Vejamos: o que faz um brasileiro típico (da classe média com acesso a internet) ao chegar no trabalho na segunda-feira pela manhã? Ele faz duas coisas, na verdade. A primeira delas é abrir o e-mail; a segunda, o Orkut, para dar uma conferida no que "rolou" nos últimos dias (ou horas, se for um fanático), ver suas mensagens, verificar se algum "amigo" novo o adicionou, se aumentaram os coraçõezinhos do seu perfil, essas coisas todas. Estamos diante de uma nova maneira de encarar a internet e as "relações" por ela fabricadas. O papel do Orkut (e de suas dezenas de imitações atuais: "Orkut" para pessoas bonitas, para ricos, para o público GLS, etc.) já não pode mais ser ignorado. É o Orkut way of life cada vez mais presente no cotidiano das pessoas virtuais, como nós.
Um tempo atrás, enviei um e-mail à minha prima. Ela não respondia, e eu perguntei o motivo desse desprezo. Ela disse que não lia e-mail, que se eu quisesse "falar" com ela tinha que deixar scrap, pois era muito mais fácil ("manda scrap, pô!"). Eu dei uma investigada e descobri que a "galera" dela também não lê e-mail, uma menina até comentava que nem lembrava de sua senha. O negócio era o Orkut! Não importa o tipo de mensagem, era lá que ela deveria ser colocada! Isso é um fenômeno interessantíssimo e, parece, o grande canalizador das discussões do Orkut. Não é necessário privacidade, individualidade, nada disso. O Orkut te coloca de fato no mundo digital, quer você queira, quer não. E o pior é que isso é o atrativo principal, entende? Ali, a idéia é justamente essa: exposição. Ninguém entra no Orkut, em princípio, para ficar escondido (exceto alguns grupos de que falarei abaixo). O Orkut existe para você aparecer, para suas amigas escreverem que vão passar na sua casa às 21h hoje à noite para irem dançar forró e que você gosta de beber cerveja e odeia o Lula, e que tem muitos "amigos". Aliás, o que tem escrito na entrada do site? "Quem você conhece?" Isso perdeu o sentido quando o Orkut, seu criador, adicionou alguém que não era seu amigo (ou foi algum amigo dele que fez isso?). O Orkut passou a ser um "site de relacionamento" (não um cadastro de amigo, como foi concebido), uma vitrine de pessoas de verdade e de mentira (a maioria), onde podemos "selecionar" os amigos, da mesma maneira que selecionamos as comunidades, como se estivessem disponíveis em uma prateleira.
O fato de ele ser um shopping de personalidades é uma das partes boas. Não há nada de errado com isso. Não há problema em querer encontrar pessoas diferentes de você, que odeiam aquela banda que você adora, que adoram aquele filme que você detesta, ou mesmo iguais. A diversidade também existe no mundo digital, sabe? Estas pessoas criam comunidades, discutem temas que te interessam, indicam livros, filmes, sites, falam um monte de absurdos, etc. Todo mundo pode encontrar algo ou alguém interessante no Orkut, para falar a verdade. E o Orkut é isso, na minha opinião: um shopping de pessoas e de seus gostos.
Como tudo que é composto por pessoas, o Orkut também tem seus problemas. A maioria das pessoas mente, mente descaradamente, aliás! Conheço pessoas que estão em comunidades de autores que jamais ouviram falar, de livros que nunca leram, de filmes que nunca viram. Já que pode mentir, (quase) todo mundo aproveita! Por que, claro, no ambiente "competitivo" como este - o Orkut, em que preciso me "vender", as pessoas só "compram" os melhores, os mais cultos, os mais bonitos, os mais legais, os que tenham mais amigos. Está certo, quem vai adquirir uma televisão preto e branco se pode ter uma de plasma?! Além disso, por que tenho que ser menos que meu vizinho, que mente no perfil dele? Não, não posso admitir isso! Preciso de centenas de amigos, de boas comunidades e de milhares de scraps que atestam que "eu sou o cara", eu sou legal... adicionem-me, portanto!
Há ainda os que não se mostram, estes, geralmente, estão relacionado a sexo. "Pessoas" falsas no Orkut, que colocam fotos de seus órgãos genitais, são milhares. Ali, claro, estão protegidos. Podem ser o garanhão, a vagabunda, não precisam ser eles mesmos. É incrível como no Orkut as pessoas são bem dotadas, bonitas, inteligentes, cultas, leitores compulsivos, repletos de amigos. Quase ninguém é infeliz por lá! O Orkut permite isso, esse mundo de sonhos, de faz-de-conta, de mentira. É através dele que estabelecemos vínculos, nos aproximamos de amigos de antigamente, conhecemos gente nova, criamos laços de afeto e de rancor. Baseamos tudo isso em uma ferramenta edificada sobre a mentira, sobre a enganação, sobre a competição. O Orkut parece ser o depositário da humanidade, o depositário das aspirações verdadeiras de gente de mentira.
