. E tem essa coisa de as pessoas ficarem achando que você tem que ter um sentido na vida. Bolas, pra quê sentido? Isso me lembra qualquer coisa de militar: Sentido! Maroldi, teus textos dão uma leveza ao DC. Feliz Aniversário!
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6/2/2006 | | |
02h37min | |
| Completei 28 na última segunda feira... ou seja exatamente no dia em que vc escreveu este artigo... eu sinto q fiz muitas coisas boas e ruins tb, agora vou ter um filho (ÔÔ COISA MAIS SUBLIME) fiz teatro a beça, (o coisa boa) e ainda faço (o coisa ótema). Mas naum tenho materialmente nem 25% do que sonhei ter... e o pior... acho q 'as vezes mede-se o aproveitamento do tempo pelo "objet(iv)o conquistado" . Esse texto me caiu como uma luva e um "presente de aniversário"
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6/2/2006 | | |
12h24min | |
| Parabéns pelo aniversário e pelo texto. Adorei!!! Bem descontraído e interessante. Crise dos 28? Já havia escutado a história da crise dos 30... mas ainda há tempo de você realizar muitas coisas. E só vale se escrever outro texto contado pra gente...!
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7/2/2006 | | |
14h03min | |
| Nossa... vc simplesmente escreveu o texto no dia do meu aniversário de 28 anos. E acredite!!! Eu compreendo muito bem essa crise dos 28. Às vezes, tenho a impressão de que nada fiz. Mas parando e analisando, vejo que muito aproveitei. Acho que a única coisa que não corresponde às expectativas que tinha durante a adolescência é a situação financeira. Mas talvez este seja um problema que atinja a todos os brasileiros. Bom... realmente, o texto se encaixou muitíssimo bem ao momento que estou vivendo. Parabéns!
| | [Leia outros Comentários de Daniela] |
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22/8/2006 | | |
17h23min | |
| Marcelo, agora aprendi a deixar o comentario no site! Mas, de qualquer forma, só quero reforçar a minha admiração pela forma e pelo conteúdo do que vc escreve. Me identifiquei em demasiado com seu texto. Na ocasião, há um mês atrás, nem verbalizei a angústia que tomou conta quando eu avaliava um quarto de século de vida, e ficou tudo tão aquém do que eu pensava dez anos antes...
| | [Leia outros Comentários de Karita] |
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25/8/2006 | | |
14h57min | |
| Ainda mais quando tb. me aproximo dos 27 e a crise já começa a se formar...! Parabéns pelo texto.
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2/4/2007 | | |
11h05min | |
| Tô que nem vc amigo só que com 20 anos de idade. Às vezes tenho a impressão de estar com 80... Estes tempos me fazem mal, onde as pessoas são dinheiristas e centradas em seu próprio umbigo... Desanimante...
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18/1/2008 | | |
02h48min | |
| Meu Deus... faltam exatos 10 minutos para eu completar meus 28 ANOS! E acredite? Achei seu texto! Sim, sim, e olha que a crise comecou nos 27.... Aliás.... Copiei ele no meu Orkut.... Morri de rir, valeu ter lido isso! Obrigada, de coração!
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5/12/2008 | | |
03h55min | |
| A crise dos 28 não está relacionada ao quanto de vida você não viveu. Mas ao quanto de vida ainda se tem para viver. Vai por mim, nossa preocupação maior agora, com 28, é o futuro. Abraços!
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21/4/2010 | | |
14h00min | |
| Marcelo, pelo o amor de Deus, não me assuste!!! Pensei que minha próxima crise só aconteceria aos 40, 50, sei lá, falam tanto dessas idades... "idade do lobo", "menopausa" e por aí vai. Pensei estar livre delas, pelo menos por alguns anos, sabe, pois já sofri com minha crise dos 18, àquela que pensamos "saber tudo" o suficiente, quando na verdade não sabemos de coisa alguma... Bom, de qualquer forma, foi bom ter lido seu texto, pois assim, Marcelo, vou me preparando até lá!!! Beijos e um bom final de crise, pelo menos até chegar a próxima!!!
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21/4/2010 | | |
16h23min | |
| Enfim acho que descobri o que está me incomodando veladamente nos últimos tempos: essa crise. É essa sensação de que "poderia ter feito muito mais" o que realmente incomoda a gente. Cheguei aos 27 e quando me imaginava nessa idade, no tempo de adolescência, eu via um glamour que hoje não consigo encontrar.
| | [Leia outros Comentários de Erika] |
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27/11/2010 | | |
04h16min | |
| Bem, estou aqui, às três da madrugada, cheguei em casa e seu texto estava no favoritos. Comecei a ler, e, por Deus, é meu discurso todo! Pensei que esse discurso de não ter feito nada da vida era só meu, apesar de muitos terem dito que fiz muito. Escrevo, roteirizo, fiz letras, mas é como se isso não fosse nada... E me dá um medo porque, depois dos trinta, e aí? Mas nem penso mais sobre isso. Como você disse, a expectativa de vida aumentou, porém o julgamento das pessoas é o mesmo, acho que o super ego que transforma o ego da crise dos 28 mais difícil, porém, deixa rolar! Antes dos trinta faço algo pra chegar na casa dos 30 de melhor humor! Valeu pelo texto!
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19/5/2011 | | |
15h04min | |
| Você roubou minhas palavras.
Obrigada, ladrão. :)
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21/5/2011 | | |
12h05min | |
| Ja tive vontade varias vezes de comentar, hoje nao resisti. Minha crise e': Tenho oitenta e me sinto com vinte. Juro, e' preciso chegar aqui para saber o que e' crise. Quem liga pra quem tem oitenta? Com certeza voces vao dizer que se a pessoa e' importante, tem dinheiro, todos vao ouvir mesmo com oitenta. Mas... o que importa sao os "comuns" como todo mundo, ai entao posso dizer: a crise dos oitenta bate qualquer outra, e haja espirito forte para combater a dita cuja.
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