Encarem este texto como uma carta aberta ao Sr. Google, seja ele quem for, sejam meia dúzia de jovens milionários ou ricos executivos engravatados. E quem escreve esta carta é um escritor que ganha dinheiro com a web, produzindo sites, e alguém que estudou a grande rede mais ou menos a fundo antes de se formar em jornalismo.
Sr. Google, não se deixe seduzir pelo canto da sereia dourada, não perca a chance de fazer história na internet por permitir igualdade de espaço a pobres e ricos, empresas e pessoas físicas, organizações e associações, todos igualmente importantes. Não impeça que plebeus brasileiros e moçambicanos divulguem seus sites, seus trabalhos, suas vidas por uma ferramenta que pode se tornar um modelo de democracia e globalidade, uma enciclopédia viva e pulsante sobre tudo e todos, um espaço democrático porque livre e global porque presente em cada canto do mundo.
Explico.
Duas teses sobre a web e o futuro me marcaram enquanto estudava o Rádio Digital, lá no fim do curso de jornalismo. A primeira é do sempre polêmico Bill Gates, que já em 1995, no seu A estrada do futuro, afirmava que "a diferença entre profissionais e amadores será de talento e não de acesso a ferramentas". Ou seja, com o barateamento das ferramentas de produção (por enquanto, especialmente, produção cultural), será o talento do criador o grande diferencial.
A outra é de Nicholas Negroponte, que, também em 1995, em Vida digital, afirma ser a internet "modelo e metáfora do que se verá nas comunicações do século XXI" por causa da simultaneidade do emissor e receptor, ou seja, de quem publica e quem acessa. Não haveria mais uma Grande Rede G emitindo sinais para cem milhões de brothers ao mesmo big tempo, e sim dez milhões de usuários emitindo bits para em média dez pessoas. Uma simultaneidade já permitida pela facilidade de criar blogs, flogs e, principalmente, pela facilidade de criar sites (aqui vale um aplauso para o baixo custo da hospedagem e do registro de domínio).
Os conceitos de Gates e Negroponte convergem no fato de que o mundo do futuro (e estamos no começo de mundo apregoado em 1995) será um mundo de comunicação global e diversificada onde cada um poderá ser emissor, ter seu site, publicar textos ou fotos ou artigos ou idéias estapafúrdias. O que diferenciará o site da Coca-Cola do site da Tubaína será o talento de quem montou o site, e não tanto o faturamento anual da Coca-Cola. O que diferenciará um filme de Spielberg de um filme do meu amigo Zé será o talento do Zé, e não o quanto o Spielberg gastou em atores.
Mas parece um mundo irreal, não é mesmo? Parece um sonho? Pois é. Acontece que o mundo político e econômico sempre interfere na naturalidade da evolução tecnológica, especialmente quando tal evolução vem para beneficiar a população como um todo, e não os pequenos grupos de sempre (vide o caso da TV e do rádio digitais).
Quando comecei a trabalhar com sites, em 2001, conseguia cadastrar meus sites gratuitamente no Cadê, no Yahoo, no Google e em tantos outros. Como todos os clientes pediam basicamente estes três, cito apenas eles. Aí o Yahoo começou a cobrar. E logo comprou o Cadê. Foi um momento de muitas explicações para os clientes, crentes de que eu os estava enrolando. Mas não. O que parecia livre e universal, o futuro, começou a criar entraves, cobrar tarifas como tanto se faz no mundo físico e real. Só que com o tempo o Google ganhou tanto espaço que hoje ninguém mais fala "cadastra nos sites de busca", mas simplesmente "cadastra no Google". O Google virou referência, e inclusive outros diretórios de busca utilizam-se de seus robozinhos.
E se você, Sr. Google, conseguir manter a não-cobrança e agilizar o cadastramento de novos sites, o Google será um grande passo para o futuro, um grande passo para que a internet seja a tão sonhada mídia da massa, e não uma mídia de massa. Porque de nada adianta ser fácil criar um site, um blog, um álbum de fotos, se for difícil divulgá-lo. Cairemos na mesmice das mídias tradicionais. A grande novidade da internet, e aí está a importância do Google, é igualdade de ferramentas, então é preciso que tanto a Coca-Cola quanto a Tubaína, tanto o Spielberg quanto o Zé possam constar no Google e serem achados pelo mundo todo.
Espero, Sr. Google, sinceramente, que ouça as vozes aqui do Sul, do sul do Brasil, do sul do mundo. E dessa forma ensine para tantos o que é, de fato, democracia.
Que maravilha de texto bem escrito! Consegue passar ao leitor a aflição do autor (foi o que percebi) no momento da carta-pedido-desabafo. É como na interpretação de uma canção: todo mundo consegue cantar, mas só alguns conseguem passar aquilo que querem de forma objetiva, clara e gostosa.
Parabéns. Ah, faltou comentar da idéia do autor da carta em relação ao Google, né? Idéia bacana; mas as palavras combinadas com uma idéia bacana é que faz um leitor redigir um comentário positivo. Desnecessário fazer comentário positivo, mas achei importante já que ninguém comentou nada.