Depois de um certo tempo no Orkut way of life, a brincadeira começa a cansar. Se você não usa o Orkut como e-mail, como é meu caso, felizmente, não há motivos para ir lá todo dia. Amanhã será igual a hoje, que foi igual a ontem. Do ponto de vista tecnológico, digamos assim, acho que o Orkut do jeito como está hoje não sobrevive muito (se bem que ainda tem toda uma China para conhecê-lo, não é?). Acredito que a tendência é que ele disponibilize um blog, um fotolog, talvez uns joguinhos, ou será seu fim. A gente começa a se cansar das pessoas, das coisas, com o Orkut é assim, acho. Seja como for, o Orkut é a maior sensação da Web desde o Google, não há dúvidas. Se eu estivesse fazendo propaganda, diria: 12 milhões de pessoas não podem estar enganadas! Ou podem?, sei lá. Seja como for, Orkut way of life é isso, é considerá-lo parte do seu dia-a-dia virtual, é abrir o e-mail e ele também, é tirar fotos novas para alterar no seu perfil, é responder os parabéns virtuais que você recebe pelos scraps, é procurar aqueles seus vizinhos de 20 anos atrás, é incorporar tudo isso a seu cotidiano virtual, gostando ou não. E, então, se um dia você cometer Orkutcídio, é saber que você está sozinho nessa, meu amigo, que todo mundo que você conhece ainda está lá, que vão te chamar de diferente, de estranho, de chato... você não vai mais ser o cara legal. (De repente até vale a pena, hein?)
A propósito, já percebeu que hoje em dia, quando você conhece alguém, o cara logo te pergunta se você tem Orkut e diz que vai te adicionar? Ninguém mais pergunta se você tem e-mail, perguntam se tem Orkut! O Orkut agora é o RG digital das pessoas, caso você ainda não tenha percebido que isso é Orkut way of life, eu já não sei mais nada...
É claro que muita gente vai me mandar e-mail reclamando (e xingando!) dizendo que não gostam de Orkut, que nunca entraram no Orkut, que não é todo mundo que é assim, vivendo no Orkut way of life, que eu generalizo, que existem pessoas que não se rendem a esta idiotice, etc. Claro que não!, poupem seu tempo. Esse mundo é grande demais para todo mundo ser igual e fazer a mesma coisa. Mas a regra é essa: estar no Orkut! 60% Dos brasileiros com acesso a internet são a regra, você que lê mais de 1,8 livros por ano e não está no Orkut é que é a exceção.
Nota do Autor: Texto publicado posteriormente no livro Literatura Crônica, da editora Andross.
Bem, não sou exceção; embora leia mais de (quanto?) 1,8 livros por ano. Estou no Orkut, mas não uso. Uso um similar da UOL, e noto as mesmas virtudes e falhas apontadas no primo rico, além de perfis q nada dizem sobre as pessoas (como é q pode?) e uma gana por "adicionar" compulsiva. Comunidades tolas. E gente com não sei quantas e das quais seria humanamente impossível participar ativamente (por que adicionar então?). Tem seu desagradável lado "bbb" (argh!), mas, como quase tudo nesse mundo e na internet, tem coisas boas...
Quem está sempre "on-line", está no Orkut. Já não acesso mais todos os dias, como no início. Meu primeiro contato com Orkut foi fantástico: consegui achar amigos que não via, nem tinha notícias, há mais de 10 anos! A cada acesso adicionava mais e mais AMIGOS REAIS, pessoas que já tinha contato, que eu já conhecia. Nunca adicionei ninguém que eu não conheço. Hoje, o Orkut para mim não passa de cadastro de amigos que me avisa quando é o aniversário de cada um para que eu possa dar um parabéns, VIRTUAL, é lógico.
Olá, Marcelo. Recebi seu texto de uma amiga que provavelmente deve ter recebido através do orkut. Então resolvi visitar o site, q não conhecia, pra dar um alô e dizer q gostei muito do texto. Ando observando como o orkut tem influenciado as relações reais e como sua contribuição tem sido desfavorável. Principalmente no relacionamento homem-mulher. Só tem contribuído para torná-las ainda mais superficiais. Eu mesma sou mais uma q cometeu orkuticídio. Devo estar no quinto ou sexto... Acho importante q existam artigos como este para q se discutam mais este assunto. Tenho visitado o site com frequência e comentado os textos ;) Abraços, Mônica
Esse texto do Marcelo é tudo que, há muito tempo, venho tentando expor a meus amigos. Acho totalmente desnecessário o Orkut (embora eu tenha um, mas não use!). No meu perfil, sempre coloco que não estou lá para colecionar amigos, mas mais pra marcar presença. Só que não sou viciado (talvez eu entre lá uma vez ao mês e olhe lá!). Já sobre o Digestivo Cultural... vivo aqui! Adorei esse site. Parabéns para os organizadores.
