Nos últimos dois anos, sempre que eu ia a São Paulo e conversava com os meus amigos paulistanos, sentia uma pontinha de inveja (no bom sentido, é lógico) quando eles mencionavam a existência, na cidade, de um centro de estudos de excelência, onde professores de alto nível selecionados a dedo entre a nata pensante paulistana, ministravam a privilegiados alunos, cursos de temas variados, que iam da história da arte à filosofia grega, passando por sociologia, religião e literatura. Era a Casa do Saber, que conta, hoje, com duas filiais na capital paulista, uma em Higienópolis e outra nos Jardins.
Inaugurada em abril de 2004, a Casa do Saber nasceu quase por obra do acaso. Tudo teve início cerca de dois anos antes, quando o empresário Jair Ribeiro da Silva Neto começou a reunir, com regularidade, amigos em sua casa, em São Paulo, para estudar e discutir filosofia e convidou o professor da USP, Mário Miranda Filho, para mediar as discussões. Com o passar dos meses, o número de freqüentadores cresceu de maneira supreeendente, evidenciando o interesse de uma parcela da sociedade por encontros daquele tipo. Foi então que alguns dos membros do grupo - como o publicitário Celso Loducca, o advogado Pierre Moreau, a empresária Ana Maria Diniz e a atriz Maria Fernanda Cândido, entre outros - tiveram a oportuna idéia de abrir os debates ao público, criando um centro de estudos com as características e o espírito daquelas reuniões de amigos. O imediato e expressivo sucesso da Casa do Saber paulistana - que logo se viu na contingência de abrir uma segunda unidade para dar conta da procura crescente pelos cursos - é a prova de que a iniciativa veio em boa hora, suprindo, assim, uma carência histórica por instituições com este perfil nas cidades brasileiras.
Quando, no começo deste ano, eu soube através deste
Digestivo Cultural, que a Casa do Saber estava em vias de abrir uma filial no Rio e que, inclusive, já contava com um local para se instalar, fiquei exultante. O local em questão era um belo casarão onde antes funcionara um prestigiado restaurante de culinária argentina, o El Patio Porteño, incrustado em plena Lagoa Rodrigo de Freitas junto a Ipanema, a pouco mais de vinte minutos a pé da minha casa. Melhor, impossível, pensei. Logo que a unidade carioca foi aberta, o Digestivo colocou-se em contato com ela e foi agendada uma visita minha ao local, o que aconteceu na terça-feira, dia 6 de junho, num fim de tarde parcialmente encoberto e muito agradável. Lá, eu tive a oportunidade de me reunir demoradamente com o seu diretor executivo, Alexandre Ribenboim, que, com desenvoltura e entusiasmo, contou-me como tudo aconteceu.
Ribenboim, um engenheiro de sistemas carioca, que foi um dos sócios da MLab - uma bem-sucedida empresa de produção de sites, especializada em desenvolver páginas para grandes corporações -, foi apresentado à Casa do Saber em São Paulo apenas três meses após a sua inauguração. Ele havia chegado de uma temporada de descanso na Espanha - que considerou como o seu ano sabático - e estava sendo perseguido pela vontade de abrir, no Rio, um centro de estudos mais ou menos nos mesmos moldes, embora não soubesse exatamente de que maneira poderia fazer isso. Uma visita a amigos na capital paulista naquele ano de 2004 e a descoberta da existência da Casa do Saber pareceu iluminar o seu caminho. Logo, ele iniciou as gestões para trazer a instituição ao Rio e incumbiu-se de procurar por pessoas e empresas na cidade, dispostas a ajudá-lo a viabilizar a idéia, o que não tardou a acontecer. O conselho diretor da filial carioca conta, hoje, com nomes como o do editor Jorge Carneiro, o do publicitário Armando Strozenberg e o do presidente da Icatu Hartford, Marcos Falcão, além do próprio Ribenboim. Após meses de preparação e muito trabalho, a Casa do Saber abriu, finalmente as portas, no Rio de Janeiro, em abril de 2006.
Com trezentos e vinte metros quadrados de área construída, distribuídos por três andares, a Casa do Saber carioca possui três salas de aula. A maior delas, no térreo, conta com setenta lugares. As demais, possuem, respectivamente, trinta e vinte e cinco lugares. Por ironia é, justamente, a menor das três a que conta com a melhor vista; ela está situada no último andar e é a única voltada para a fachada principal da construção, de onde se descortina a paisagem deslumbrante da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Morro do Sumaré e do Cristo Redentor. Até o momento, já passaram por lá figuras de peso dos círculos intelectuais do Rio, como a crítica e tradutora Bárbara Heliodora, que falou sobre Shakespeare; o poeta e editor Alexei Bueno, que discorreu sobre os grandes poetas da língua portuguesa; o professor Fernando Santoro, que deu um curso sobre a filosofia na Grécia antiga e o professor e historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, que abordou o tema das relações internacionais após 1991 - ano da Guerra do Golfo, do fim da União Soviética e, conseqüentemente, da Guerra Fria (um tema muito interessante, por sinal). Para o próximo mês de julho já estão agendados cursos sobre o Mito de Édipo, ministrado pela professora Nina Saroldi; sobre Homero, que será dado pelo professor Antonio Cavalcanti Maia e sobre Mozart, ministrado pelo especialista em ópera Antônio "Mecha" Monteiro Guimarães, entre outros. De acordo com Alexandre Ribenboim, a procura tem sido alta, as aulas têm lotado e o interesse junto ao público é crescente e, até certo ponto, vem superando as expectativas iniciais, que já eram bastante otimistas.
O Rio de Janeiro, pela sua importância cultural e por abrigar um expressivo número de artistas e intectuais, não poderia deixar de ser brindado com a presença de uma instituição deste porte. Vale, no entanto, ressaltar que o perfil da Casa do Saber, em suas três unidades, foge ao paradigma universitário e isso é particularmente evidente na atmosfera adequadamente descontraída das suas aulas, onde os professores evitam se encastelar num pedestal para destilar pomposamente a sua sabedoria para uma legião de alunos submissos. A Casa do Saber é, isso sim, um centro de debates de inspiração quase socrática, um local que privilegia o pensamento e o conhecimento e é justamente por essas características, que a sua existência deve ser louvada e enaltecida por todos que defendemos o saber como um dos passaportes essenciais para alcançar a plenitude nas nossas vidas. Ainda mais numa época como a atual em que o ato de pensar e de refletir anda tão desvalorizado pela maioria.
Acho que podemos nos mobilizar, em nível nacional, para implantar esse projeto em nossas cidades. Isso não precisa do apoio do poder público, apenas da vontade de buscar o conhecimento e de ter consciência de que isso trará benefícios para o desenvolvimento intelectual de todos. Mãos à obra!
Faz alguns anos, um amigo convidou-me para comparecer a uma reunião que se realizava semanalmente ou quinzenalmente, não me recordo bem, onde se discutiam diversos temas, de preferência filosóficos, sempre com a presença de alguém mais entendido no assunto que, mais ou menos, dirigia as discussões. Compareci algumas vezes, mas penso que não estava muito preparada ou madura para este tipo de reunião e discussão. Assim mesmo, posso afirmar que eram bastante interessantes e uma forma de se pensar e crescer. Creio que aquilo já era um esboço de uma Casa do Saber, sendo mais informal.