Por que as esquinas possuem contornos arredondados? Por que geladeiras e elevadores têm a forma de cubos gigantes? Sob olhares desatentos, essas perguntas não merecem explicação. Mas os amantes do design as respondem com apenas dois nomes: beleza e funcionalidade. Sim, o design está em tudo, ainda que não percebamos, e ainda que ele exista para harmonizar as relações entre o humano e o resto do mundo. Com a intenção de explorar as raízes desse conceito no Brasil, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e o Movimento Brasil Competitivo (MBC) inauguraram a I Bienal Brasileira de Design, aberta para visitação até 6 de agosto no espaço da Oca, Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
A mostra destaca a inventividade e multiplicidade da produção brasileira, e ressalta que sua origem vem antes de Cabral ter aportado nestas terras: os índios, nossos primeiros designers, foram os responsáveis por aliar o despudor do corpo ao artesanato. "Os artefatos criados ao longo de cinco séculos revelam projetos de design implícitos ou evidentes: noções de função, uso e padrões estéticos vigentes", aponta a socióloga Elizabeth De Fiore. Essa intuição natural ajudou a moldar a identidade do design nacional, que concebeu cores, formas e texturas pelas mãos de pessoas anônimas, representantes da cultura regional. Por esse motivo, não se pode dizer que a Bienal é somente uma exposição artística, mas, sobretudo, de objetos cotidianos, necessários e atuais.
Nessa linha, a mostra faz um passeio pelas décadas do século XX, com destaque para objetos artesanais e industrializados, cujos projetos seguiram conceitos semelhantes dentro de sua época. Para as gerações mais antigas, uma verdadeira sensação de déjà-vu diante de móveis, eletrodomésticos e utensílios que não se vê há muito tempo. Para completar a ala histórica, duas figuras ilustres recebem homenagem no mesmo espaço: Rui Barbosa (o primeiro a defender a importância do desenho na arte industrial) e Santos Dummont, que além de grande inventor, soube aliar forma e função - o relógio de pulso, por exemplo, é uma criação atribuída a ele.
A designer francesa Charlotte Perriand, uma das mais importantes do século XX, também recebe, post-mortem, um espaço dedicado ao seu trabalho no último piso da Oca. O andar traz uma ampla visão de sua trajetória, seus projetos e idéias, assumidamente inspirados na paixão que nutria pelo Brasil, onde viveu por muitos anos. Nessa estadia, conviveu com grandes designers e arquitetos brasileiros, que foram fortemente influenciados por sua obra. "Devemos observar aqui essa disposição, a presença de um alto índice de invenção, na busca de peculiaridades que ainda podem ser exploradas", observa o designer Aloísio Magalhães.
Outro piso da Oca é dedicado às novas funções do design contemporâneo, transformado radicalmente pela tecnologia e pelo mercado. Os centros urbanos merecem destaque pela nova necessidade de uma interferência planejada, a exemplo dos projetos de sinalização brasileiros, que ganharam repercussão internacional. Também destacam-se as logomarcas brasileiras, as capas de livros e CDs e - um objeto que, para os brasileiros, vai além da função de locomoção - os automóveis. "O design de carros no Brasil sempre interessou aos estrangeiros, da Europa à África. O Fox, por exemplo, é o primeiro projeto nacional com presença mundial", ressalta Fábio Magalhães, curador geral da mostra. De fato, a partir dos anos 50, com a implantação da indústria automobilística por aqui, a produção de carros transformou a cara do Brasil. E o Brasil transformou a cara dos automóveis.
"As sandálias da marca Havaianas são outro fenômeno de produto popular que é consumido pelas classes A e B dos países desenvolvidos", lembra Magalhães, ressaltando que a tecnologia proporcionou uma facilidade extraordinária para produzirmos, em larga escala, um design com identidade própria, sensualidade e paixão pelo arredondamento. Sem sombra de dúvida, nada representa melhor o Brasil do que a curva, presente nos relevos disformes, nas vegetações tropicais e, claro, nas formas humanas. É uma geometria aconchegante e receptiva, que faz o estrangeiro se sentir em casa. Nessa brecha, entra a diferença entre arte e design - a relação do pensar com o fazer - como lembra o curador geral da exposição. "O artesanato é ligado à tradição, já o design exerce uma função de ruptura, sempre à procura de novos caminhos, ainda que sua fonte de inspiração seja sempre a cultura brasileira".
Faça um teste: repare nos objetos à sua volta, perceba suas formas, espessuras, peso e movimento. Tente encontrar algo que não tenha sido concebido para o fácil manuseio e o conforto. Desde os grandes projetos de arquitetura aos objetos mais simples, todos incorporam a anatomia do corpo humano. O século XX, especialmente o que sucede o modernismo, deixou de lado os detalhes desnecessários e aderiu ao minimalismo. Essa limpeza varreu os adornos barrocos e neoclássicos para dar lugar ao útil e simples. Ou seja, nos ares futuristas, o belo deixa de ser prioridade e passa a brilhar ao lado do funcional. Ninguém mais quer a estética no caos do desconforto.
Muito bem lembrado. Penso que uma das melhores coisas que a modernidade fez por nós foi banir o raio do rococó. A simplificação para a funcionalidade é uma coisa boa que os tempos trouxeram. Só tem uma coisa que complicou mais do que a gente supunha ser possível: controle remoto. Você tem seu DVD, sua TV, seu Surround, seu antigo VHS e o corolário disso são vários controles remotos somando centenas de botões, a maioria absolutamente indecifrável, cujas funções misteriosas são diretamente proporcionais ao tamanho das letras e símbolos impressos no centro, dos lados, abaixo e acima de cada um deles, de preferência traçados como minúsculas ranhuras que rapidamente se enchem de sujeira e somem contra um fundo negro. Coisas de uma mente maligna. Isso é o que há de mais excessivo no barroco rococó, deslocado de sua antiga área formal, ressuscitado e invadindo a funcionalidade das coisas.