Num movimento de renovação literária, como o que ora origina este especial, é natural que as atenções se voltem para os autores, no final das contas os atores principais desta encenação, mandando para o buraco negro da memória editores e revisores. Não é injustiça; se os revisores das reportagens gonzo de Hunter S. Thompson - Ivan Lessa lembra que os contos de Jorge Amado chegavam à redação da revista Senhor com cada erro sensacional - ou os editores de Jack Kerouac foram de grande valia na preparação dos respectivos textos, nenhum deles ficou para a História. Entretanto, se editores e revisores são claros sobressalentes num processo editorial, há uma profissão cujo talento influi demais para ser considerado acessório no processo de unificar uma suposta geração literária: o programador visual. O que define a identidade visual, a primeira que se nota. E se ainda restam dúvidas sobre o talento ou a capacidade da assim chamada geração que é foco deste especial, não fica nenhuma sobre sua apresentação, quando se sabe que ela está a cargo de Mariana Newlands.
Não é exagero; inúmeros exemplos se espalham: a Editora do Autor poderia ter dez Paulos Mendes Campos, vinte Sérgios Portos e trinta Fernandos Sabinos e ainda assim correria o risco de não marcar presença sem a inovadora programação visual de Eugênio Hirsch; o mesmo pode ser dito para os discos de bossa nova da Elenco. Qualquer apreciador de tipografia sabe que a fonte ressucitada por Bea Feitler para o logotipo do hebdomadário Pasquim, em 1969, seria usada até gastar na década que se seguiu. A Companhia das Letras não teria estabelecido uma respeitabilidade tão sólida, a partir do começo dos anos 1990, sem valorizar suas capas, chegando a produzir tiragens com detalhes pintados à mão. Portanto, se Victor Burton tem papel fundamental ao nivelar por cima a qualidade das capas de livros brasileiros, estaria nas mãos de Mariana Newlands a unidade gráfica da nova literatura. E que mãos.
Designer gráfica, ilustradora, fotógrafa e arquiteta de informação, visitar seu portfolio é um deleite para qualquer um que almeje ter um mínimo de sensibilidade estética: a expressão "de mão cheia" soa insuficiente para descrever os talentos múltiplos dessa artista visual. Dona de um traço solto e delicado, cheio de espontaneidade (à laJules Feiffer), curiosamente semelhante ao de sua xará, a grande ex-ilustradora do JBMariana Massarani e versátil, indo do infantil ao grave com grande elasticidade, Mariana Newlands parece incapaz de realizar qualquer trabalho sem cobrir com um ar de delicadeza, elegância e um jeito singelo, fruto do convívio em meio à natureza circundante, da contemplação do simples que o converte em belo, luz que se espalha pela areia das praias, molduras de janelas coloniais e entre as folhagens da mata - basta ver suas fotos - não fosse ela, e faça o favor de se mandar daqui agora quem se incomoda com bairrismo, uma legítima carioca da gema, daquela estirpe que só faz desejar para quem não é daqui: aquele abraço...
Coincidência ou exiguidade do mercado editorial, coube a ela dar rosto a alguns dos principais projetos que têm revelado novos autores, como as coletâneas de contos Rio Literário e Contos sobre Tela ou a capa do terceiro e recém-lançado livro de
Daniel Galera, Mãos de Cavalo (só por reunir os dois um marco dessa geração). Não é a única programadora visual em cujos cuidados os novos textos ficaram; há que se lembrar do multi-instrumentista Joca Reiners Terron (editor, escritor, capista e faz-tudo no seu selo, Ciência do Acidente), ou de Guilherme Pilla, que conferiu respeitabilidade às diminutas edições da Livros do Mal com um projeto arrojado - mas só Mariana parece capaz de colocar todo mundo debaixo de seu guarda-chuva, de bolar uma identidade ao mesmo abrangente e inconfundível, que vá garantir que todos os autores sejam reconhecidos pela mesma chancela. Uma espécie de marca de qualidade, onde o leitor titubeia ante um escritor que ainda patina em seu ofício, a capa dá aquele empurrãozinho que faltava para a aquisição do livro.
E se até o próprio Galera confessa abertamente que compra livro pela capa, nada mais justo que, naqueles segundos iniciais em que o feitiço de uma capa bem bolada é mais forte, a gente lembre dela: à Mariana o que é de Mariana.
Rafael, belo artigo. Mariana Newlands é, sem dúvida, uma artista de enorme talento e sensibilidade e seu trabalho é extraordinário e de uma beleza e estilo ímpares. Escrever sobre ela como você o fez é reconhecer e enaltecer aquilo que é bom e que merece ser de conhecimento público.
Este artigo defendendo programador visual como fator importante na literatura só pode ter sido feito por um programador e para programadores, afinal, ninguém (nem o Galera) compraria um livro APENAS pela capa. É óbvio que se tiver um trabalho apurado e um nome (de autor ou de livro) interessante, atrairão mais a atenção. Porém achar que programador visual é importante, é o mesmo que atribuir a vitória numa corrida ao trocador de óleo.
Caro Mão Branca, programação visual num livro é tão importante como beleza numa mulher. Imagino que as suas namoradas sejam pessoas deveras interessantes.
Hehehe, tás brincando com essa sua comparação, Rafael.
Então, certamente vc não procura suas mulheres pelo conteúdo e sim pela maquiagem. Bem, no dia seguinte, depois de um banho imagino que elas não lhe sejam tão interessantes. []s