Olá, parabéns pelo texto. Gostei do comentário da Mônica. Eu me pergunto todos os dias se vivo em um mundo errado pra mim. Tenho orkut porque meu marido insistiu muito. E também para nao criticar negativamente algo que nao conheço. Hoje sou lá uma que tenho pouquissimos amigos, porque na real sou uma pessoas de poucos amigos. Mônica, o fato de citar relacionamento entre homem e mulher é legal. Acredito que os relacionamentos estão perdendo a inocência, que era algo muito bom no meu ponto de vista... Hoje marca-se encontro via orkut, quem sabe na mesma noite role algo com uma pessoa que tu nem conhece direito, morro de nojo disso. Cadê o envolvimento, a conquista bacana que existia, será que vivo em outro mundo? Irene Kindel Cezar
Eu confesso que até gosto do Orkut, participo ativamente de algumas comunidades e conhecí previamente meus colegas de faculdade. Lá eu posso buscar ajuda sobre determinados assuntos, assim como ajudar também. SÓ! Eu penso que o Orkut tomou um rumo inesperado ao chegar no Brasil. As pessoas aqui estão usando o Orkut como "certificado de autenticidade" de suas vidas... "Quem disse que eu não tô solteiro? Vá ver no orkut!" Assim como o usam para sondar a vida dessa e daquela pessoa. Sem falar que, agora além de um perfil, cada membro tem uma comunidade: "Eu adoro fulano".
Poxa, me amarrei nas matérias desse site! Olha, Marcelo, eu tenho Orkut e amei tudo o que você falou! Gostei porque você pôde mostrar de uma forma irônica todos os problemas que o Orkut pode trazer e como ele está dominando o mundo atual. Tudo hoje em dia se concentra no Orkut! Todo mundo agora pergunta logo a você "você tem Orkut?" É incrível! Eu fico assim pasma! Porque ninguém quer nem saber de onde você é! A primeira pergunta é se você tem Orkut... Nota 10 para essa matéria, ameiii!
Concordo plenamente com o que o Marcelo falou a respeito do orkut, e, tbm, com o que as pessoas comentaram. PORÉM, há ressalvas: se não existisse o orkut c/ certeza existiria algo parecido ou até igual, com outro nome apenas, q serviria para nós, os "contra-orkut", criticarmos... Além disso, acho muito legal e, às vezes, interessante ler os fuxicos das pessoas que têm orkut e das comunidades feitas para elas. Que atire a primeira pedra quem nunca fez isso e quem nunca se divertiu com isso. Ficamos sabendo dos outros de uma forma mais prática, coisa q não existiria s/ o orkut, o informativo pessoal, mesmo que, muitas vezes, enganoso! Eu diria que o orkut é um mal menor se for comparado com outras coisas ruins que poderiam existir. É, de certa forma, um anti-stress àqueles que chegam ao trabalho na segunda-feira pela manhã e ficam doidos para saber se há algo novo, essa necessidade de novidades é algo inerente ao Ser Humano. Portanto, eu diria que é saudável até certo ponto.
Bom eu tenho orkut, uma comunidade feita para mim e 300 e poucos amigos (sendo 99,9% pessoas que realmente conheço). O texto é maravilhoso principalmente a seguinte parte: em vez de "voce tem e-mail?" é, hoje, "voce tem orkut?". Na minha opnião, sendo bom ou não, o orkut já virou rotina dos brasileiros. Reparei nos comentários acima que quase todos não curtem o orkut mas o tem, disfarçando com a seguinte frase: "Eu tenho mas não uso". Para mim, o orkut é lazer. Durante a semana, o dia todo na frente do PC sem abri-lo, mas quando chega o final de semana - enquanto todos se matam, bebem loucamente (não sei pra que isso, parece que vai chegar o fim do mundo!) -, eu abro meu orkut, baixo música e chego inteira e saudável na segunda-feira...! O orkut tem o seu lado ruim/péssimo mas também tem lado bom quando se sabe usar.
"O orkut tem o seu lado ruim/péssimo mas também tem lado bom quando se sabe usar", concordo com o carinha de cima. Cometi Orkutcídio há 5 meses. É impressionante como eu sofria estando naquele lugar. Hoje, até engordei uns quilos. É patético!, mas assumo. No Orkut podemos ter acesso a coisas, sugestões, filmes, livros, texto e, principalmete, música. Entrei lá literalmente burra! É estranho como hoje conheço tantas coisas culturais e sou até um pouco inteligente por intermédio do Orkut. Não sinto falta e até penso hoje: como eu consegui ser viciada por 3 anos?
Em 2006 eu falei: se não existisse orkut, existiria algo parecido, e não deu outra: twitter, facebook... Tudo relativamente parecido com o orkut (ou com msn). No texto "Orkut way of life" o autor citou que o orkut não sobreviverá, mas se enganou! Estamos em 2011 e lá está ele, firme e forte. Talvez não tão forte, devido às outras redes sociais, mas está lá sendo usado por inúmeros, todos os dias... Eu mesma continuo usando ele, e não tornou-se cansativo, nem substituiu meu e-mail, nem enjoei dele, rs... Aliás, ele é benéfico, pois com ele mantenho contato com pessoas que não via há anos, e nos reaproximamos, mesmo que seja apenas virtualmente...